“Estamos celebrando essas pessoas não só pelo seu talento, mas por criarem algo realmente novo, como Joan Didion, que com razão ganhou a distinção de uma das escritoras mais celebradas de nossa geração – estou surpreso porque ela ainda não ganhou esse prêmio”, discursou o ex-presidente dos EUA, Barack Obama, sobre Joan Didion em 2013, ao premia-la com a National Medal of Arts ao lado de outros 24 escritores, acadêmicos, performers e artistas.
Essa é a primeira cena do trailer do documentário sobre a vida e obra da escritora. “Vou fazê-lo porque, por incrível que pareça, ninguém, até hoje, fez um documentário sobre Joan Didion – e isso é um mistério!”, conta no trailer Griffin Dunne, sobrinho de Joan que exerce as funções de diretor, produtor cinematográfico e ator (Clube de Compras Dallas) e se incumbiu de produzir, ao lado de Susanne Rostock, o primeiro filme sobre sua tia. “Ela provavelmente é a mais influente escritora americana viva hoje”.
Dunne iniciou uma campanha de crowndfunding no site Kickstarter em 2014, a fim de juntar fundos para custear o projeto – nomes de peso da moda e da literatura, tais como Gia Coppola, Zac Posen, Stephanie LaCava e Christopher Niquet, também contribuíram para que o projeto saísse do papel. O título inicial seria o nome de um dos livros de Joan, We Tell Ourselves Stories in Order to Live. Mas, com o filme pronto três anos depois, Dunne e sua equipe optaram por substitui-lo para Joan Didion: The Center Will Not Hold. O lançamento está previsto para o mês que vem, durante o Festival de Cinema de Nova York; depois, o doc ganha transmissão pela Netflix.
“Nossa jornada começou anos atrás, quando gravamos Joan como parte de um pequeno vídeo que acompanhava a turnê do lançamento de seu livro, Noites Azuis. Depois de horas assistindo-a lendo e refletindo, ficou claro que não devíamos parar por ali – tínhamos que fazer algo muito maior e mais profundo”, divide Dunne.
Jornalista, roteirista e escritora, a obra da americana será o fio condutor para traçar sua vida no documentário, que conta com participações de Patti Smith, Vanessa Redgrave, Graydon Carter e Bret Easton Ellis. Seu primeiro romance, Run River, foi publicado em 1961. O primeiro grande sucesso veio em 1968, com Slouching Towards Bethehem, que o New York Times descreveu como “uma exibição rica de algumas das melhores prosas escritas hoje neste país”. Junto com o seu então marido, John Gregory Dunne (hoje falecido), formou um casal perdidamente apaixonado. Viveram em Los Angeles por muito tempo, escreveram diversos roteiros de cinema e, em seu séquito, Andy Warhol era presença constante. Em 1966, adotaram a pequenina Quintana Roo, uma bebê recém-nascida.
Joan também escreveu para revistas como Vogue e The New Yorker. Ainda que nunca tenha associado seu nome ao jornalismo literário (ou New Journalism, recurso que surgiu na década de 1960 com a imprensa americana, que mistura a narrativa jornalística com uma espécie de narrativa literária não-ficcional), sua obra é comumente vinculada ao movimento. Joan Didion: The Center Will Not Hold também narra uma parte da história recente dos EUA, já que aborda as descrições de Joan sobre o assassinato dos irmãos Manson, o perfil da então primeira-dama (esposa de Ronald Reagan), e o terrível crime conhecido como Central Park Five. Nesses textos, seu recurso não foi escrever como uma narradora, mas como testemunha. “Veja tudo, ouça tudo, nada faça nada” – daí a associação ao jornalismo literário.
Contudo, a verdade é que, na vida, nem tudo são flores. Em 2005, Joan escreveu O Ano do Pensamento Mágico, no qual ela desabafa sobre o período que se seguiu à morte de seu marido, em 2003, quando, sobre a mesa do jantar, ele caiu de repente, pois o coração havia parado. “A vida muda num instante. Você se senta para jantar e a vida que você conhecia acaba de repente”, escreveu. O livro foi best-seller nos EUA e por aqui bateu 100 mil cópias vendidas – de quebra, arrematou o National Book Award. Pouco antes do lançamento, Quintana viria a falecer, depois de meses com complicações de saúde que Joan jamais detalhou, mas escreveu Noites Azuis, lançado em 2012, quando se descobre sozinha para testemunhar o próprio fim.
“Contar essa história foi um jeito de ajudar Joan a suportar o terrível período pelo qual passou na vida com as perdas. Agora devemos ser os únicos a preservar isso, seu legado”, arremata Dunne.