Direto de Milão
Looks dos desfiles masculinos da Dolce & Gabbana e da Prada Inverno 2013 ©FFW/ImaxTree
Olhando para a temporada masculina de Outono/Inverno 2013 em Milão, vemos um importante traço da moda italiana hoje. Se a moda revela o espírito do tempo, ao menos ao que se refere a gosto e comportamento, existe um ponto curioso a estudar. Pra quem já está afiado nas tendências, tudo parece normal, mas cá entre nós: não é admirável que, na moda, existam gostos tão opostos que dividem espaço com a mesma força? Nessa edição de Milano Moda Uomo essa dicotomia ficou clara. Dois grandes nomes da moda italiana, dos quais ainda se fala incansavelmente, são Prada e Dolce & Gabbana. Agora, pense em Prada. E pense em Dolce & Gabbana. O que tem a ver uma com a outra?
A Prada é como a escola de Bauhaus, tem um lugar cativo no coração dos modernos que parece ser eterno. Bem capaz de que se Miuccia puser todo mundo vestido de triângulo, ou mesmo não colocar nenhum modelo na passarela e nos apresentar um belo de um vazio, a plateia vai delirar. Ela é a rainha do conceitualismo fashion e ninguém tasca. Pra qualquer coisa que a marca fizer vai se arranjar uma razão conceitual misteriosa, ainda que a marca nunca assuma. E o amor pela Prada seguirá tolerante e devoto.
Desfile masculino da Prada Inverno 2013, apresentado em Milão ©Juliana Lopes
A Dolce & Gabbana é aquele personagem exuberante que, entre a elite dos entendidos, não se sabia bem se era “cool” dizer que gostava ou não. Costumava-se achar legal na moda (isso é velho, mas ainda reina um pouco) o blasè, o impávido, o sem sentimentos. O que é dramático soa, ou soava, cafona. Mas o mundo girou e hoje não há fashionista que não tenha um brinquinho, um brilhinho, uma rendinha barroca em seu armário. Que tenham sido os parceiros Domenico Dolce e Stefano Gabbana a darem o pontapé inicial da tendência, difícil afirmar, mas que a marca personificou esse gosto pelo tradicional carregado de elementos rococó, não há dúvida. Aquele coque baixo da viúva siciliana vestida de preto, com brincões em arabescos, a importância pelo enfeite em si, tudo isso virou sinônimo da marca entre os consumidores e críticos. O segredo parece que foi apenas ser autêntico. Pura sorte e aposta no que tinha no coração (a moda hoje começou a ter coração, vamos nos acostumar a essa novidade).
Prada inspira geometria, intelectualismo. A Dolce & Gabbana, curvas, beleza. E na principal semana masculina de moda no mundo, entre Burberry, Zegna, Armani, Bottega Veneta e outros nomes, veja o que as duas marcas criaram, cada uma delas numa extremidade.
A receita de Stefano e Domenico para os homens neste inverno
Desde a temporada passada, quando homens não-modelos, vindos do Sul da Itália, invadiram a passarela numa atitude que arrancou aplausos comovidos, esperava-se que a dupla não fosse arredar o pé da Sicília. A região tem mais do que servido de inspiração para os dois. Virou um lugar sagrado, onde todas as referências podem ser usadas à enésima potência, sem disfarces. Temos ali a memória e ainda existência do povo rústico italiano que dá valor à religião, à (grande) família reunida em torno de uma bela mesa apetitosa, à exuberância de sentimentos, corpos e gestos. Um mundo onde não cabem personagens andróides como Lady Gaga, onde a mulher é o mulherão tradicional e o homem é puramente masculino, sem toques de androginia. A devoção, aquele ardor espiritual de uma existência genuína e crente chegou ao ponto de virar mesmo o tema da coleção. Os estilistas levaram nada menos que um grande altar para a passarela, com escultura e flores sob medida.
+ Veja a coleção completa da Dolce & Gabbana Inverno 2013
Altar no desfile masculino da Dolce & Gabbana Inverno 2013 ©Juliana Lopes
Lustres usados na cenografia do desfile masculino da Dolce & Gabbanna Inverno 2013 ©Juliana Lopes
Os homens são fiéis àquilo que são, e parece mesmo que cada um deles que estava na passarela não se intimidava com o ambiente e não tentava imitar a clássica figura do modelo que vem pra Milão desfilar. Era como se estivéssemos assistindo a uma verdadeira saída de uma missa, em alguma igrejinha da Itália, com camponeses, homens de negócio, jovens artesãos e todos aqueles personagens do nosso imaginário do mundo italiano. Que ainda existem.
Os homens do desfile da Dolce & Gabbana Inverno 2013 ©Juliana Lopes
Tecnicamente pensando, a modelagem e a escolha de cores dividem com a prevalência do branco e preto a estampa florida no fundo preto. Um new-kitch que nos é permitido hoje, nesse momento em que sentimos um certo retorno “às emoções”. Se a estrada das estampas estava já pavimentada para os homens nas últimas temporadas, agora foi a vez de pesar a mão e ser romântico sem a menor hesitação.
A receita da Prada para os homens neste inverno
Antes de entrar no desfile, já percebe-se que aqui, no mundo de Prada não existe drama nem o acalorado amor sangrento que propõe a dupla D&G. Existe uma caixa misteriosa de referências que mostram o novo servindo-se de meios não encontrados nas outras casas de moda. Parcerias com artistas peculiares, mistura de valores arquitetônicos e puramente gráficos, abuso de estranhezas e elementos, muito, mas muito brainstorm. E um brainstorm não linear, para não deixar rastros e ser atemporal, como nos revelou o ilustrador Lok Jansen, que faz projetos para a marca.
+ Veja a coleção completa da Prada Inverno 2013
Onde mais encontraríamos na plateia um convidado vestido a la Andy Warhol, tirando foto na frente do logo da marca? ©Juliana Lopes
O cenário do desfile nos convida a uma casa modernista, com objetos geométricos, cores primárias e uma frieza conceitual como nos quadros de Mondrian. Ali vemos muito de um racionalismo, como aquele apresentado pelos projetistas da Bauhaus, numa época em que os arabescos da Art Nouveau foram completamente assassinados, aparados. O adorno, os enfeites, nada era mais permitido. Mas não podemos dizer que a Prada é isso, apenas. As referências não são tão escrachadas, sempre tem algum elemento que foge ao que seria regra.
Cenografia do desfile masculino da Prada Inverno 2013 ©Juliana Lopes
A atitude dos modelos condiz com essa geometria geral. Vêm caminhando em modo ritmado ao som de uma “pesquisa sonora” que parece beirar um Kraftwerk, ou uma espécie de “música de elevador” anos 70. Difícil imaginar algum desses homens fazendo castelinho de areia sob o sol da Sicília ou agarrando a amiga vestida de rendas na saída da missa. Esse homem poderia passar o verão numa cidade fria, numa biblioteca. Para aquele homem que prefere esbanjar pesquisa e projeto, design sem firulas. Para aquele homem que teria muita vergonha de sair florido numa festa de casamento. E o ponto em comum que podemos encontrar ente esse homem e o italianão com flores na casaca é a simples presença de uma forte referência. Tanto Prada quanto Dolce & Gabbana parecem ter se preocupado muito mais em mostrar quem são do que em criar concretamente características técnicas em suas roupas capazes de inovar o organismo da moda mais diretamente. O que ficou foram propostas de direções. Coração ou intelecto.