Por Guilherme Meneghetti
Uma das peças mais impactantes da semana de Alta Costura de Paris (Verão 17), que acabou na última quinta-feira (26.01), foi um sobretudo branco da Maison Margiela, com um rosto incrivelmente bem feito, quase realista, costurado em tule preto. Dentre outros, a coleção abordou temas como a denúncia de vivermos “com filtros” nas redes sociais, por isso as diversas camadas com tecidos reutilizados que compuseram as peças da coleção. O nome por trás deste rosto icônico é Benjamin Shine, artista britânico de 40 anos.
A moda está em seu sangue antes mesmo de ele vir ao mundo, uma vez que a sua família trabalha na indústria têxtil há gerações. Então preferiu seguir caminhos semelhantes e se formou em moda, no The Surrey Institute of Art, e em design, na Central Saint Martins, ambas em Londres.
No entanto, desde cedo se mostrou um garoto prodígio, quando, aos 13 anos, ganhou uma bolsa para estudar arte no Cheltenham College; aos 15, fez a sua primeira camiseta, à qual uma empresa de moda se interessou para colocar à venda. Em 2003, criou o seu estúdio criativo e, no ano seguinte, ganhou o prêmio Enterprising Young Brit pelo Skoody, peça utilitária à prova d’água composta por uma combinação de jaqueta, cachecol e bolsa – utilitarismo é a palavra de ordem no seu trabalho.
“Na faculdade de arte eu realmente me interessei em criar roupas de uma só peça, mas o problema é que é muito difícil apreciar a complexidade da roupa na passarela”, disse numa entrevista ao The Guardian. “É necessário que a roupa esteja exposta num manequim para que as pessoas possam andar ao redor dela e apreciá-la por um momento. Foi isso o que me fez pensar sobre o jeito que as pessoas veem a arte e especificamente como olham para os retratos”.
Foi quando começou a “pintar” retratos com materiais inusitados, incluindo o tule, que compõe apenas uma parte de seu trabalho, com projetos definidos, segundo seu site, em três categorias: para ver, que inclui as obras de arte apreciadas em exposições; para vestir, peças utilitárias como a Skoody; e usar, objetos funcionais de decoração com design inusitado, como por exemplo um sofá feito com a típica cabine telefônica britânica e uma vela que é reutilizável.
Os retratos com tule são sem dúvida o carro chefe de seu portfólio, pois incluem nomes de peso como Andy Warhol, Princesa Daiana e Elizabeth Taylor em obras que estão espalhadas pelo mundo. Entre seus clientes estão empresas como a Harrods, Google e Coca-Cola.
“Tudo começou quando eu vi um rolo de tule no chão do meu estúdio e percebi o seu potencial”, conta ao Daily Mail. “Pressionando-o através do vidro, diferentes tons foram aparecendo e eu comecei a testar métodos para criar imagens identificáveis ao manipular as pregas de um único pedaço de tule”.
Mas não é só dobrando, plissando, costurando à mão e utilizando ferro de passar no tule que ele faz os retratos. O de Obama, por exemplo, intitulado Changing States (Estados em Mudança, em tradução livre) ele usou pedaços de uma única bandeira dos EUA, que foi primeiramente rasgada para então delinear o retrato do ex-presidente americano.
Dentre os seus trabalhos em destaque, está a exposição The Dance, na Austrália, com a qual ele utilizou mais de 2000 mil metros de tule, em diferentes cores, para criar duas instalações: uma com dois rostos, de um homem e uma mulher, suspensos no teto, que emergem através do tule que sai de um objeto no chão; e a outra com silhuetas de bailarinos dançando, tudo impressionantemente feito à mão sendo revelados pelo contraste das luzes ao fundo. “Essa instalação pretende evocar esse senso de fluxo e momentum”, disse em 2015, quando a exposição, que explorou ideias de impermanência e momentos fugazes, esteve em cartaz.
Nesse mesmo ano, ele se casou e, como decoração, criou a Entwined (entrelaçados, em tradução livre), obra com fitas brancas que “vagueiam” pela floresta, o local onde aconteceu o casamento, até se encontrarem para formar dois rostos simulando o casal. A ideia foi concretizar o encontro de duas almas também recepcionar os convidados da chegada ao local da cerimônia.
A Margiela não foi a primeira marca de peso com a qual ele trabalhou. Em 2013, se juntou à Givenchy numa coleção cápsula feita sob encomenda nos ateliês de alta costura da marca. Shine, em parceria com Tisci, reinterpretou em camisetas e moletons as estampas religiosas Madonna e Madonna and Child – com tule, claro –, que apareceram no Verão 2013 masculino da grife francesa.
Mas foi Galliano quem sabiamente usufruiu de seu trabalho destacando-o na passarela de uma coleção couture. “Eu soube que o John viu o meu trabalho há algum tempo atrás e o seu time criativo entrou em contato comigo me convidando para colaborar na coleção Artisanal [linha de Alta Costura da Margiela]”, disse à Another. “John me presentou com essa linda concepção do meu trabalho com tule, flutuando em um casaco branco, e a nossa parceria progrediu rapidamente a partir daí”.
Conheça mais de seu trabalho: