No começo desta história existe uma mulher, Jacira Roque Oliveira, artista e moradora da periferia de São Paulo. Criou seus meninos, Evandro e Leandro, dando o que de melhor tinha. E nesse melhor, a poesia de seus bordados. “As pessoas me perguntam, ‘Jacira, não dá pra fazer isso na máquina?’. As pessoas não entendiam o que eu queria dizer com isso”, comenta Jacira no backstage do desfile da LAB na SPFW. O trabalho manual de Jacira é um dos fios que alinhavaram o conceito da coleção, como contou João Pimenta, diretor criativo da marca. Não à tôa o tema é “Herança”.
Evandro Fióti, um dos irmãos, já tinha pedido para João Pimenta para que o tema fosse samba. “Ele me contou que cresceram com o samba em casa, então entendi que tínhamos autonomia pra explorar isso”, diz João. A persona que se criou para a história é a de um menino, skatista, que usa roupas da LAB, ouve rap. Ele herda um guarda-roupa de seu avô, um sambista dos anos 30, e começa a misturar suas roupas street com roupas vintage.
A ordem de entrada dos looks segue um sentimento com começo, meio e fim, como se fosse numa escola de samba. Primeiro chegam os looks pretos simbolizando um luto pelo País. Atrás de um dos jaquetões de nylon – uma japona que chega quase a ser um sobretudo street – uma bandeira do Brasil toda preta.
Alguns pontos de cores começam a surgir. “Porque acreditamos que é no carnaval, é a músic que resgata a nossa vontade de continuar”, vai contando João Pimenta. E as cores invadem totalmente os looks com os bordados de Jacira, uma festa de cores, histórias, palavras. A artesã e mãe da dupla escreveu cerca de 12 páginas para explicar os desenhos bordados na jaqueta. Começava com um pinguinho no oceano. E quando sua assistente Chiquinha entra na sala e começa a falar, dona Jacira bordou o diálogo na jaqueta, algo como “Chica, para de falar…”.
Quem comprar a jaqueta, que é peça única bordada à mão, leva junto com a peça um pedaço desse momento. Leva também um pedaço de uma parte importante da história do povo brasileiro. “Eu não sabia que era negra, fui aprender sobre resistência aos 40 anos”, conta Jacira, que borda desde os 8. “Não está na nossa educação falar de negro, falar da diáspora e do patrimônio imaterial que é a comida africana, o forró, o coco, a tradição.”
Os bordados entram na coleção trazendo um valor do que é artesanal, da consciência do modo de fazer uma peça, da moda que tem propósito, passado e assim, futuro. O clima da coleção inteira é elegante, embora street, confortável, seguindo o lifestyle da marca. As calças retas e fluidas do típico malandro do samba, com seu chapeuzinho, casam perfeitamente com o street mais esportivo do hip hop.
É claro o passo a mais percorrido desde a estreia da LAB na edição passada da SPFW. Aqui vemos uma vontade de amadurecimento, tanto do fortalecimento de discurso da cultura negra como do fortalecimento da marca como reflexo de um determinado estilo de vida. Que aparece na plateia, homens, mulheres, jovens negros, estilosos, confirmando representatividade. Não surpreende mais o casting ser 70% negro, não causa mais furor a presença de modelos plus size na passarela porque felizmente, pelo menos numa parte do mundo, estamos nos acostumando a tudo isso.