Goste ou não, as marcas de influenciadores digitais vieram para ficar. Cada vez mais, esses profissionais das redes sociais têm chamado estilistas e profissionais renomados para auxiliar na construção de suas marcas de roupas, capitalizando em seu conhecimento de comunicação, habilidade com comunicação e grande número de seguidores. Faz sentido: por muito tempo, os influenciadores digitais foram conhecidos pelo seu potencial de influenciar seus seguidores a comprarem produtos de marcas diversas através de publisposts. Disso, para vender seus próprios produtos foi um passo natural. Hoje, esses influenciadores tem se tornado empreendedores e podem anunciar e promover suas marcas em seus próprios perfis, criando uma nova receita receita sem um custo adicional de marketing e com maior potencial.
A pandemia, a democratização do conteúdo e a cultura do cancelamento provocou um sentimento de esvaziamento de influenciadores digitais, a perda de relevância de alguns nomes e a distribuição das verbas de mídia de grandes empresas para mais influenciadores – com novas mídias, como o Tiktok, todo mundo parece ser um influencer e ter alguns milhões de seguidores não é mais sinônimo de ser realmente influenciador. Micro Influenciadores (aqueles com até 100 mil seguidores), de nicho, experienciaram um crescimento em verbas de marketing e visibilidade, ao passo que alguns macro influenciadores perderam parte de seu público ou poder de influência. Mas o cenário é um pouco diferente quando falamos dos ‘influempreendedores’, os influenciadores que decidiram investir em seus próprios negócios.
“Realmente algumas (influenciadoras) perderam sua relevância, mas várias entenderam o poder que elas tinham de venda. O que tenho percebido é o pensamento ‘Se eu consigo vender tão bem um determinado produto de outras marcas, por que não vender o meu produto?’ e é isso que vem acontecendo” conta André Boffano, estilista da Modem Studio e que também presta consultoria para marcas de moda de influenciadoras, entre elas a RK da influencer Rafa Kalimann.
O movimento é relativamente novo: Chiara Ferragni, uma das primeiras blogueiras de moda que se tem notícia, foi também uma das primeiras a criar sua marca própria, a Chiara Ferragni Collection, que desde que foi lançada, em 2013, já fez licenciamentos de perfumes, maquiagem e colaborações até com a Nespresso, além de sapatos, roupas e acessórios, é claro. A influenciadora norte-americana Danielle Bernstein que falava sobre suas roupas no Instagram, sobre a alcunha de We Wore What também se tornou notória com a sua marca própria, de mesmo nome (infame por uma série de acusações de plágios e cópias, denunciados com bastante frequência na conta do Diet Prada).
NO BRASIL
No Brasil, essa moda pegou. Várias influenciadores digitais também têm ido pelo mesmo caminho, e não são poucas. Camila Coutinho, também uma das primeiras blogueiras do país e fundadora do Garotas Estúpidas, criou o Ge Beauty, marca de cuidados com o cabelo; a paulistana Helena Bordon é dona da Hela Beauty e da By Helena Bordon; Marina Ruy Barbosa com a marca Ginger, criada no início do ano passado e que tem estilo de Leandro Benites; a marca NV de Nati Vozza, que, apesar de todas as polêmicas com o nome da influenciadora, foi adquirida pelo grupo Soma por R$ 210 milhões; a Carol Bassi Brand, marca da influenciadora Anna Carolina Bassi, que acaba de fazer sua estreia na SPFW.
Além dessas, Rafa Kalimann, Angelica Bucci e Pâmela Ferrari também são mais alguns nomes de influenciadoras digitais que recentemente lançaram suas próprias etiquetas. Essas três tem o estilista André Boffano assinando o estilo (no caso de Bucci e Ferrari, apenas a partir das próximas coleções), com quem conversamos, para entender um pouco mais sobre esse cenário. André é estilista da Modem, já passou por marcas como Givenchy e Bobstore e agora também presta consultoria criativa para marcas de influenciadores, ao que comenta: “Elas tem o lifestyle delas, os gostos dela e eu levo um lado mais comercial e o aspecto técnico (para a marca)”.
Na prática, é muito mais do que um trabalho de consultoria criativa, como grande parte desses influenciadores não tem, necessariamente, um conhecimento sobre o funcionamento de um negócio de moda, o trabalho de criadores como André Boffano diz respeito não só à criação do produto de acordo com a demanda das clientes, mas ao planejamento do produto, distribuição e o formato de trabalho de cada uma dessas marcas. “É uma troca bem interessante, já que elas (as influenciadoras) têm essa ferramenta de venda muito pronta através das redes sociais delas” conta André.
SOMATÓRIA DE EXPERTISES
Se, com frequência, negócios de moda no Brasil tem dificuldade em perdurar por vendas baixas (cerca de 60% dos novos empreendimentos no Brasil fecham após 5 anos, segundo o IBGE), o papel do influenciador, tão treinado a influenciar e vender produtos, pode funcionar como um trunfo junto ao criativo de moda, nessa lógica.
André começou esse novo trabalho com influenciadoras em fevereiro deste ano e aponta uma grande diferença de nicho: “Sempre trabalhei em grupos ou em empresa própria. Desta vez, estou trabalhando com pessoas que tem um público vasto, (22 milhões de pessoas, no caso da Rafa Kalimann), uma ferramenta que eu nunca tive antes. Ao mesmo tempo, é diferente de estar em uma marca que tem um histórico, é sobre traduzir o lifestyle de uma pessoa. O trabalho de ir em um acervo de uma marca e entender seu DNA…agora é um trabalho que tenho que fazer com uma pessoa que existe, que está com seu estilo em evolução e pode mudar de ideia”.
Rafa Kalimann já era influenciadora, falava sobre seu lifestyle, vida e família, seu público era principalmente ligado ao sertanejo. No entanto, a influenciadora foi catapultada para a fama durante o BBB20, se tornou uma das participantes que mais ganhou seguidores e hoje acumula cerca de 22 milhões de fãs em seu Instagram. Sem um background na moda e experiência nesse tipo de negócio, Rafa Kalimann convidou André Boffano para a consultoria e estilo de sua marca, a RK, lançada em abril deste ano.
A microinfluenciadora digital Angelica Bucci, de São Paulo, conta com 34,6 mil seguidores em seu Instagram, onde sempre falou de moda e beleza, com uma abordagem de nicho, conversando com um público de moda com alguma bagagem cultural e estética do segmento e maior poder aquisitivo. Angelica é formada e Fashion Merchandising em Miami e Design de Moda pela Escola Panamericana de Arte e Design e conta que sempre desejou abrir uma marca. Ela realizou o sonho da marca própria, homônima, no início da pandemia: “Justamente durante um período tão difícil e cheio de incertezas, empreender não soa como o melhor plano a se seguir. Porém, foi justamente nesse período que meus trabalhos como influenciadora desaceleraram e eu pude entrar em contato com esse desejo, e com o apoio da minha família, decidi começar.” conta.
O primeiro lançamento da marca, ainda durante o período de isolamento, conta com peças mais confortáveis e, principalmente, os moletons, peça do momento durante o ano passado. Para essa nova fase da marca, que ainda está em construção, Angelica pretende estabelecer melhor o público e branding da marca, bem como desenvolver o mix de produtos, com uma estética que mistura o vintage e o contemporâneo.
Já Pamela Ferrari, que também conta com a ajuda de André, tem 867 mil seguidores em seu Instagram, onde trabalha como influencer há 8 anos e fala sobre seu lifestyle, família, viagens e moda. A sua marca By Pamella Ferrari surgiu de uma paixão que sempre nutriu desde a infância, quando suas tias costureiras confeccionavam algumas de suas roupas – o que continuou acontecendo, mesmo depois de se tornar influenciadora.
Sobre o papel do influenciador e o do estilista nesse processo, André conta: “Em todas as marcas é um papel de uma troca muito grande. O primeiro passo é entender qual o lifestyle, quais as expectativas, o estilo em termos de produto que essas cliente esperam e em seguida explicar os prós e contras dessas expectativas”.
