A coleção de Rick Owens foi uma das mais usáveis que ele fez em muitas temporadas, mas não por isso deixou de mostrar a habitual estranheza e questionamento estético que acompanham seu trabalho.
Desta vez, Owens queria falar sobre a liberdade e o glam dos anos 70 e para isso aproveitou uma das referências usadas em seu desfile masculino, em janeiro: o designer Larry Legaspi, falecido em 2001. Pouco reconhecido, ele fazia figurinos para a banda Kiss, Grace Jones, Labelle e Divine, entre outros trabalhos.
Rick notou o mesmo elemento transgressivo de Legaspi e Kiss na geração jovem atual que tem experimentado com próteses e modificação corporal, criando imagens radicais feitas com a ajuda de softwares.
Entra em cena Salvia, uma menina de 18 anos do país de Gales, que foi contratada para ajudar na maquiagem de alguns looks. Ela trouxe o não conformismo usual que vemos nas coleções de Owens; ele entrou com a parte glam e sexy, ao seu modo. Um glamour sombrio ou, em suas próprias palavras, uma “sweaty elegance”.
Por fim, outra referência importante é o empresário e designer Mariano Fortuny (1871 – 1949), que ficou famoso por seus tecidos estampados. A fábrica Fortuny existe até hoje em Veneza, onde Rick tem casa. de lá saíram os tecidos que viraram os belos vestidos que abraçam os corpos das modelos.
Curioso notar que um dos desfiles que mais conversam com a vanguarda na semana de moda de Paris tem como inspirações pessoas que já morreram há bastante tempo e ainda assim mantém um diálogo com o futuro.
O desfile abre com alfaiataria, paletós, jaquetas e bombers com ombros esculpidos sobre bodysuits com tachinhas, uma referência às peças de LeGaspi para o Kiss. A combinação de cor entre body e jaquetas rende um ótimo resultado – a cartela é bem bonita ao longo de toda a coleção.
A série de vestidos – ou esculturas para vestir – é especial, talvez porque denota um novo approach no trabalho de Owens. É inegavelmente feminino, sexy e contemporâneo.
Diz se não é lindo? ⇓
“Eu penso em poesia quando estou compondo minhas coisas. As roupas são composições, como a poesia”
Rick Owens ao BoF
Beleza
Algumas modelos tiveram seus rostos modificados para o desfile. Quando apareciam com o rosto limpo, usavam ao menos lentes de contato que por si só já transformavam sua aparência.
Salvia
Difícil escolher uma foto para postar, então vá lá no @salvia para ver o trabalho dela. A jovem artista, cujo nome real é Caleb Morris, ofusca a fronteira entre físico e digital. Ela vai distorcendo sua própria imagem no Photoshop, adicionando elementos que podem vir de flores e criaturas do mar e que, unidos a uma maquiagem de alucinar, forma um ser extremo e surreal. “Não sou limitada pela realidade”, ela disse em uma entrevista para a Another Mag.
Tudo começou como uma obsessão pelo trabalho de Alexander McQueen quando ela tinha 14 anos. Salvia aprendeu a fazer maquiagens assistindo tutoriais de drags e góticos no Youtube. “Detesto arte com processos criativos óbvios. Gosto da arte que te faz perguntar como ela surgiu”.
Só para ter uma ideia do quão longe ela está disposta a ir, Salvia construiu um tanque de água no jardim de sua casa após assistir ao filme A Forma da Água, de Guillermo del Toro.
Larry Legaspi
Larry LeGaspi (rip) foi praticamente um designer invisível por grande arte de sua vida. Fez muito, mas pouco crédito ganhou. Graças ao interesse de Rick Owens, um livro sobre seu trabalho será lançado pela Rizzoli no segundo semestre, com o apoio de sua mulher e filha. Há um perfil no Instagram feito em sua homenagem, que vale muito ver. @gofreemoonstone por sua obsessão pela lua e pela época futurista. Sua primeira loja era decorada para parecer a cratera da lua.
Nos pés
As botas são lindas e foram inspiradas nas usadas pelos músicos do Kiss.
Rick também já está usando a dele.
E os convidados do desfile…