Existem dois modos de se apaixonar pela Prada que podem se cruzar ou não. A paixão imediata pela superfície do que vemos, ou seja, a roupa pronta, e a paixão pela ideia que levou à feitura daquela coleção. Há momentos em que a roupa e a ideia estão tão facilmente conectadas que o deleite é duplo: a intelectualidade agradece e a vontade de consumo aparece na hora. Mas a Prada nunca é uma marca fácil. Porque quer mesmo criar fora do que as pessoas esperam do gosto comum.
O que aconteceu dessa vez? O telespectador comum do desfile (que já sabe que está lá para entender alguma coisa) percebeu a austeridade do cenário. Mais seco impossível. O que pode ser mais seco e com pouca possibilidade de vida que um deserto? Mas o deserto é da Prada, então onde está o elemento nonsense? Na cor do deserto: lilás. Cobrindo toda a superfície da sala do desfile, em carpete marrom. Causa estranheza e incômodo estar num lugar assim. É o que Miuccia sempre propõe: sair da zona de conforto. Desta vez a Prada se mostrou ainda mais malévola, rejeitando o status quo. A entrada dos looks não foi impactante à primeira vista. Com o tempo percebeu-se uma espécie de homenagem à matéria-prima. Foi como estar numa dessas feiras de tecidos ou couros italianos, como a Lineapelle e a Pitti Filati, onde não vemos looks e apenas pedaços de panos. Ok, nisso acertamos.
Dois looks da Prada que mostram a falta proposital de acabamento ©ImaxTree
A IDEIA
Vendo a coleção no re-see da marca, constatamos que, sim, Miuccia quis mesmo provocar com essa secura. A ideia parte de uma hipotética situação catastrófica: uma mulher fugindo de uma guerra, correndo numa duna, vestindo a primeira coisa que achou pela frente. E essa coisa é um casaco que transmite uma riqueza decadente: feito de um tecido muito antigo, puído, desfiando. Ela carrega uma clutch, mas que parece mais uma bolsa vintage de uma avó rica que acabou perdendo a alça. Suas meias, usadas com sapatos de salto, sobem até os joelhos e parecem pouco adequadas. Mas são de seda. A mistura de cores também transmite essa decadência em cores de brechó, combinações que transmitem o velho.
Na feitura das peças, porém, todo um respeito (inicial) ao antigo. Miuccia cismou em reproduzir tecidos de 1700, não apenas na aparência, mas no modo de fazer. Nos looks finais, no entanto, a subversão: criou estampas que funcionavam como carimbos em cima da estampa original.
O QUE FICA DISSO TUDO?
Na prática, existe não apenas uma silhueta certa para o momento, estruturada, clássica, levemente feminina em alguns looks, mas também a continuação de um certo gosto irônico pelo vintage. Os tecidos com a tal estampa “carimbada” têm tudo para agradar aos mais jovens porque lembram colagens que vemos tanto no mundo pós-photoshop. A quebra da impecabilidade também continua como um valor forte na moda e o comportadinho começa a aceitar pequenos rasgos e fios sobrando. Tecidos pobres com ricos. E assim caminha a Prada, com as alterações constantes e necessárias do humor de Miuccia. E assim caminha também a moda, história construída com os gostos e as escolhas dos nomes que importam.
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Veja abaixo mais imagens do desfile e do re-see da Prada: