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    “Existe uma preocupação muito grande em aparentar não ser gay”, diz Lula Rodrigues
    “Existe uma preocupação muito grande em aparentar não ser gay”, diz Lula Rodrigues
    POR Augusto Mariotti

    Por Raisa Carlos de Andrade, em colaboração para o FFW

    Lula Rodrigues

    Sem medo de envelhecer, o jornalista Lula Rodrigues jamais aceitaria um olhar comum sobre a existência. Aos 60 anos, ele se orgulha da metade da vida dedicada à imagem. Em 2014, lançará o livro, “Almanaque de Moda Masculina”, um estudo profundo sobre as transformações comportamentais de quem sempre esteve à margem deste mercado. Colaborador do caderno Ela, do jornal “O Globo”, Lula possui uma coleção de revistas invejável e começa a se dar conta do acúmulo de papel. Ainda assim, não sente a mínima vontade de controlar as finanças diante de um novo veículo de informação. Ao FFW, ele falou sobre o ritmo do tempo, os blogs e o crescimento do interesse do homem brasileiro pelo que vai vestir. “Não tem que perguntar ao homem se ele é fashionista, se sabe o que está na moda, se é tendência. É como um mantra… Não futuca, que ele se recolhe”, garante.

    Desde que você começou, o universo da moda se transformou. Como foi acompanhar esse momento?

    As coisas mudaram. Sobretudo por uma questão de urgência de conteúdo. Eu não critico. A gente tem que se adaptar aos tempos. Quando digo que tenho três iPads e uma cave com 18 graus e 100 megas, percebo que tenho um paraíso particular. Não existe mais glamour. A gente tem que saber que está em um momento de crise, que tem que fazer negócio. Virginianamente eu aceito, aquarianamente eu fico com saudade da elegância, da excitação, de todas as coisas que aconteciam. Era tudo muito mais difícil. Você não tinha celular, mas chegar em um desfile gringo, passar fax, era muito emocionante. Era muito punk… Tinha que passar 20 páginas de xerox correndo. Mas muita coisa continua acontecendo. A firmeza do Paulo Borges é um grande privilégio para a moda brasileira, porque faz com que a gente comece a prestar atenção na memória de moda agora.

    Como está o mercado masculino no Brasil hoje?

    O mercado brasileiro é muito carente de pessoas que entendam de moda e que possam discutir e criar um mundo acadêmico de discussão sobre isso. De 2010 para cá, saíram no mínimo 18 títulos com novas reflexões sobre a moda masculina. Meu livro sai no ano que vem, o “Almanaque da Moda Masculina”, que mostra a moda do século 17 até 2013, com o capítulo #strikeapose e #instapeople. Existe uma euforia muito grande na moda masculina. Quem está fazendo está fazendo com muito tesão, mas faltam pessoas que possam dialogar sobre o conteúdo. Existe muita paixão, mas é preciso que a mídia também entenda isso. Não basta fazer uma nova revista, tem que ter manutenção. O problema da moda masculina não é o homem; é quem cria, quem acredita. Porque o homem é a última pessoa a ser questionado. O cara é cafona, não sabe se vestir. Se você perguntar quem dá a roupa, é a mulher e a filha. Agora, você acha que porque ele é cafona ele é burro? Não é não. Quando dois casais saem para jantar e a roupa dele é estranha, ele diz que foi a mulher que comprou. Ele é esperto, mas é cafona. Acho que consegui abrir o diálogo com o homem comum, que é quem faz o movimento de caixa. Não tem que perguntar se ele é fashionista, se sabe o que está na moda, se é tendência. É como um mantra… Não futuca, que ele se recolhe. Quando se estabelece o diálogo, ouve-se coisas surpreendentes.

    Lula Rodrigues na “L’Uomo Vogue” em 1991 ©Cortesia Lula Rodrigues

    Você acha que o jornalismo de moda masculina consegue se comunicar bem com os heterossexuais?

    Tenho descoberto, através do Instagram, que muitos amigos héteros não têm o menor problema com nada. Outro exemplo é a ninhada de jovens empreendedores que não querem ficar feios, com cara de tio. Existe uma preocupação muito grande em não aparentar ser gay, mas quem se garante não tem mais medo.

    O homem médio brasileiro se garante?

