A cantora francesa Owlle com o figurino de Jean-Paul Lespagnard que usou para se apresentar no Cine Joia, em São Paulo ©Ricardo Toscani/FFW
Quem diria que a dona da voz que entoa o refrão dançante “Ticky, ticky, tell me why” não gosta de dar entrevistas em inglês? Pois essa foi a única exigência da cantora francesa Owlle: a conversa deveria ser em francês. Mas exigência nem é bem a palavra certa, já que, quando questionada (em francês) do por quê, ela se explicou: “é que eu não ia conseguir falar tanto quanto eu gostaria, mas nós podemos falar em inglês se você preferir”. Claro que não. Talvez em inglês ela não se sentisse tão à vontade para educadamente perguntar se poderia fumar durante a entrevista, acomodada em uma cadeira de escritório com os braços quebrados na penumbra do camarim do Cine Joia, onde cantou no dia 5 de dezembro dentro da programação do festival SIM São Paulo.
Foram quatro anos na Escola Superior de Belas Artes, em Toulouse, no Sul da França, que lapidaram a artista que ela é hoje. Owlle tem um talento nato para cantar, mas certamente não seria uma artista completa se não tivesse passado pelo curso. O cabelo geométrico e ruivo foi criado nos últimos três anos, mas faz parte da estética que assumiu quando se tornou Owlle – uma palavra inventada por ela a partir de owl, coruja em inglês, que ganhou o sufixo feminino do francês, le. Os fios tingidos viraram uma marca da artista, mas são só um dos vários indícios que demonstram a enorme preocupação estética da cantora. Ela tem um olhar aguçado para seus figurinos, que conseguem ser extremamente contemporâneos sem abrir mão da elegância. E usa muitas, mas muitas peças do estilista belga cool Jean-Paul Lespagnard.
Dois momentos no Instagram: à esquerda, com um figurino de Margiela, e à direita, servindo de modelo para Jean-Paul Lespagnard ©Reprodução/Instagram
Nascida France, ela tem uma preocupação em vestir o personagem Owlle, seja porque acredita que a música é algo que pertence ao mundo dos sonhos, seja para manter a privacidade. Aliás, é surpreendente a forma como ela consegue manter sua vida pessoal resguardada, mesmo com uma presença atuante em redes sociais como Instagram e Facebook. Estão lá as fotos com roupas dos seus estilistas favoritos, os testes de maquiagem (que agora sabemos que eram para a capa do disco) e as fotos dos lugares por onde passa. São Paulo foi retratada nove vezes em um espaço de 48 horas. Entre os planos estavam visitar a Catedral, a Liberdade e um club com boa música — mas olhando nas redes sociais, só o último parece ter sido concretizado.
Capa do primeiro disco, que será lançado em 20 de janeiro ©Reprodução/Facebook
Ela já fez muito barulho na Europa, onde frequentemente é comparada à colega também ruiva Florence Welch, da banda Florence and the Machine. Foi uma das principais novidades da última edição do festival MaMA Paris, em outubro. E isso que seu primeiro álbum ainda está para ser lançado, o que deve acontecer no dia 20 de janeiro. Por enquanto, além de “Ticky Ticky”, outras três músicas estão disponíveis na internet: “Disorder”, “Without devotion” e a recém disponibilizada “Don’t Lose It”. Confira os principais trechos da entrevista:
O seu nome verdadeiro é Owlle?
Não. Meu nome verdadeiro é France, como o país. Eu escolhi Owlle porque acho que a coruja [em inglês owl] é muito representativa do meu universo, tem um lado noturno, um pouco misterioso. Eu só feminizei, e virou meu nome, mas eu não planejei isso. Para os franceses é difícil de dizer, e para os ingleses também. No final das contas, é um pouco estranho.
Quando você começou a usar o nome Owlle?
Faz três anos. Comecei a fazer as minhas primeiras pequenas composições. E na primeira vez que eu toquei em um palco, não quis me chamar France, porque achei que seria muito próximo de mim, da realidade, da vida diária. Acabei escolhendo Owlle e o nome tem me acompanhado desde então.
Naquela época você já tinha o cabelo ruivo?
