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    Especial: O que o impresso tem que o digital não pode oferecer?
    PILHA DE REVISTAS DA CASA MAGAZINES, NO VILLAGE EM NOVA YORK
    Especial: O que o impresso tem que o digital não pode oferecer?
    POR Redação

    Na semana passada o FFW publicou uma matéria sobre o impacto do digital no jornalismo de moda, com foco na crítica, ouvindo as principais vozes entre os especialistas brasileiros. Agora, inspirados por uma discussão publicada na mais recente edição da System Magazine, abordamos o mercado das revistas impressas, que há anos tem sofrido com as crises econômicas e com o próprio formato do negócio. Quando se trata de print, sempre há aqueles que acreditam que as revistas acabaram. Mas, felizmente, para tudo há os dois lados. Existe também os print lovers, não apenas entre os leitores, mas entre os criadores de conteúdo.

    É fato que os veículos impressos passam por grave uma crise. A Conde Nast, detentora da Vogue teve prejuízo de mais de 120 milhões de dólares em 2o18 devido a queda nas vendas e na publicidade. Muitas revistas fecharam (as edições nacionais da Elle e Cosmopolitan) ou irão fechar em breve; outras tem sido vendidas (a mais recente foi da W Magazine, que deixará de circular em banca). Ao mesmo tempo, nunca vimos tamanha quantidade de títulos independentes pelo mundo, com circulação bi-anual, entre elas a FFW, que encontrou nesse formato uma maneira de produzir edições relevantes, condizentes com seu propósito de qualidade.

    Para entendermos a situação do mercado impresso de moda no Brasil hoje, convidamos os profissionais que comandam as principais revistas nacionais para discutir sobre o atual cenário, os prazeres e as dores de fazer um veículo impresso e o que está sendo feito para atravessar essa era de tantas transformações. Do lado mainstream, temos Daniela Falcão, diretora da Globo Condé Nast (dona da Vogue, Glamour e GQ); Susana Barbosa, que trabalhou por 18 anos na Elle e nos últimos seis foi diretora de redação; Renata Brosina, diretora de redação da L’Officiel; e Laura Ancona, diretora de redação da Marie Claire. Do lado dos títulos independentes temos Augusto Mariotti, Diretor Criativo e Publisher da FFW; Ana Wainer, editora da +55 Mag; Juliano Corbetta, Editor Chefe da Made In Brazil; e Cassia Tabatini, fotógrafa e editora da Fort.

    Quais são os desafios atuais que as revistas estão enfrentando?

    Daniela: São dois ao mesmo tempo: manter nessa nova geração que chega o amor ao impresso e saber sobreviver em outros meios, transformar a revista numa marca em que ela vai sobreviver em outros ambientes que não sejam só o impresso. Ainda que muitas revistas têm a chance de virar digital, o que faz você ser único é justamente o fato de ser um veículo impresso. Precisamos educar a nova geração. A circulação vai chegar num nível mínimo, mas a gente precisa desse nível pra continuar existindo. A verba de publicidade é também decrescente e você tem que buscar outras formas de receita. Pra fazer isso com sucesso você tem que ter conseguido transformar o veículo numa marca e não ser só uma revista. E nem todo mundo vai conseguir virar uma marca. Tem que ter um clube de fãs e seguidores e ter um DNA muito forte. Algumas publicações talvez não consigam fazer essa transição.

    Augusto: Primeiro, o alto custo de produção x a desvalorização dessa mídia por parte da publicidade. Com menos dinheiro, a qualidade do conteúdo é prejudicada, consequentemente isso é percebido pelo leitor que escolhe outras formas de consumir informação já que não dependem mais exclusivamente do impresso. Depois, a pressão dos anunciantes para aparecer no conteúdo colocando em risco a verdade da escolha editorial. E por último, o hábito do conteúdo gratuito que a internet criou desestimulando as pessoas a pagarem por informação.