Para Angelica, ter um profissional de moda nesse processo é essencial: “Principalmente no planejamento de coleção e desenvolvimento de produto. Conseguir estabelecer preços de custo razoáveis e ao mesmo tempo desenvolver produtos de qualidade dentro de um cronograma é um grande desafio. Consequentemente, ter um profissional com essas expertises ao seu lado pode ser um fator decisivo para seu negócio prosperar. A relação é de troca e parceria. A parte criativa e conceitual fica mais para mim e o trabalho de concretizar estas ideias da melhor forma possível fica mais para o estilista/consultor”.
Pamella reitera, afirmando que o estilista é muito importante nas questões técnicas e para colocar o pé-no-chão sobre o negócio: “Quando pensamos em tirar nosso sonho do papel só imaginamos as coisas maravilhosas que queremos alcançar, esquecemos que todo início é difícil, que a falta de experiência pode atrasar tudo e até mesmo falir o negócio. A contratação desses profissionais é fundamental, economiza tempo e dinheiro.”.
PRECONCEITO
Desde que influenciadores existem – até quando eram ainda blogueiros e blogueiras – essa profissão divide opiniões no mercado, seja nos paradigmas éticos dos publis sinalizados ou não e até a ideia de esses profissionais não são qualificados para desempenhar algumas funções. Isso também acontece quando falamos de influenciadores de moda e suas marcas, questionados sobre sua qualidade e informação de moda e até se deveriam ser essas personalidades a frente desse protagonismo na moda, principalmente, aquelas que não tem um extenso currículo no ramo. Por um lado, é inegável que parte desses questionamentos sejam pertinentes e importantes de serem levantados, mas, por outro, marcas de influenciadores também podem ser responsáveis por um reaquecimento muito necessário do mercado, pela geração de empregos no setor da moda e por unir a expertise de vendas desses profissionais com a visão criativa e expertise técnica de estilistas de moda.
“Sem dúvida existe um receio com marcas de influenciadoras, principalmente àquelas que não tem um background de moda.” conta André. “Se essas influenciadoras não comunicarem bem o produto que vem sendo feito, dificilmente entendedores de moda, que buscam um produto de qualidade vão acreditar naquele produto. Existe esse preconceito, mas essa comunicação tem que ser feita de uma forma muito adequada” continua. “Só por ser influenciador as pessoas já criam um pré conceito sobre você, mesmo o mercado sabendo que os influenciadores são necessários para o posicionamento e marketing das marcas!” afirma Pamella Ferrari
Angelica Bucci concorda que existe um receio com as marcas de moda de influenciadores digitais: “Muitas vezes acreditamos que um influenciador digital não possui as expertises e competências necessárias para criar sua própria marca. O que pode ser verdade, afinal, empreender e criar conteúdo por mais que sejam áreas complementares, são muito diferentes. Porém, acredito que seja um caminho muito plausível. Claro que isso não se aplica a todos os casos, porém, é uma opção interessante para quem sente a necessidade de diversificar sua renda, ou ainda, expandir sua capacidade de criação e atuação no mercado.”
FÃ-cliente
Vale o questionamento: com tantos seguidores e lifestyle invejável, quem apenas acompanha e quem compra os produtos destas influenciadoras? Segundo uma pesquisa do Ibope, 50% dos internautas brasileiros compram produtos indicados por influenciadores, esse número varia de acordo com as faixas etárias, 75% dos jovens de 16 a 24 anos acompanha influenciadores digitais nas redes, 62% dos adultos de 25 a 34 anos e 40% de 35 a 54 anos acompanha os influenciadores. No recorte social, a diferença é pouca, 56% da Classe A acompanha pelo menos um influenciador(a) digital, 54% da Classe B e 48% da classe C. A faixa de preço das peças de roupa das marcas de influenciadoras brasileiras citadas e analisadas no texto variam de R$159 a R$400, em média, com alguns produtos mais caros, até R$787 no caso da RK.
“Não basta ter milhões de seguidores para vender um produto. Se esse produto não for adequado ao público dessa influenciadora, se não for comunicado da forma correta, pode não acontecer a venda.” afirma André Boffano, “Não tem nada garantido no mercado, são uma série de variáveis. Principalmente durante a pandemia, o consumo das classes C e D diminuiu mais, onde estão a maioria dos seguidores de uma influenciadora que tem milhões de seguidores num país como o Brasil” finaliza.