Por Luísa Graça
Terra e arte. Na comunidade de ascendência japonesa Yuba, localizada no interior de São Paulo, esse dois valores têm a mesma importância. Sem circulação de dinheiro, vive-se do trabalho da roça, mas ao cair da tarde é a prática de dança, música, teatro, haikai, bordado – e por aí vai – que entra em cena. Foi essa simbiose que impulsionou o Verão 19 da marca homônima de Fernanda Yamamoto: uma coleção linda de ver e sentir; abundante em cores, texturas, formas e histórias. “Fiquei bastante sensibilizada quando percebi como essas atividades podem se influenciar mutuamente: a delicadeza com que se toca um instrumento pode também ser percebida no momento de tratar um alimento”, explica a estilista, em nota oficial. “Da mesma forma, a dureza e o peso de um trabalho braçal na roça podem ser suavizados com a sutileza das artes”.
Logo no início do desfile uma cena que incorpora justamente esses dois preceitos: sentada na boca de cena, a yube Yarani Assaka Yuba tocava uma música composta por membros da comunidade em um violoncelo construído à mão por outro membro da comunidade, a partir de materiais cultivados lá – todos lavradores, todos artistas. É a arte e o trabalho, sim, e também o espírito coletivo, a sustentabilidade e produção artesanal.
Ao natural
Acompanhando o dia-a-dia da comunidade em diversas visitas à Mirandópolis, Fernanda decidiu incorporar a filosofia yube não apenas no conceito da coleção, como no processo de confecção, buscando diminuir o desperdício e trabalhar manualmente em todas as peças. Propôs-se um desafio de experimentação ao trabalhar a cartela de cores – que abrange tons escuros e claros, cores frias e quentes, usando exclusivamente tingimento natural.
“Eles têm esse princípio de fazer tudo com as próprias mãos. Então, pensamos: Vamos buscar muitas cores? Partimos de quatro tecidos – duas sedas, um algodão e uma poliamida, e, então, tingimos, fizemos laboratório”, conta ao FFW. Arroz negro, urucum, cascas de cebola e repolho roxo são algumas das matérias-primas utilizadas nesse processo que resultou numa coleção arco-íris, bem amarrada pela última peça do desfile: um vestido em seda plissada todo colorido. A gradação e intensidade de cores que permeiam a coleção é mesmo impressionante, ainda mais levando em conta o processo natural. Os diferentes tons, do amarelo vibrante ao cinza e o branco, trabalham a favor da modelagem criada com base em três formas geométricas: triângulo, quadrilátero e círculo, e das texturas (o tal plissado, as tramas de tricô), o que culmina em peças com aspecto tridimensional e muita organicidade.
Together we stand, divided we fall
Resultados tão satisfatórios e sofisticados foram alcançados com a colaboração de muita gente. Fernanda faz questão de frisar que contou com especialistas em tingimento natural, em plissados, em shibori (técnica japonesa que preserva partes do tecido através de torções, amarras, costuras e dobraduras na hora do tingimento), em cerâmica (sim, há aplicações de cerâmica em algumas peças), bordados e tricôs – it takes a village… “O forte senso comunitário que vimos em Yuba guiou todo o processo coletivo de concepção”.
No casting do desfile, ela contou ainda com a presença de amigos artistas que se identificam com a filosofia yube e com sete mulheres da comunidade. “Uma coleção inspirada neles só teria sentido se eu os trouxesse para apresentá-la”, explica. “Este trabalho foi inspirado em Yuba porque eles trazem uma mensagem que é muito pertinente aos dias de hoje. A gente está num momento muito conturbado e eles têm essa essência da coletividade, da simplicidade. Do que é essencial. A maneira como eles enxergam a vida é uma lição”. Bem como em uma comunidade, na coleção de Fernanda cada cor e peça, cada elemento, brilha em sua individualidade, mas juntos, em efeito arco-íris, há algo ainda mais poderoso.