    Susana: Do ponto de vista do negócio, sem dúvida é a falta de investimento. As verbas publicitárias destinadas ao impresso, em qualquer seguimento, vêm sofrendo uma queda significativa nos últimos anos. O modelo tradicional de revista mensal tem sido cada vez menos sustentável porque em alguns meses a receita é muito pequena e o custo da operação continua alto (papel, impressão, folha de pagamento). As vendas em bancas também encolheram e representam muito pouco hoje em dia na circulação total. A operação de assinaturas nem sempre é lucrativa, já que os custos de distribuição costumam ser altos também. E o digital ainda não representa a maior parte do faturamento. Ou seja, está cada vez mais difícil fazer essa conta fechar. É preciso repensar esse modelo de negócio. Por enquanto o jeito tem sido buscar outras formas de rentabilização, como eventos, palestras, branded content, etc. No caso das revistas de moda, do ponto de vista do conteúdo, eu diria que o maior problema é o descompasso com a realidade e os problemas do mundo. Há 150 anos as revistas de moda reproduzem os mesmos discursos e não sei porque ainda acreditam que isso cola. Algumas tentam a duras penas desconstruir esse modelo, mas ainda fazem isso de um jeito esquizofrênico e pouco coerente. Adotam um discurso político até a página 2, mas ainda não conseguem abrir mão de velhas pautas como a “lista das mais bem vestidas do ano”.

    Juliano: A maioria das revistas, principalmente mensais, perdeu a relevância por diversos fatores. Um deles é de que as notícias são imediatas e compartilhadas hoje em dia em redes sociais. O outro é que a qualidade do conteúdo simplesmente não é boa (aliás, em geral, é bastante ruim). Praticamente todas a publicações de moda nacionais se tornaram uma coletânea de notas ou editoriais comprados por marcas e o jornalismo e a fotografia de moda foram deixados de lado. Ninguém está interessado em abrir uma publicação e se deparar com matérias que são obviamente compradas ou ditadas por um anunciante porque não há honestidade ou originalidade nisso, e ninguém precisa ver mais um editorial de moda comprado por uma marca e feito de qualquer maneira para atender uma necessidade do cliente. Com isso, temos um mercado saturado de publicações sem informações de verdade, feitas basicamente por anunciantes. Jornalismo requer uma certa imparcialidade e liberdade, o que no mercado de moda mensal está praticamente extinto. 

    “O impresso é uma experiência sensorial diferente que envolve toque e manuseio e o cheiro do papel. Envolve também abrir uma publicação e poder navegar por ela de uma maneira que é impossível ser replicada online”, Juliano Corbetta

    Laura: O mercado impresso como um todo está em queda. Aqui no Brasil a situação é ainda pior porque tivemos a crise da Abril que acabou com metade do mercado, o que é uma grande pena porque a concorrência é fundamental. Agora as revistas estão todas dentro do mesmo grupo, que é o grupo Globo (que tem uma joint venture com a Conde Nast no Brasil). Fora isso, tivemos diminuição de equipe, tamanho de borderô e diminuição muito grande da circulação. A circulação da Marie Claire caiu 30%, mas em outras publicações, caiu 50%, 60%. Lógico que tem menos dinheiro no impresso hoje. Mas isso também é decorrência da falta de agilidade das empresas e dos gestores de transformar as revistas em marcas. Um dos maiores cases de sucesso é o da Vogue America, com eventos enormes que fazem com que o impresso se fortaleça.

    Ana: Principalmente a perda de dinheiro de anunciantes. Antes as revistas detinham o monopólio da verba das marcas porque era o único canal de chegar ao consumidor. hoje em dia são muitos os canais, esse talvez seja o menos importante para as marcas, se considerar alcance em números. É muito caro fazer revista. As mainstream ainda precisam se manter relevantes pra ter um apelo maior, as independentes conseguem trabalhar com nichos e segmentos pequenos. 

    Renata: Acredito que, de uma forma geral, os veículos impressos estão precisando provar a sua necessidade de consumo. Afinal, a informação não está mais presa às páginas das revistas. Com a força das redes sociais e de alguns sites que se tornaram tão importantes quanto um título tradicional de moda internacional, obviamente, há uma disputa por fontes e preferência de acesso ao que antes era reservado apenas ao impresso. Mas não acredito que isso diminua a relevância das revistas. Pelo contrário, criar conteúdo requer uma curadoria ainda mais desafiadora, com matérias de maior profundidade e menos ligadas ao “quente”. O papel do “breaking news” é da internet e não tem como competir com o tempo x espaço. 

