Jack Vartanian em seu escritório, em São Paulo ©Juliana Knobel/FFW
Referência no mercado de joalheria há mais de 10 anos, Jack Vartanian não mostra sinais de cansaço. O empresário acaba de inaugurar uma flagship em São Paulo, tem planos de expandir seus negócios nos Estados Unidos (onde atualmente tem loja na Madison Square e representação na Barneys), e as suas cerca de cinco coleções anuais viram desejo de consumo imediato de mulheres dos mais diferentes estilos: Gisele Bündchen, Rosie Huntington-Whiteley, Rachel Zoe e Emma Stone são algumas das celebridades frequentemente clicadas usando joias da marca.
O FFW visitou o headquarter da grife em São Paulo, e conversou com Jack Vartanian sobre sua trajetória, seu estilo e sua visão do mercado de joalheria. O designer também gentilmente nos deu acesso ao atelier da marca, onde cerca de 20 funcionários altamente treinados divididos em quatro salas especiais executam um trabalho minucioso de manufatura das joias, com o apoio ainda de uma gemóloga e de uma pessoa que realiza o controle de qualidade lá mesmo – tudo com supervisão do próprio Jack. Confira abaixo os destaques da entrevista, pontuada por algumas peças icônicas da marca, além das imagens do atelier ao final da matéria:
Brinco de franjas Facetado e brinco Charneira de turquesa e diamantes ©Divulgação
Sobre o background familiar: “Meu pai já mexia com joalheria e relógios no Líbano, e o tio dele tinha uma oficina de ourivesaria, cravação, onde ele trabalhava às vezes, antes de abrir uma loja própria. Mas ele se mudou pro Brasil quando começou a guerra lá, e começou a mexer aqui com comércio de compra e venda de pedras preciosas, o que a gente chama na indústria de “stone wholesaler”. E ele se desenvolveu nessa área no Brasil, começou a mexer com mais pedras, eventualmente com joias, sempre no atacado, e eu entrei na história assim. Quando ele ia visitar fornecedores, pesquisar pedras, a gente ia junto, e eu já ia vendo o movimento, ele já meio que instigava isso. E comecei a fazer isso internacionalmente, com ele, como eu era o mais velho, ia nessas viagens de trabalho pra dar uma mão e já ver como que era. E fui pra muitos lugares: pra Alemanha, que tem uma cidade com lapidações muito sofisticadas, a Bulgari usava lá; Índia, que tem uma lapidação mais bruta, mais rústica; Hong Kong; pra Kobe, que concentrava o ramo de pérolas; Tailândia… então nesse contato eu já fui desenvolvendo um olhar de cores, do que é bom e o do que não é”.
Sobre a motivação para criar uma marca própria: “Comecei a trabalhar diariamente no escritório, enquanto fazia faculdade de Economia, e fui me especializando na área de pedras mais importantes, diamantes, safira, esmeralda, rubi. E nesse contato com as pedras, e com muitos joalheiros que eram clientes, eu acabava também tendo contato com esse processo de o cara pesquisar a pedra, de ter a ideia. Alguns tinham a joia já pronta, outros não tinham, eram vários processos. Raros eram realmente designers, criadores. A maior parte era de copiadores. E me incomodava ver essa situação, porque eu falava ‘pô, essas pedras que deram tanto trabalho pra ir lá, em não sei quantas horas de voo’… Na época não era como hoje, que você pega um avião e vai pra uma feira; não tinha nem fax! Você pra comprar pedra tinha que ir lá ao país que tinha a pedra. E daí você a vendia pra essas pessoas e eles faziam essas montagens muitas vezes tristes, decadentes, e uma hora eu falei: ‘Com essa pedra eu quero eu fazer a montagem!’. E aí em 99 eu resolvi fazer meu negócio. Parar de trabalhar na empresa familiar e montar joias pra varejo, uma marca”.
Colar de safira rosa e diamantes da nova coleção Czar, que será lançada no dia 24 de fevereiro ©Divulgação
Sobre o conceito da marca Jack Vartanian: “A ideia maior por trás de tudo era passar o conceito que estava na minha cabeça pro cliente final, sem esse intermediário. Porque esse intermediário não tinha a capacidade de fazer esse… não é nem branding, é passar esse lifestyle, esse conceito. Nem existia essa palavra, ‘lifestyle’, principalmente no ramo de joias. E também uma coisa que me atraía era a moda, mais vanguarda; depois de um, dois anos, comecei a fazer a linha de franjas que era pra época muito novo pro universo de joalheria, não existia esse namoro. A joia era aquele anel de rubi, as coisas bem clássicas. Tinha alguns criadores, como o Antonio Bernardo, mas não era moda, era joia conceitual, autoral; poucos andavam com a moda. Eu não estudei design. Eu rabiscava, era mais instintivo, e [aprendi] vendo, convivendo com os outros joalheiros; minha mãe fazia um pouco de design, mas era muito mais uma coisa com o ourives, ela não era de sentar e fazer o desenho. Eu faço isso mais, de sentar, desenhar, fazer as vistas. Eu desenvolvi a minha própria técnica de desenho. Por exemplo, gosto de desenhar um por um, em tamanho natural. Sempre gostei de desenhar um por um, porque assim já imagino as proporções, o tamanho de como a peça vai ficar pronta. Primeiro você desenha o conceito, depois faz peça por peça, e desenvolve o desenho dos detalhes. É como arquitetura, você faz primeiro o projeto conceitual, e depois faz o executivo, pra passar pro ourives executar”.
