Um novo projeto promete transformar o mercado de moda no Brasil, através de programas para racializar a indústria em busca de mais igualdade, pluralidade e diversidade. O Programa Sankofa nasceu com o objetivo de dar visibilidade e apoio e suporte a empreendedores racializados e já está com sua primeira edição em pleno vapor.
O estilista Rafael Silvério, co-criador da startup de inovação social VAMO (Vetor Afro Indígena na Moda) e a modelo Natasha Soares, também criadora do movimento Pretos na Moda estão à frente da iniciativa.
O Sankofa abriu um programa, de onde surgiram oito marcas contempladas, selecionadas e escolhidas por uma equipe de jurados. Elas irão passar por um programa de mentoria e estrear na próxima edição do SPFW, em abril, com um projeto digital. Ao longo de três anos, as marcas terão o apoio e acompanhamento de advogados, publicitários, contadores e psicólogos, além de uma marca veterana do SPFW que servirá como madrinha, compartilhando expertise.
As marcas que participam dessa edição de estreia são: Meninos Rei, Naya Violeta, Mile Lab, Santa Resistência, Az Marias, Silvério, Ta Studio e Ateliê Mão de Mãe.
Abaixo, leia nossa conversa com Rafael Silvério sobre os propósitos do Sankofa (com participação da Natasha na última pergunta)
Como nasceu a ideia do Projeto Sankofa?
A ideia nasceu de um encontro meu com a Natasha. Um dia nos conhecemos e, conversando sobre coragem e a admiração que tenho por ela, ela me perguntou qual era minha opinião sobre como o SPFW podia ser mais plural. Eu disse que, pra que isso acontecesse, teríamos que ter mais marcas com poder aquisitivo pra que enegressece o espaço. Com mais dinheiro na mão, as marcas podem contratar e pagar devidamente os profissionais, beneficiando e ativando a comunidade negra. Então a Natasha me convidou para fazer um projeto com ela que, mais tarde, ganharia o nome de Sankofa.
Como se deu o processo de mapeamento e seleção das oito marcas que integram o projeto?
Se deu através do desenho de alguns indicativos do público alvo que queremos alcançar, como por exemplo ser racializado, ser brasileiro e residente em território nacional, ter marca regulamentada como MEI, não ser fixo de nenhuma semana de moda. As nossas indicações para orientar o trabalho dos jurados foram: Potencial Criativo e Autoral / Autenticidade, Potencial Comercial e de Desenvolvimento de inserção Produto no mercado, Técnicas como Diferenciais Competitivos, Legado para comunidade.
E fizemos duas portas de entrada. A primeira foi dentro do VAMO – onde já existem marcas participando ativamente do grupo. O juri do Vamo conta com Natália dos Anjos (coordenadora do Senac Faustolo), Luiza Tamashiro (pesquisadora e fundadora do Relab Criativo que desenvolve pesquisa com pessoas com deficiência ), o fotógrafo Hick Duarte e o Squad (célula de inteligência para afro empreendedores).
A outra foi através do que entendemos como júri Sankofa que tem Luanda Vieira (Vogue), Natasha Soares (Pretos na Moda) e Camila Yahn (FFW).
O que vocês encontraram que os surpreendeu de alguma forma?
Foi o número de projetos com mulheres à frente, o afro empreendedorismo feminino. Porém dentro desse processo seletivo especifico, tínhamos algumas mulheres em lugar de fragilidade que não conseguiam ver o que estavam fazendo como empreendedorismo. Essa legitimidade do afro empreendedorismo feminino noBrasil ainda parece uma deficiência e foi o que me chamou a atenção.
Que tipo de transformação vocês esperam gerar a partir dessa iniciativa?
É um processo de cura. Boa parte do empreendedorismo negro do país vem da necessidade e a gente sabe o quanto a necessidade de alguma maneira anda atrelada com alguma criatividade. As pessoas precisam de uma oportunidade, de uma maneira de dispor os seus talentos e fomentar o que elas acreditam. Vemos um time de criativos que se entende como comunidade. Acho isso inédito dentro da moda nacional e é a primeira vez que temos uma iniciativa olhando para a maior parte da população brasileira, contemplando e devolvendo, fazendo um movimento reparatório de tudo o que uma estrutura racista conseguiu lesar, desde a saúde mental desses empreendedores até o não acesso a informações. Queremos fazer um atalho para que mais marcas consigam habitar esse espaço que sempre foi um espaço de privilégio e de opressão.
Vocês também farão uma web série documentando todo o andamento do projeto. O que querem mostrar com isso?
Documentar esse andamento do projeto é sobre a comunidade se ver refletida em espaços de poder enquanto estilistas, produtores executivos, diretores de fashion film… É fazer com que as pessoas realmente se vejam refletidas. Temos costureiras e modelistas que nunca acharam que fariam um produto que estaria dentro da maior semana de moda da América Latina. É sobre estimular a capacidade de sonho, de pertencimento que todos os espaços são pertencentes, que pelo menos a gente consiga nesse momento tangibilizar esse sonho pra essas pessoas.
Natasha: Falo muito sobre ser essa pessoa de ferro que vai na frente abrindo espaço para que os que venham depois possam passar por ali. Eu sempre fui muito de ir lá e facilitar o trabalho pra próxima pessoa. Tanto a questão da participação de 50% de modelos pretos quanto o Sankofa servem para facilitar para a próxima geração, fazer ela entender que ela pode, que existem caminhos. É sobre a próxima geração não ter as dificuldades que a gente teve.
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