    Cassia: Como nunca vivemos época em que o projeto foi fácil de patrocinar, parte disso porque é relativamente  novo (a Fort tem cinco anos). A dificuldade é sempre a mesma: conseguirmos chegar no orçamento total que pague produção, impressão, lançamento e distribuição. Tudo se torna possível porque nossos colaboradores, fotógrafos, diretores de arte, designers, maquiadores, booker, modelos, equipe de styling, agentes, aluguel de equipamentos e todo tipo de profissional,  se dispõem a investir nisso junto com a gente, de outra forma, não seria possível. Às vezes conseguimos patrocínio total, outras vezes parcial. Essa é parte difícil. Como fazemos poucas cópias, 1.500, também temos dificuldade com distribuição, nunca conseguimos fechar isso, então temos que fazer essa parte também no DIY, o que acaba sendo cansativo e custoso.

    Qual propósito o impresso tem hoje, agora que o digital se tornou norma?

    Daniela: É você resgatar um prazer. A notícia vem através do digital, mas impresso é onde você pode ousar, fazer coisas que durem. Cada vez mais o impresso tem que ser o mais atemporal possível, ainda que reflita o espírito daquele tempo. Tem um colapso no sistema de distribuição e não é só no Brasil. No futuro eu imagino que as revistas possam ser bimestrais. Se é pra falar de uma exposição a gente fala no digital, mas se é pra falar de um artista, faz isso no impresso. A Glamour é uma revista que eu tenho dúvidas se vai sobreviver muito tempo no print, ela tá na linha tênue. É muito serviço, e uma leitora menos reflexiva. Com Vogue, Casa Vogue e GQ é outra coisa, elas têm esse DNA de um veículo impresso.

    Augusto: O impresso hoje só faz sentido se for algo especial, com conteúdo durável, que pode ser lido e consumido não somente quando a revista chega às bancas mas meses, anos depois. Eu diria que o impresso é a Alta Costura e o digital o Prêt-à-Porter.

    Susana: Eu acredito mais em edições pontuais, para guardar, com imagens inspiradoras mas que precisam estar amparadas por outros conteúdos de alto nível, críticos e analíticos. Há essa tendência hoje no impresso, principalmente fora do Brasil. Muitos títulos novos surgindo e alguns, independentes, ganhando força e mercado. Por aqui também vemos algumas iniciativas muito válidas, mas ainda pouco consistentes do ponto de vista do conteúdo. Muitas são apenas um belo portfólio de imagens, mas não comunicam muito além disso. Acabam sendo interessantes só para quem trabalha na área, que são pouquíssimas pessoas. Mas eu acho que uma capa de revista ainda tem muita importância. Não à toa sempre vemos algumas delas ganharem bastante repercussão. Através de uma capa podemos comunicar coisas muito poderosas, para o bem e para o mal. 

    Juliano: Quando comecei a Made In Brazil há nove anos, dizia que o impresso se tornaria um artigo de luxo, para colecionar, e que os anúncios impressos perderiam relevância. A maioria das pessoas provavelmente me achou louco, mas acredito que esse seja o papel do impresso hoje em dia: um produto de luxo feito em escala menor para um público específico, com conteúdo exclusivo produzido com esse público em mente. Também acho que veículos impressos, principalmente na área de moda, podem servir como forma de fomentar novos talentos. Ninguém estuda fotografia por anos para fazer fotos para Instagram. Os fotógrafos novos que conheço, todos gostariam de ter seu trabalho bem impresso, e para isso precisamos de bons veículos.

    “Folhear, colecionar e empilhar. O desejo de arrancar a página e colocar na parede, o material, o cheiro do papel e da tinta”, Cassia Tabatini

    Laura: Longe de mim querer definir porque essa é uma questão ainda muito discutida. Na minha seara percebo que as marcas perenes não só preferem estar no impresso como encontram público. Principalmente no mercado de luxo. Beleza por exemplo, saiu quase totalmente do impresso. Uma marca como Boticário, que tem muitos lançamentos num ano, pra eles não faz sentido, eles precisam se comunicar de uma maneira muito mais pulverizada. Por outro lado, essas marcas que tem uma história grande e longa e querem reforçar essa imagem, o impresso pra elas faz muito bem. Não existe mais seção de notas, agenda do mês, isso não funciona mais. Quanto mais aprofundadas as reportagens, quanto mais perenes, melhor. É isso o que funciona bem no print.