Colar de diamantes Riviera ©Divulgação
Sobre o seu processo criativo: “[Já saber os materiais que vou usar na fase inicial de desenho] depende da coleção, porque tem coleção que pode vir de uma pedra. Antigamente, como a minha escola foi mais pedras, e não design, eu me baseava nelas. Aos poucos comecei a ter as ideias muito consistentes na minha cabeça, e já não estava mais preocupado só com as pedras em si, mas com o desenho. Em joalheria tem uma coisa que às vezes as pessoas não têm noção, que não é tudo que pode ser executado; não é ‘ah, eu quero tal cor’, e você consegue. Eu consigo fazer muito próximo dos meus anseios de designer, mas pouca gente consegue, porque você tem que ter boa noção de pedra, e capital para ir lá e comprar um lote de pedra. Eu vejo um lote e compro; são raros joalheiros que fazem isso. De ir lá, ‘gostei desse tom aqui, uma hora vou fazer uma produção com isso’, e já arrematar e deixar de stand by. Muita coisa eu mesmo compro pessoalmente. Pela especialidade em pedras no passado, eu realmente só compro as que me chamam a atenção. O olhar não é só a melhor qualidade, é o que é raro; às vezes uma pedra com uma qualidade inferior pode ser extremamente rara e bonita”.
Sobre estilo e o que define uma boa joia: “Eu faço o que eu acho que tenho que fazer. Se quiser fazer uma coleção totalmente clássica eu faço, se quiser fazer uma extremamente moderna… a Punk a gente fez antes de muita marca de roupa brincar com as tachas — isso foi de 2009. Eu gosto de fazer isso e também faço o extremamente clássico com pedras excepcionais. Gosto de me sentir livre. Porque a mulher, um dia ela quer sair numa boate, quer ir numa festa cool, ela quer vestir isso. Outro dia ela pode até vestir moderno, mas quer usar uma joia mais imponente. A minha cliente pode usar toda essa gama de produtos. O cara que tem a casa de fazenda e o 4×4 e o carro esportivo, entendeu? A minha mentalidade é assim, eu penso a joia igual. O elemento importante que sempre abrange o meu trabalho é a delicadeza dos acabamentos, porque esse é o segredo da joia na minha opinião. Independente de o look ser forte, quando você pega o produto, o acabamento e os detalhes são importantes”.
Anel de esmeralda Galeria, anel leopardo Bichos e, abaixo, pulseira de ágata preta Art Deco ©Divulgação
Sobre a existência de estilos característicos de moda e joalheria de cada país: “Eu nunca acreditei nisso. Pra mim, nunca existiu. Tanto é que estou lá nos Estados há muito tempo, três anos já com loja, e nunca falei ‘joia brasileira’, nunca usei esse slogan como muitos estilistas tentam usar. Acho que é você pegar o sucesso de uma história e tentar trazer pra você, eu não gosto muito disso, porque não é assim que faço o meu trabalho. Eu às vezes uso pedras brasileiras, às vezes não uso; o coral por exemplo não é brasileiro, safira também não é, e eu uso. Esmeralda tem, mas às vezes uso da Colômbia, eu não fico apegado a essas coisas. Acho que isso tudo inibe a criação, se você começa a ‘ah, faço isso, faço aquilo’, só, esses rótulos. Acho que a moda é muito mais contemporânea, é uma grande coisa global, uma sociedade global. O meu trabalho sempre teve uma visão mais cosmopolita. Li um artigo legal que falava das semelhanças de alguém que mora em Barcelona e em São Paulo, versus uma pessoa que mora em São Paulo e uma que mora no interior do Nordeste. Você pega alguém que mora em outros países e você tem mais semelhanças, mais rituais parecidos. Come comida japonesa, a marca de vodca que você bebe é a mesma, o carro que você usa, a marca de roupa, o estilo de se vestir, o tipo da música, é muito mais parecido nessas capitais cosmopolitas do que você sair daqui e ir pro interior. Acho legal o Alex Atala que vai, tenta resgatar os ingredientes do Amazonas, do Mato Grosso, do Norte, como alta gastronomia, acho legal, e não colocar isso como uma coisa brasileira, e sim como isso poder ser algo que daqui a pouco um chef francês vai estar usando. Acho que isso é um pouco o que acontece não só na moda como em outros segmentos. O cinema brasileiro tinha muito disso antigamente, ou era só sobre o Nordeste, sobre miséria… Agora é que está virando cinema, uma hora fala da violência, uma hora fala da corrupção, uma hora fala uma história de amor, sem essa taxação, e sim mais livre pra pessoa falar do que ela bem entende”.