O mundo dá voltas. O da moda então, não para. Em um semana vimos a semana de moda de Nova York se afogar e ressurgir. Tudo porque seu extenso calendário com poucos desfiles urgentes tem sido motivo de reclamação de muitos profissionais que cobrem a temporada. O anúncio da ida de Proenza Schouler e Rodarte para Paris teve efeito titanic no calendário nova-iorquino até que a semana começou de fato e o assunto mudou: a estreia de Raf Simons na Calvin Klein. E de repente Nova York virou o lugar para se estar no mundo de novo. “É incrível para Nova York ter alguém do calibre dele aqui”, disse Grace Coddington.
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O estilista belga que vem de seis anos de Jil Sander e três de Dior, é um dos nomes de maior prestígio no mercado e conhecido por injetar energia nova com significado e substância por onde passa. Assim, não é exagero dizer que Nova York ganhou um presentão, equivalente a chegada de Helmut Lang na cidade nos anos 90. A semana americana só começa antes da europeia porque Lang decidiu que iria mostrar sua coleção em Manhattan antes de seus rivais. Grande parte dos designers americanos o seguiu e assim a NYFW foi oficialmente planejada e inserida no calendário como a primeira parada.
Com Donna Karan e Ralph Lauren, a Calvin Klein forma a Santa Trindade da moda americana. Mas num momento em que as marcas andam um tanto perdidas, a CK faz uma jogada muito inteligente. Traz para perto um profissional de primeira, um nome um tanto icônico no mercado, com seguidores fieis e adorado pela imprensa. Coloca tudo em suas mãos: as divisões de perfume, jeans, underwear, acessórios, collection e sob medida. Esse controle não existia desde quando o próprio Calvin vendeu sua empresa em 2002.
As primeiras amostras da nova era da CK foram lançadas no site e nas redes da marca. O logo, agora inteiro em caps lock, foi redesenhado por Peter Saville, designer britânico que é uma das principais referências da arte gráfica contemporânea.
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A marca também anunciou a linha By Appointment, que antes era reservada somente às celebridades. Agora, os clientes podem escolher entre 14 looks especiais feitos sob medida. “A Calvin Klein é muito mais associada a um estilo casual, mas não é somente underwear e jeans, é muito mais do que isso”, diz Raf Simons na época do lançamento na véspera da semana de Alta Costura. Na campanha, a atriz Millie Bobby Brown, de Stranger Things.
A primeira campanha reúne juventude, romance, rebeldia, arte e, claro, Estados Unidos. Nomeada American Classics, ela foi fotografada por Willy Vanderperre mostrando os segmentos fortes da Calvin Klein, como jeans e underwear junto à obras dos americanos Andy Warhol, Sterling Ruby, Richard Prince e Dan Flavin. “É uma celebração dos ícones da marca; reconhecendo seu status Pop e estando em meio ao mundo da arte”, disse Simons em seu perfil no Instagram.
O desfile também foi uma homenagem aos EUA e veio repleto de mensagens, a mais forte e clara na voz de Bowie cantando “This is Not America” ao final do show, que teve releituras de camisas e botas de cowboy. Aí vai da interpretação de cada um. Num cover do Ramones de I Wanna Be Sedated (1978) cantado por Mirel Wager, ouvimos uma reclamação ainda comum entre os adolescentes:
Nothing to do, no where to go, oh
I wanna be sedated
O primeiro look é azul e vermelho, com camisa e botas que remetem ao Oeste americano. Então tem os jovens com suas listras esportivas, as pessoas uniformizadas, roupas de trabalho, alfaiataria, capas protetoras, cores americanas. Looks por vezes idênticos para meninas e meninos. Um material impacta o outro, mas em uma mesma silhueta. No final, a coleção abraça a diversidade. “Ela reflete o ambiente. Todas essas pessoas diferentes, com estilos diferentes. Não era uma coisa, não era um look, mas a reunião de personagens e indivíduos distintos, assim como a própria América”, diz Simons. A trilha cinemática de Michel Gaubert interpreta os EUA por lentes diferentes. O romance melancólico de Roy Orbison com In Dreams e os encontros e desencontros de Suicide Underground, do Air, tirada da trilha de As Virgens Suicidas. Aliás, vale notar que esse momento remete muito a um clima lynchiano, um dos diretores favoritos de Raf Simons.
Raf resgata o primeiro dna da marca, de quando ela foi fundada no final dos anos 60. Os looks total jeans e couro trazem um espírito 70’s para a coleção e remetem também a Brooke Shields, uma das primeiras musas da CK e sua beleza de Miss, bem americana. Uma das calças da nova coleção tem a imagem da icônica campanha com Brooke estampada no tag traseiro. Ela estava sentada na primeira fila (assim como Sofia Coppola, Lauren Hutton, Gwyneth Paltrow, Julianne Moore e Millie Bobby Brown). Back to the roots.
Na sala de desfile, uma instalação de Sterling Ruby ocupou o espaço e é parte de uma trilogia encomendada ao artista. A segunda parte foi exibida no mesmo dia na festa pós desfile no HQ da Calvin Klein, e a terceira será revelada em março.
Os primeiros passos mostram o domínio de Raf sobre a marca e suas escolhas revelam que para ele, a paixão é necessária. Muitas delas, a arte, o cinema, a cultura jovem e alguns profissionais de confiança de Raf entraram na Calvin Klein assim que ele começou a trabalhar. Ele se cercou de amor, confiança e compreensão criativa e intelectual. O stylist Olivier Rizzo e o fotógrafo Willy Vanderperre são seus amigos desde a época da faculdade na Antuérpia e antigos colaboradores. Seu braço direito de longa data, Pieter Mulier, agora é diretor criativo da Calvin Klein; Matthieu Blazy, namorado de Pieter, é o diretor de design do feminino; e Jean-Georges d’Orazio, namorado de Simons, é diretor de experiência de marca.
Esse novo movimento terá muitas reviravoltas. Ótimo para a Calvin Klein, ótimo para Nova York. Por enquanto, não há dúvidas que a marca começa uma nova era regida pela melhor turma.