    Ana: Acho que o impresso virou meramente fetichista. É voltado para as pessoas que escolhem algo que vá fazer elas pensarem e sonharem, que valorizam o tempo fora do tempo de se sentar numa poltrona, na mesa de café, folhar, ler uma matéria longa sem interrupção de apitos, notificações e abas.  

    Renata: As revistas têm se aproximado da função de um livro. Lá, existem registros que marcam transformações e o comportamento de um tempo. Da mesma forma que você abre uma L’Officiel, Vogue ou Harper’s Bazaar da década de 80 e absorve o espírito daquele momento, acredito que estamos trabalhando para marcar o que é o nosso hoje. Até porque, diferente da internet, que pode ter oscilações de matérias poderem ser apagadas, o papel, uma vez que impresso, está eternizado. Por isso, a curadoria tem ainda mais necessidade de ser repensada de acordo com cada público, mas a profundidade é obrigatória. As imagens dos editoriais de moda precisam de impacto e uma história de força para serem contadas. As entrevistas são menos monossilábicas e mais bem exploradas. Por este lado, sempre é bom lembrar do real preço de cada página que está sendo impressa e se perguntar: “Será que este conteúdo merece todo esse espaço?”. Há matérias que saem caras, dependendo da sua qualidade. E vale trazer a ideia de servir como fonte para entendimento de mudanças que marcam o nosso tempo. No caso da moda, não é novidade mostrar as fotos de um desfile ou uma bolsa com tom de “exclusividade”. Já foi visto por muitas pessoas antes de você precisar anunciar em tom de “nós demos primeiro”. Hoje, é sobre quem “dá melhor”. É sobre qualidade de apuração e produção, duas deficiências que vejo com muita frequência no digital, por exemplo. Não é mais legal dar espaço para a notinha de abertura da boutique na esquina de casa. A não ser que a lojinha em questão tenha seu grau de importância relacionado a uma marca, a profissionais, arquitetura ou a questões importantes para a economia do país. Mas, aí, a simples notinha já ganha outra proporção e se torna uma matéria com propósito e, claro, fontes.

    Cassia: Eu sempre penso que são projetos diferentes. O impresso sempre existirá. Enquanto for possível, temos uma grande volta do impresso, do analógico. Vejo o impresso como um item colecionável, que já não precisa ser feito todo mês e sim com uma frequência menor, onde se consegue prazos melhores para trabalhar. Isso contribui para a qualidade da publicação. Acho que os dois, impresso/ digital andam lado a lado, mas cada vez mais são projetos diferentes. Também gosto muito da ideia de movimento, podcasts e entrevistas. No momento estamos trabalhando numa plataforma online nova, mais interativa, com vídeos, música etc, e um pool muito maior de colaboradores.  prince-e-chez-astro

    A prince books, na rua oscar freire em São Paulo é ponto de encontro dos amantes de impressos.

    De que maneira a revolução do digital te forçou a reconsiderar seu modelo de negócios de revista impressa?

    Daniela: Não é nem a revolução digital, é o surgimento da grandes plataformas, Google e Facebook, e a mudança da publicidade digital, que hoje não necessariamente procura uma marca, mas sim um público. Quando essas empresas surgem conseguindo acessar esse público, você muda a lógica do anúncio. Eles têm os recursos técnicos pra fazer o anúncio chegar no público desejado e medir seu impacto e nós ficamos reféns de Google e Facebook que pagam uma ninharia pra acessar o nosso público. Eles ficaram milionários fazendo isso. Outras revoluções e outras maneiras vêm aí, mas não será no anúncio. Os links afiliados por exemplo, têm um potencial muito grande de receita no digital. A gente ainda não tá ganhando muito dinheiro com isso, mas pelo que estou vendo, esse link afiliado é um caminho. Mas não acho que isso vai compensar a queda de receita do print. Temos que criar produtos. Pode ser um curso, viagens, você expede pra outras áreas e o repórter também ganha outra função. Por exemplo, o New York Times estava vendendo uma viagem para New Orleans com a repórter que cobriu o Katrina como guia. Esse tipo de coisa é que vai garantir a sobrevivência dos veículos.

