Foi lançado na quarta (12.02) o primeiro relatório brasileiro que sistematiza dados sobre a indústria têxtil no Brasil. Chamado Fios da Moda, ele é um olhar profundo e investigativo da moda nacional, com foco na economia circular e nas três matérias-primas mais usadas pelo setor: algodão, viscose e poliéster.
O report foi realizado pelo Modefica com o Centro de Estudos em Sustentabilidade da Fundação Getulio Vargas e a consultoria internacional Regenerate Fashion. Ele pode ser baixado gratuitamente aqui.
Entre os principais destaques desse estudo, além da pesquisa em si, é o fato de que há pouca informação aberta disponível, especialmente quando o assunto envolve sustentabilidade socioambiental. O Brasil ainda está longe do caminho da transparência e por isso esse relatório se faz tão importante. Segundo os realizadores, “o avanço do setor na agenda de sustentabilidade é prejudicado pela falta de informações abertas e acessíveis sobre os processos dos produtos de moda e seus impactos”. Assim, o principal objetivo aqui é ser uma fonte confiável de dados e ferramenta metodológica para os profissionais da área.
Fios da Moda é um chamado não apenas à indústria, mas também aos consumidores. So munidos de informação e conhecimento é que podemos reavaliar a maneira como produzimos e nosso comportamento enquanto consumidores. “A vontade de produzir um relatório sobre têxteis está ligada à urgência da transformação que precisamos fazer acontecer na próxima década se quisermos garantir condições de vida minimamente estáveis na Terra frente a um cenário climático em profunda transformação”, diz Marina Colerato, coordenadora do projeto.
Um dos principais desafios da realização dessa pesquisa, foi a falta de acesso a dados e informações que deveriam estar disponibilizadas para a sociedade. “A gente tinha algumas ideias das dificuldades em ralação à falta de dados acessíveis, mas não esperávamos não ter acesso a dados que, em teoria, devem ser públicos”, diz Marina ao FFW. “Por exemplo, informações mais precisas e imparciais sobre a produção de celulose no Brasil. Foi bastante surpreendente o quão na verdade somos carentes de informação. Por outro lado foi bastante interessante ver como a indústria se relaciona com a questão de políticas públicas e lei de transparência. A gente precisa olhar pra esse lugar se a gente quiser pressionar organziaçõees, marcas, produtores têxteis e a agroindústria”.
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“Um dos maiores desafios doi a falta de dados acessíveis que, em teoria, deveriam ser públicos. Foi bastante surpreendente o quão na verdade somos carentes de informação”, Marina Colerato
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Enquanto um dos maiores produtores globais de algodão e celulose solúvel (matéria-prima da viscose) do mundo, o Brasil enfrenta particularidades na transição para economia circular, principalmente a partir da perspectiva social. “Entender os impactos socioambientais das fibras no contexto brasileiro é essencial para que possamos tomar decisões objetivas no combate à crise climática e à desigualdade”, diz Larissa Roviezzo, especialista em sustentabilidade da Regenerate Fashion.
Mas segundo Juliana Picoli, pesquisadora especialista em ACV do FGVces, o país pode olhar as dificuldades como possibilidades para inovação e desenvolvimento que podem colocar o Brasil de volta na liderança da agenda do desenvolvimento sustentável. “Contextualizar as iniciativas circulares desenvolvidas na União Europeia e nos Estados Unidos para o contexto brasileiro pode tornar os produtores têxteis e a indústria da moda no Brasil líderes na economia circular”.
Alguns dados levantados pelo report:
– No Brasil, o algodão é a quarta cultura que mais consome agrotóxicos, com destaque para o glifosato, que corresponde a mais da metade do volume de agrotóxicos comercializados no país;
– O equivalente a cerca de 16 caminhões de lixo têxtil é descartado por dia só na região do Brás, em São Paulo;
– O algodão é responsável por aproximadamente 10% do volume total de pesticidas utilizados em território nacional;
– A etapa de produção de matéria-prima é o principal ponto crítico no impacto à biodiversidade e ocupação do solo pela cotonicultura, sendo responsável por 99% do impacto total;
– Em relação ao cultivo de algodão convencional, o cultivo de algodão orgânico pode reduzir as emissões de GEE em 58%;
– 56,8% das pessoas estariam dispostas a reciclar suas peças de roupas se soubessem que elas, de fato, estão sendo recicladas enquanto 26,3% se sentiram motivadas por terem um ponto de coleta por perto. Ao mesmo tempo, 49.9% das pessoas nunca ouviram falar sobre reciclagem de roupas no Brasil;
– A produção agroecológica de algodão tem impacto positivo sobretudo na qualidade de vida das mulheres camponesas e na soberania alimentar.