Quando, em meados de 2005, M.I.A. surgiu no cenário pop, não havia figura como ela.
A cantora, que lança nesta semana seu terceiro disco de estúdio, “///Y/” (XL Recordings/N.E.E.T.), enfrentou duras críticas da imprensa e do público, e levanta questões. Quando foi que a mensagem se tornou mais importante do que a música?
Seu primeiro disco, “Arular”, foi batizado em homenagem ao pai, um membro do Tamil Tigers, grupo extremista da Guerra Civil no Sri-Lanka. Sua música, globalizada e poliglota, continha uma mensagem política tão forte quanto os beats do funk carioca sampleados em “Bucky Done Gun”.
Aos 30 anos, ela utilizava referências a guerra, opressão, capitalismo e terceiro mundo em seus vídeos, editoriais de moda e figurinos de palco, tudo com a destreza de alguém que estudou artes plásticas em Londres e com admirável conhecimento de semiótica. Claro, não atrapalhava ser uma mulher atraente, magra e ter ao seu lado o DJ Diplo como namorado e colaborador.
Dois anos depois, lançou o álbum “Kala”, em homenagem à mãe. O single da vez era “Paper Planes”, um hit com sua mensagem não-tão-subliminar no refrão: tiros e o som de uma caixas registradora: ka-ching. Foi o suficiente para levá-la até o horário nobre da TV americana (David Letterman, Saturday Night Live) e aos palcos dos grandes festivais de música como Coachella e Glastonbury. No Grammy, tocou grávida de nove meses em um vestido semitransparente do estilista britânico Henry Holland.
O que teria mudado em “///Y/” para que agora ela seja tão duramente criticada?
Com uma nota de 4.4, o site Pitchfork classificou o trabalho como “uma bagunça desenfreada”. “Requentado e com manobras executadas por outros”, disse o PopMatters. “Radicalismo não é nada novo no pop. Essa é mais uma delas”, declarou o The Guardian. Enquanto isso, o apartheid violento do videoclipe de “Born Free”, dirigido por Romain-Gavras, foi censurado até mesmo pelo You Tube.
Certamente não é a música. É a credibilidade do seu statement que está enfraquecida. Como denunciou um artigo de Lynn Hirschberg no The New York Times, Maya hoje é uma mulher com nacionalidade americana, casada com Edgar Bronfman, um americano herdeiro de um império de bebidas e filho do CEO da Warner Music, morando confortavelmente e com segurança particular nos Estados Unidos.
Analisando o álbum mais de perto, vê-se que M.I.A. se dividiu entre os momentos mais pop da sua carreira _ como “XXXO” e “It Takes a Muscle”, que falam de frustrações femininas e de amor_ mas sem nenhum dos ganchos pop, samples e refrões poderosos usados em “Bird Flu” ou “Galang” dos discos anteriores. Já quando o assunto é política, o conteúdo lírico não vai muito além de “economistas devoram a pobreza como um Twix [o chocolate]” na faixa “Haters” ou “eu não dou a mínima“, na música “Meds and Feds”, desta vez acompanhados de rock industrial e poluição sonora.
Não há nada de errado no fato de Maya se colocar como uma artista contemporânea. Sua obra é a ideia, não a execução. Mas ao ter seus conceitos questionados, Maya trocou a ofensiva pela defensiva – divulgar o celular de um jornalista do “New York Times” no Twitter (porque ele a criticou) é apenas um sinal disso. Na letra de “Lovalot”, Maya confessa a sua nova posição: “Eu luto contra aqueles que lutam comigo”.
Ainda não há figuras como M.I.A. no showbusiness. Mas, infelizmente, nem a própria parece lembrar das causas que a trouxeram ao lugar que ela ocupa.
Álbum: “///Y/”
Artista: M.I.A.
Gravadora: N.E.E.T./XL/Interscope Records
Avaliação: 6,0
Site Oficial: mia.co.uk
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