    “Houve uma mudança na publicidade digital, que hoje não necessariamente procura uma marca, mas sim um público. Quando  empresas como Google e Facebook surgem conseguindo acessar esse público, muda a lógica do anúncio. Eles têm os recursos técnicos pra fazer o anúncio chegar no público desejado e medir seu impacto e nós ficamos reféns deles, que pagam uma ninharia pra acessar o nosso público. Eles ficaram milionários fazendo isso”, Daniela Falcão

    Augusto: O FFW nasceu primeiro como uma plataforma digital. A revista veio depois como um desejo de criar um produto palpável que pudesse servir de espaço para maior experimentação na produção de conteúdo, tanto de texto quanto de imagem, revelar e dar espaço ao novos nomes da fotografia e styling. Porém hoje nenhum projeto é pensado somente para a revista, ele sempre tem desdobramentos nos nossos canais digitais, no site ou nas redes. Dessa forma conseguimos levar parte do conteúdo da revista a um número maior de pessoas. Criar eventos com conteúdos e experiências que carreguem o DNA do título também são novas formas de levar conteúdo ao seu leitor e trocar com ele, gerando novas possibilidades de negócios.

    Susana: Existe aqui uma equação difícil. Esse é um desafio para qualquer veículo de mídia do mundo, não só o impresso, como também a TV. E vou além: vários outros mercados que têm entre seus concorrentes negócios nativos digitais e estão na luta para se adaptar. Veja o setor hoteleiro x Airbnb, os taxistas x Uber.

    Juliano: Eu comecei no digital e a Made In Brazil impressa sempre foi um produto de luxo para o consumidor do meu conteúdo digital, então a fórmula de negócios para mim não mudou muito nesses últimos anos. Sempre produzi conteúdo digital e sempre inserimos os patrocinadores na revista de uma maneira orgânica e alinhada com o conteúdo. O que talvez tenha mudado foi o tamanho da entrega digital para os patrocinadores do projeto impresso e as ações ligadas ao projeto. Eu não vendo mais um projeto impresso e sim idéias que possam ser novas e interessantes aos patrocinadores linkadas a esse projeto.

    Laura: A gente trata a Marie Claire como uma marca que tem várias plataformas, online, print, redes e a de eventos que é muito importante pois ajuda a reforçar o que é a marca. Dois cases importantes são o Prêmio Viva, de enfrentamento da violência contra a mulher, e o Power Trip Summit, um encontro de liderança feminina. É óbvio que tudo isso foi acelerado com o digital e nosso impresso também é pensado para não canibalizar as plataformas. Quando assumi a direção, vi que o Instagram era muito genérico, que falava e cachorrinhos a celebridades. Uma das coisas que fizemos foi deixar as marcas mais parecidas, mais engajadas e comunicar melhor quem somos e com quem conversamos. Por um momento tivemos que abrir mão de parte da nossa audiência, mas depois ela foi recuperada.

    Ana: A minha revista nasceu no meio da revolução digital então o modelo já nasceu truncado sem saber muito bem pra onde ir. Principalmente porque minha revista é exclusivamente impressa, ela não tem o apelo de alcance digital que outras têm. 

    Cassia: Como disse anteriormente, a revolução digital foi o meio de viabilizar o  impresso, onde conseguimos entregar mais em contra partida para patrocínios. Como somos pequenos, e existimos há apenas cinco anos, não sofremos muito com essa revolução. Acho que no nosso caso, um faz com que a outra exista, não existe Fort online sem a impressa. Em termos de revolução, o Instagram ou mesmo o Facebook, facilitaram muito em conhecer talentos novos de todas as partes do mundo, eu gosto muito dessa parte, do acesso que conseguimos ter hoje em dia e a chance de mostrar nosso trabalho, ao mesmo tempo que aumentou a concorrência também facilitou muito para todo mundo, especialmente os países e continentes menos explorados culturalmente.

    De que forma sua relação com os anunciantes mudou?

    Augusto: Os anunciantes também foram impactados pelo digital com suas métricas e dados e começaram a querer um resultado mais imediato e mensurável ao investir nas revistas. E isso no impresso não existe. Uma marca que escolhe estar com a FFW sabe que ela está ali porque seu produto vai encontrar um seguimento do seu público que valoriza e quer consumir coisas de qualidade. E é isso que as marcas de moda e luxo vendem.

