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    As marcas de luxo e sua prática de queimar estoque morto
    Desfile de Verão 2018 da Burberry, com o xadrez que é uma das marcas registradas mais conhecidas e copiadas / Reprodução
    As marcas de luxo e sua prática de queimar estoque morto
    POR Camila Yahn

    Na última semana, a notícia de que a Burberry havia queimado US$ 37 milhões em produtos não vendidos chocou as pessoas, dentro e fora da moda. A marca incinerou roupas, acessórios e perfumes que estavam fora de coleção ou com validade vendida (no caso dos cosméticos). A informação, que está no relatório anual de 200 páginas que a Burberry apresenta aos seus investidores, iniciou uma caça às bruxas, resultando em uma avalanche imediata de comentários nas redes sociais da marca.

    Só que mais chocante do que a Burberry ter feito isso, em plena era da sustentabilidade, é o fato de que essa é uma prática comum na indústria do luxo, mesmo que em muitos casos, ela seja o último recurso. A ação não condiz com os esforços que essas empresas têm feito para tornar seus processos cada vez mais sustentáveis.

    O grupo Richemont, dono de marcas como Cartier e Montblanc, também rendeu manchetes por ter queimado US$ 572 milhões em relógios nos últimos dois anos.

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    Queimar estoque morto é uma questão muito séria, não apenas ambiental, mas também social, uma vez que o mundo AINDA não consegue dar conta de combater a pobreza extrema. O pensamento que fica, ao menos na cabeça daqueles que se preocupam, é: como podem queimar 100 milhões em roupas sendo que há milhões de pessoas no mundo sem ter o que vestir?

    Como resposta, a Burberry disse que tem medidas para minimizar sua quantidade de excesso de estoque, que leva suas obrigações ambientais a sério e aproveita a energia da queima dos itens. “Nas ocasiões em que o descarte de produtos é necessário, fazemos isso de maneira responsável e continuamos a buscar formas de reduzir e reavaliar nossos resíduos”, disse a empresa.

    Por que as marcas de luxo queimam seus produtos não vendidos? Basicamente para proteger sua propriedade intelectual, manter a exclusividade e evitar a falsificação. A maior parte das grifes de luxo não faz liquidação ou bazares para evitar que suas peças cheguem por um preço barato em lojas de desconto, sites de revenda ou acabem revendidas no mercado negro. Muitas fazem vendas especiais para funcionários e imprensa e o que sobrar, acaba na fogueira.

    A LVMH disse em seu mais recente relatório anual que “as provisões para redução de estoques são geralmente exigidas por causa da obsolescência do produto (fim de temporada ou coleta, data de vencimento próxima, etc.) ou falta de perspectivas de vendas.

    Mas, segundo uma matéria publicada na Forbes, outra razão para que essa prática seja tão comum é um incentivo fiscal para marcas que exportam produtos para os Estados Unidos. A Alfândega e Proteção de Fronteiras dos EUA declara que “se a mercadoria importada não for utilizada e exportada ou destruída sob supervisão da Alfândega, 99% dos impostos ou taxas pagas sobre a mercadoria em razão da importação poderão ser recuperados como devolução”.

    Portanto, é difícil calcular o quanto atualmente é desperdiçado. “Enquanto há até incentivos para isso, não há obrigação legal de reportá-lo”, escreve a jornalista Olivia Pinnock, fundadora do Fashion Debates.

    A questão moral e ética existe, mas segundo Boriana Guimberteau, especialista em leis da propriedade intelectual no escritório FTPA, “de um ponto de vista legal, as marcas estão destruindo produtos que possuem, produtos que estão no fim da vida e elas podem fazer o que bem entenderem com eles”.

    Só que hoje as coisas não funcionam bem assim. O consumidor, muito mais engajado e atento, exige retratação e mudança.

    Vale falar que a própria Burberry já pratica ações para conter o desperdício. A empresa trabalha com uma quantidade limitada de vendas a preços reduzidos através de 54 lojas tipo outlet ao redor do mundo.

    Ela também tem uma parceria com a Elvis & Kresse, uma marca de acessórios que trabalha com materiais recuperados. “No final do ano passado, lançamos uma parceria ambiciosa de cinco anos com a Burberry Foundation. O principal objetivo é dimensionar nosso projeto de resgate de couro, começando com os cortes da produção de artigos de couro da Burberry”, diz Kresse Wesling. As peças que saem dessa parceria fazem parte da linha One of a kind e são incríveis e a iniciativa é um ótimo modelo de como ao menos parte do descarte pode ser remanejado. “Continuamos buscando maneiras de reduzir e reavaliar nossos resíduos. Esta é uma parte essencial da nossa estratégia de Responsabilidade para 2022 e criamos parcerias e comprometemos o apoio a organizações inovadoras para ajudar a alcançar esse objetivo”, diz um porta voz da grife britânica.

    Bolsa da Elvis & Kresse produzida com couro doado pela Burberry / Reprodução

    Bolsa da Elvis & Kresse produzida com couro doado pela Burberry / Reprodução

    A Burberry também está fazendo um trabalho de economia circular com a Fundação Ellen MacArthur, especializada em difundir a mudança das empresas para esse novo modelo, que é capaz de gerar mais de um trilhão de dólares de lucro para a economia global. Uma rede de parceria entre empresas foi criada para colaborarem no salto coletivo para essa nova estrutura – essa união é conhecida como CE100 (Circular Economy Hundred) e tem nomes como Coca-Cola, Unilever, Philips e Renault.

    Já o grupo Kering faz doações de tecidos antigos e sem uso de marcas como Saint Laurent e Alexander McQueen para grifes emergentes como Sakina M’Sa. Sakina foi uma das três vencedoras de um prêmio de empreendedorismo que o Kering fez em 2010. Até hoje ela é apoiada pelo grupo, com mentorias e colaborações com as grifes do conglomerado, como a Puma – com o apoio da marca, a estilista criou um modelo da Grip Bag usando macacões reciclados de trabalhadores.

    A bolsa Grip da Puma revista por Sakina / Reprodução

    A bolsa Grip da Puma revista por Sakina / Reprodução

    Há maneiras de reverter essa situação, começando pelo planejamento de quantidade – claramente as marcas estão produzindo muito além do que é consumido. Esses números precisam ser revistos. As práticas acima são outros exemplos. O fato é que a questão de exclusividade das marcas de luxo está sendo desafiada, o mercado de luxo vem sendo desafiado há algum tempo. Hoje a palavra luxo soa cansada e antiga e está sendo usada para representar outros valores como liberdade, responsabilidade social e ambiental. Esse é o grande desafio das marcas e uma das grandes questões da moda atualmente.

    O que as marcas podem fazer em vez de queimar seus produtos:

    – Vender para brechós ou lojas de desconto, físicas e online

    – Doar para jovens designers e faculdades de moda

    – Fazer liquidações periódicas online

    – Ter sua própria operação de outlet vendendo coleções passadas por preços mais baixos

    – Doar para fundações e instituições de caridade ao redor do mundo

    – Iniciar uma ação de reciclagem dentro da própria loja, como já fazem marcas como Levi’s e Adidas

    – Trabalhar com upcycling, construindo uma peça nova a partir da antiga

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