Ponto de Vista, por Lucas Assunção, publicitário e produtor de conteúdo
Nas últimas semanas, fotos de Jacob Elordi (acima) tomaram conta das redes sociais. O ator, que dá vida a Nate Jacobs, estereótipo da masculinidade tóxica em Euphoria e Noah Flynn, o interesse romântico da franquia ‘Barraca do Beijo’. Apesar de toda a fama que já circula tudo que o ator produz, as fotos surpreenderam pela aparente desconstrução da tal masculinidade tóxica feita pelo ator, ao exibir unhas pintadas, botas de salto e afetividade com um homem gay, Tommy Dorfmann, ator de séries da Netflix.
Aplaudir homens heterossexuais por fazerem o mínimo, enquanto figuras marginalizadas que sempre o fizeram continuam na invisibilidade, não é nenhuma novidade. Harry Styles é frequentemente aclamado por seu estilo agênero e tido por alguns até como um ícone queer. Por mais que o cantor faça questão de deixar uma nuvem de ambiguidade em cima de sua sexualidade, precisamos entender que escolher não se assumir nada, enquanto figura pública é, também, escolher se omitir do debate; e diz de uma espécie de passabilidade da qual apenas figuras masculinizadas desfrutam.
É claro que é interessante ver homens heterossexuais e/ou masculinizados dispostos a experimentar esteticamente. Isso não é um ataque a essas celebridades ou a seu estilo pessoal, mas uma reflexão sobre a performatividade da masculinidade e sexualidade através da e na moda. Se estamos no meio de uma transição para uma desconstrução da masculinidade e dos conceitos socialmente engessados e deterministas de gênero na moda e na sociedade, precisamos entender como isso tem sido feito.
Outro exemplo importante de se questionar é a investida da Chanel em criar maquiagens para o público masculino. Há alguns anos a marca criou a Boy de Chanel, linha de cosméticos voltada para o público masculino e, mais recentemente, a marca lançou uma linha de maquiagem “masculina” com corretivo (em pouquíssimos tons), lápis (apenas em tons neutros) e esmalte (disponível apenas em preto fosco). Parece um grande throwback ao conceito de “metrossexuais” dos anos 2000: homens que se importavam com a beleza, mas não deveriam ser confundidos com homossexuais, e portanto, só utilizavam cosméticos simples, naturais e em tons neutros.
Duas décadas depois e parece que ainda estamos tendo as mesmas discussões, então nos cabe perguntar: será que criar novos rótulos, como “maquiagem masculina” é realmente o caminho para desconstruir esses estereótipos? Ainda, homens de unhas pintadas são o caminho para o fim da masculinidade tóxica?
Enquanto homens brancos heterossexuais recebem visibilidade e aclamação por usarem estéticas não-normativas, mulheres, pessoas de cor, personalidades queer e LGBTQIA+ que sempre o fizeram, parecem continuar sendo marginalizadas até hoje. Então estamos realmente lutando contra a masculinidade tóxica e o ódio ao feminino ou apenas ressignificando signos – botas, maquiagem, esmalte – a serviço do capitalismo e da indústria?
Enquanto a masculinidade tóxica é o exemplo aqui, a performatividade na moda – e na indústria criativa como um todo – não se limita a isso. É semelhante quando vemos modelos travestis e transsexuais cruzando as passarelas, mas que ainda tem dificuldade de se inserirem no mercado de trabalho e ocuparem cargos na indústria. Ou mesmo, quando vemos um casting diverso em alguma grande grife europeia, mas que as imagens por trás das câmeras mostram uma equipe composta por uma maioria esmagadora de pessoas brancas.
Parece que estamos sistematicamente aceitando novas imagens como tendências de moda à medidas que elas se tornam palatáveis em uma performatividade de aceitação que não parece não atingir a raiz do problema. A moda é uma indústria extremamente imagética e, sobretudo, performativa, mas precisamos, sempre, nos questionar se estamos realmente desconstruindo e apoiando causas, ou, apenas performando imagens. Porque causas e grupos sociais não são tendências para agraciarem a moda quando estão “em alta” e serem esquecidas posteriormente.
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