    Susana: Estou nesse mercado há 23 anos e sou do tempo em que a relação entre a redação e a equipe comercial das revistas era tipo “Igreja e Estado”. Nós tínhamos autonomia total e irrestrita para publicarmos o que quiséssemos e não contemplar anunciantes nas matérias se assim achássemos conveniente. Hoje essa relação está mais corrompida, concessões vêm sendo feitas e o saldo final disso não é muito positivo, a meu ver. O anunciante ficou mal acostumado por conta de algumas práticas pouco éticas que parte do mercado adotou. E os veículos ficaram muito reféns do dinheiro do anunciante, até por uma questão de sobrevivência. Isso desequilibrou essa relação. Na minha opinião, o conteúdo deve ser soberano para que a credibilidade do veículo se mantenha e o anunciante deveria achar isso bom, porque isso eleva a régua de todo o mercado. Me parece muito melhor que o produto de um anunciante esteja em um editorial de forma orgânica, porque ele é fruto da curadoria independente dos jornalistas que ali trabalham. Editoriais pagos têm nome, branded content, e eles são um produto comercial. Se isso estiver claro entre as partes e principalmente para o leitor, tudo bem.

    Juliano: Não mudou muito porque meu foco era o digital desde o início. O que mudou é que agora ao menos alguns anunciantes estão começando a entender as propostas que eu fazia no passado a respeito do digital, e estão começando a perceber que o retorno de mídia de um veículo de nicho é importante.

    “Com a +55 MAG em particular, eu basicamente desisti de anunciantes e fui achando outros jeitos de financiar o projeto, mas idealmente seria uma relação baseada na qualidade do produto e dos leitores e não nos números”, Ana Wainer

    Renata: Na verdade, acredito que a relação com os anunciantes mudou para melhor. Falando especificamente sobre o impresso, lembro de antigamente me deparar com entregas comerciais feitas mais em quantidade do que qualidade pelas revistas – com aquele ar escancarado de “publi”, sem a vontade de usar a oportunidade como um desafio. Isso porque os anunciantes eram reféns das revistas – afinal, era o poder estava concentrado no impresso. Mas isso mudou completamente por causa da força do digital. Foi preciso inovar e mostrar os motivos para os anunciantes continuarem apostando no papel. É sempre importante levar o conteúdo comercial para o lado editorial sem deixar de trabalhar de forma criativa. Afinal, se a marca está fazendo esse investimento no veículo é justamente porque ela espera algo que a surpreenda e crie uma relação entre ela e a revista. E o impresso também deve explorar mais opções do que o anunciante pode propor, até porque, quando ambos ficam na zona de conforto, o resultado da “entrega” é boring.

    Cassia: Hoje em dia é quase impossível pensar em anúncio para impresso se não tivermos uma contrapartida  com material digital. 90% do que conseguimos viabilizar é dessa maneira.

    a libraria do you read me em berlim

    A livraria do you read me, uma referência para os print lovers, em Berlim / Reprodução

    Porque você pensa que as pessoas continuam comprando revistas?

    Daniela: É a mesma resposta de por que as pessoas compram livros. A revista seduz. Quando você está na livraria do aeroporto, você vê as pessoas comprando. Você sabe que vai ficar um tempo desconectado e, nesses momentos, o impresso é um lugar confortável para se estar. A gente tem acompanhado muito a limpeza das capas. Antigamente tinha que botar muita chamada porque elas iam fazer a pessoa comprar. Hoje ela quer comprar uma capa limpa. Pessoalmente, foi onde tive mais dificuldade de desapegar, tem tanto conteúdo e eu não vou colocar isso na capa? Hoje as chamadas são únicas e revelam o espírito da edição. É mais um jogo de sedução e menos de informação.

    Augusto: As pessoas que se interessam por bom conteúdo continuam comprando porque elas têm uma outra relação com o impresso. Elas gostam do prazer de folhear uma revista, ver uma fotografia bem impressa em formato grande, guardá-la e voltar a folhea-la meses, anos depois para entender como eram as coisas em determinada época em termos de imagem e comportamento. Existe um prazer nessa relação.

