Por Gui Takahashi, em colaboração para o FFW
Andrew Bolton, curador do Costume Institute do Metropolitan Museum de Nova York ©Reprodução
O Costume Institute do Metropolitan Museum de Nova York é famoso pelas suas exposições anuais que são promovidas com um baile de gala em sua abertura. Com Anna Wintour como anfitriã, o evento é marcado pela presença de muitas celebridades, modelos e super estilistas. Contudo, apesar de todo o burburinho causado pelos holofotes da gala, é um museu com uma curadoria bastante acertada e um olhar muito analítico sobre moda.
Em uma visita a Nova York, conversamos com um dos curadores do MET, o britânico Andrew Bolton. Andrew já foi curador do Victoria and Albert Museum, em Londres. Autor de mais de 10 livros, está por trás de sete grandes mostras no Metropolitan.
Através da história da moda já vimos quase todas as formas, diferentes cortes, várias cores e incontáveis estampas. Você acredita que ainda é possível criar algo original?
Claro. Pense na coleção de Primavera/Verão de Rei Kawabuko em 1997, em que ela mostrou roupas de formas acentuadas com o uso de acolchoamento. As roupas distorciam a silhueta para criar um corpo mutante. Alexander McQueen e Gareth Pugh também já trabalharam com o conceito de distorção corporal para questionar nossas noções de beleza.
O MET teve, em 2001, a mostra “Extreme Beauty: The Body Transformed”, em que o curador convidado Harold Koda disse: “Extreme Beauty argumenta que inegavelmente a beleza, muitas vezes, repousa na transformação das formas naturais do corpo”. Considerando essa declaração, qual parte do corpo está em foco hoje na moda?
Como a própria moda em geral, as zonas do corpo em voga estão constantemente em fluxo. Para os homens tivemos ainda há pouco o tornozelo. A tendência começou com Thom Browne, mas vimos em muitos desfiles masculinos os estilistas encurtando as calças para revelar o tornozelo.
Imagem da exposição “Extreme Beauty: The Body Transformed”, que aconteceu no Metropolitan ©Reprodução
Outra exposição do MET foi a “Superheroes: Fashion and Fantasy” (2008). Existem muitos elementos que diferem a fantasia da indumentária? Ou seria apenas o conceito por trás deles que realmente importa?
O conceito da exposição era de que a moda, como nos super-heróis, é sobre transformação. Assim como Clark Kent se transforma no Superman através do seu traje, podemos mudar nossa percepção de nós mesmos através da moda. A moda, como o super-herói, celebra a metamorfose, provendo oportunidades ilimitadas de refazer e reformular a carne e a personalidade.
Temos visto muitas grifes adotarem um apelo mais comercial, contratando estilistas que são campeões em vendas. Você pensa que o que fez grandes nomes, como Christian Dior, Cristóbal Balenciaga e Coco Chanel tornarem-se famosos foi a habilidade deles em criar design original, ou a visão que tinham sobre comércio e negócios?
Apesar da contribuição deles para o comércio de moda ter sido importante, o maior legado, e mais duradouro, é a originalidade. Chanel, Dior e Balenciaga mudaram o curso da história da moda por oferecerem novas possibilidades à indumentária.
Sabemos que as roupas possuem uma coreografia de sedução e uma função erótica. Existe algum momento específico na história em que elas claramente abandonam sua função exclusiva de proteger o corpo para ter um papel sexual?
As roupas sempre tiveram uma conotação sexual, mesmo há tempos atrás, nas antigas Grécia e Roma. Uma das funções mais fundamentais do vestir é a ornamentação, a decoração, e, como extensão, o enaltecimento da atração sexual.
Look da mostra “Super Heroes: Fashion and Fantasy”, exibida no Metropolitan, em Nova York ©Reprodução
Tendemos a criticar as roupas vulgares, frequentemente rejeitando-as. Porém, não é um pouco de hipocrisia fazer isso já que a vestimenta adotou esse significado de expressão da sexualidade?
Eu sou um grande fã do vulgar. Quando você olha para trás, através da história, é comum perceber que as mulheres que eram tidas como vulgares em sua época tiveram um impacto muito maior na moda do que as que eram convencionais. Mulheres que viveram às margens da sociedade, como as cortesãs, não são presas aos mesmos códigos de vestimenta que as mulheres mais tradicionais, assim têm mais liberdade para se aventurarem na sua maneira de se apresentarem ao mundo.
Por muito tempo os homens usaram itens atualmente tidos como exclusivamente femininos, como os sapatos de salto alto, as rendas e babados nas mangas – especialmente o rei francês Luís 14. Inicialmente, essas eram peças masculinas. No entanto, sabemos que em se tratando de moda as tendências vêm, vão, e voltam. Você acha que corremos o risco de termos homens usando salto novamente?
Rick Owens tem promovido o uso dos saltos por anos já. De certa forma, eles são mais transgressores que as saias masculinas. Acho pouco provável que os sapatos altos sejam adotados pelo gosto popular, mas consigo ver a possibilidade de serem usados por grupos de subcultura como uma afirmação de transgressão de gênero.
Qual seria a melhor explicação para o fato de que hoje em dia as mulheres podem vestir desde saias e vestidos até calças e smokings, enquanto os homens não possuem tantas opções?
Desde o final do século 18, a moda masculina tem sido governada pela mentalidade de “fazer parte de um grupo”. Já o que define a indumentária feminina é a visibilidade; invisibilidade se tornou o que define o masculino.
Atualmente temos a impressão de que estamos vivendo em uma super democracia na moda. Cada vez mais, tem ficado difícil encontrar uma tendência majoritária como acontecia em outros tempos. Isso é bom?
Acredito sim que a alta moda ficou menos ditatorial, menos soberana sobre os padrões de moda. Porém, acho que ela ainda estabelece os exemplos por onde nossa cultura visual percorrerá.