    Não. Se for chamado de cafona, ele não se garante. Prefere ficar acuado. Quem menos se garante é o macho que tem medo de embarcar na ideia “deixa a vida me levar”. Ele não usa quando não tem. Se for olhar lojas de mercados de difusão, você encontra xadrez, perfume Prada em 10 vezes no cartão. Isso é acesso. Existe um movimento sim, mas sozinho o homem não sabe, coitadinho… Porque tem muito blogueiro falando besteira. Dizem que o máximo é usar vinho. Mas e daí? O homem não quer falar de moda, tem medo de ser taxado de gay. Mas ele perguntar “você acha que estou na moda?” é falta de diálogo. Se abrir para isso, se surpreende. A gente tem que perguntar para o cara se ele está incomodado. O homem hoje sabe até sobre a novela, que sempre foi coisa de veado e mulher. O taxista assiste enquanto trabalha…

    Então você acha que diminuiu a diferença de gênero, nesse aspecto?

    Essa diferença vai haver sempre. Existe desde a Arca de Noé. O século 20 é um século feminino, a mulher conseguiu seu espaço na sociedade. O século 21 é uma disputa de gênero. Está havendo uma reformulação da sexualidade. O pai sai de provedor para cuidador. E ao mesmo tempo existe o boom de casais gays adotando crianças, para criar uma família careta. O pai careta, a mãe careta. A mãe no escritório, o pai na cozinha. É um período confuso para afirmar alguma coisa. Não é um período muito homem, nem muito mulher. O andrógino acabou sendo um pacote para vender coisa de homem. Não era a sexualidade que se falava e sim a possibilidade de ter uma arara que servisse para o homem e para a mulher. Estamos em um período confuso, mas muito prolífero para o masculino. Estou vendo que está incomodando. Está ficando impossível barrar um jovem de trabalhar com uma roupa atual. Essa galera leva desempenho, criatividade e energia e quer relaxar, estar bem. As mulheres fazem a festa toda estação com uma bolsa nova. Quando o homem tira um botão do que veste, é uma conquista.

    Qual a melhor forma de comunicar moda para os homens?

    Tem que ter persistência, pertinência e continuidade. Tem que explicar a história. O homem coreano se maquia até a morte. Usa cílios, rímel, blush… O brasileiro pode parecer careta, mas se você destampar um pouco, vai ver que não é. Alguns usam bronzeador artificial, se depilam…

    Você não é jornalista por formação. Com a queda do diploma e os blogs, como você vê esse momento da classe?

    Mais do que formação, é preciso informação. O jornalista de moda tem que saber a diferença entre Balenciaga e Chanel, saber que a moça chamada Balenciaga era um homem espanhol. O livro nunca vai acabar, a revista de moda também não. Meu diploma foi conquistado na redação, com texto mandado por fax de Nova York. Essa garotada tem que entender que para assinar e ser reconhecido tem que estudar. Ser jornalista de moda é tão importante quanto de esporte, de economia. Não tenho nada contra blogs. Sou blogger e respeito a contemporaneidade. Mas respeito pessoas sérias.

    A moda te impede de envelhecer?

    Acho que sim. As pessoas dizem que eu estou bem, que pareço forte. Nunca escondi a idade, nunca tive medo dela. Eu tenho medo de encaretar. Quando fiz 30 anos, fiquei quieto. Passei na casa de um amigo querido. Fui jantar e quando passou de meia noite, disse que fiz 30 anos. Para mim é normal fazer 60, 70…

    Você dá workshop, palestra e trabalha no “O Globo”. Vive bem com o jornalismo de moda hoje?

    Tem um samba que diz “pra tu botar a mão na minha nega, você tem que rebolar, rebolar, rebolar”. Minha mãe dizia “Luiz Antônio, para chegar lá, você tem que rebolar muito”. E é isso, para conseguir pagar tudo no final do mês, é assim. Mas pela primeira vez tive a sensação de que cheguei lá. Parei para pensar no que levar no caixão. Preciso de um terno italiano e um caixão com um pouco mais de espaço, para levar a coleção da revista “Flair” que tenho inteira, encapada em couro. Mas aí os bichos comeriam e só sobrariam as madrepérolas do terno. Acho que o reconhecimento do meu trabalho faz com que eu pense que fiz um percurso legal. Até aqui foi muito bom. Mas quero mais, quero movimento.

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