Não. Na primeira vez, eu ainda era meio loira. E quando comecei a tocar música eletrônica, quando comecei a mudar de visão com relação à música, quando passei a compreender o que eu queria fazer, tive vontade de mudar para expressar fisicamente o que se passava, expressar no cabelo, no estilo.
É difícil encontrar informações sobre a Owlle na internet. Por exemplo, sua idade.
Eu nunca digo. Não me incomoda te dizer, eu tenho 27 anos, mas não gosto de dizer só por uma razão: gosto muito de ser atemporal. Meu personagem vem não sei de onde, vai pra não sei onde, e isso é uma coisa que me agrada. Se amanhã alguém me disser ‘eu sei que você tem tal idade’, isso não me incomoda, isso faz parte de mim, não vai contar detalhes da minha vida, nem da minha família. Mas, para mim, a música é uma coisa que deve fazer sair da realidade, sonhar, deve ser onírica.
Você trabalhou com algo antes da música?
Estudei por quatro anos no Belas Artes [École Supérieure des Beaux-Arts, em Toulouse, no Sul da França] e, enquanto eu estudava, tinha vontade de fazer sentido. Ainda não tinha entendido como, mas das instalações passei para a cenografia. Tive vontade de fazer muitas coisas, mas nada muito concreto. Mas essa experiência me ajuda hoje em dia, porque tudo que eu aprendi eu aplico na música, a pensar no conjunto, na cenografia, é uma coisa que me dá prazer fazer.
Vi no seu Instagram algumas roupas de Margiela, Alaïa.
Tem sobretudo Margiela e Jean-Paul Lespagnard, que é outro estilista belga mais jovem. Eu sempre gostei, mesmo quando estava no Belas Artes, de moda e de estilistas como Alaïa. Quando vejo um vestido bonito, eu me imagino vestindo, cantando, imagino todo o conjunto.
Hoje em dia tem muitas cantoras se unindo a estilistas. Você já trabalhou com algum deles?
Eu tenho a sorte de ter pessoas como Margiela etc, que me emprestam peças para os shows mais importantes e com quem tenho vontade de trabalhar. A única vez que trabalhei com um estilista foi para o próximo clipe [a ser lançado em janeiro]. Senti vontade de ter uma ajuda, porque eu tenho o hábito de pensar em tudo sozinha e, com o tempo, pude me permitir algumas coisas. Trabalhar com um estilista para o clipe me permite sair daquilo que eu tenho o hábito de fazer, ampliar o meu estilo. Eu não sou estilista. Amo moda, mas não sou estilista.
De onde é esta roupa que você está vestindo?
É Jean-Paul Lespagnard.
Você que escolheu para esta ocasião?
Sim. Pra nós agora é inverno em Paris, e eu queria mudar um pouco. Fui ao ateliê, e quando vi esse conjunto, me lembrou uma trama de palha, me lembra o sol. Não posso dizer que é uma referência brasileira, mas me lembra coisas um pouco africanas, é uma mistura.
E os sapatos?
São sapatos de pole dance. Isso resume bem meu estilo, eu adoro misturar.
Como você define o seu estilo?
Pode ser muito clássico. Acho que o meu tipo físico também me faz parecer muito clássica. Nos materiais e na estampa sou um pouco punk, e adoro cor.
O que a gente pode esperar do seu primeiro álbum?
Tem músicas que estão disponíveis que não entraram, e outras, como “Ticky Ticky”, que já estão disponíveis e que estarão no disco. Mas o que eu queria desse álbum é que fosse muito diferente a cada faixa, que não fosse monótono. Às vezes é doce, às vezes é combativo…
Como você definiria o álbum em uma palavra?
Esquizofrênico. Não no sentido da doença. É um pouco violento como a esquizofrenia, e tem um pouco de tudo.
Qual sua primeira impressão de São Paulo?
Tive a impressão que é muito misturado. E podemos ver grandes diferenças de classes sociais. Vi gente muito moderna, indo trabalhar, e ao mesmo tempo vi algumas coisas que não têm no nosso país. Tem essa diferença radical, que me surpreendeu num primeiro olhar. Outra coisa que eu percebi é que a cidade pulsa, tem vida. Paris, por exemplo, não acontece nada, é lento, e aqui não.
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