    Susana: Eu tenho certeza que elas não continuam comprando revistas como compravam antes. E acho que elas vão comprar cada vez menos. Isso não significa que elas vão deixar de consumir conteúdo.

    Juliano: Porque a sensação de ler ou folhar uma revista nunca é a mesma de ler uma notícia online ou de ver fotos na tela de um computador ou smartphone. Existe um romance envolvido.

    Laura: Acho que tudo anda junto. A pessoa que gosta da Marie Claire é atenta aos eventos, segue nas plataformas digitais e gosta do impresso. E tivemos uma taxa grande do retorno de assinaturas, justamente da mulher que está acostumada com mídias sociais e a navegar no site. Temos muitas colunistas que pensam o mundo da maneira como a gente acredita, entre elas a Djamila Ribeiro. Falamos com uma mulher mais real e que espera esse tipo de conteúdo com crítica.

    Ana: As revistas que as pessoas compram hoje em dia são edições colecionáveis, almanaques semestrais ou anuais que fazem elas sonharem. Quem compra é porque quer muito comprar.  

    Renata: Fora do Brasil, é comum ver o crescimento de veículos de moda independentes. Não digo que as revistas comerciais precisam mudar seu direcionamento e se tornarem praticamente títulos de arte. Mas é preciso de um equilíbrio. O digital já é um impulso diário para consumo, com hashtags, parcerias com influencers, sinalizadores de preço e por aí vai. Acho que, quando consumimos revistas, procuramos um conteúdo que só aquele título vai trazer para você. Por exemplo, coleciono a System Magazine e sei que cada edição vai trazer algo incrível. Desde uma entrevista feita por Raf Simons com Miuccia Prada ou muitas páginas que trazem o Nicolas Ghesquière revelando realmente curiosidades sobre a sua vida. Algo que não está diariamente na internet com tamanha consistência.

    Cassia: Pelo fato de que muitas publicações são feitas para ser colecionáveis mesmo, vêm com um conteúdo muito rico e atemporal, virou uma categoria entre livro e revista. Pelo menos isso é o que eu consumo. Mesmo sabendo que existem, não consigo visualizar um leitor que compra revista para ler novidades ou tendências.

    Você ainda é um grande consumidor de revistas como um dia já foi?

    Daniela: Não. Eu costumava comprar uma revista semanal de notícia e pelo menos uma concorrente de cada título, mas a concorrência hoje acontece no digital. A gente gasta um tempo muito grande em redes sociais, o que rouba um espaço que a gente tinha de leitura. Pessoalmente compro bem menos, ela tem que realmente falar comigo. Seguramente compro um terço da quantidade de revista que costumava comprar, por isso mesmo que acho que não haverá espaço pra todo mundo.

    Augusto: Como um dia já fui não até porque hoje, por incrível que pareça existem mais publicações de nicho de moda e arte do que jamais existiu e não tenho mais tanto espaço em casa para guardar tanta coisa. Mas o desejo de comprar muitas delas ainda tenho. Vou às minhas livrarias favoritas toda semana e fico horas folheando tudo e compro algumas delas

    Susana: Eu compro poucas revistas impressas e geralmente são títulos internacionais. Isso não significa que eu não tenha interesse em me informar sobre moda e acompanhar o que está rolando Já faz tempo que tenho assinaturas digitais dos meus títulos favoritos. Não temos o hábito de pagar para consumir conteúdo, mas o mundo está caminhando para isso e eu acho justo. Além de assinar alguns títulos mainstream, apoio veículos independentes e, na medida das minhas possibilidades, qualquer iniciativa que considero importante que continue existindo. Assinei o Nexo, o The Intercept, o BoF e contribuo mensalmente para o Teatro Oficina, porque quero que todos eles tenham vida longa. Gasto esse dinheiro com a consciência tranquila. Se eles acabarem, perdemos todos nós.

    Juliano: Não. A qualidade das revistas mensais caiu muito e o conteúdo das mesmas é disponível instantaneamente online, então deixei de consumir esses produtos. O que eu ainda consumo são revistas de moda e fotografia de nicho, em sua maioria européias, com entrevistas exclusivas, personalidades relevantes e interessantes, e qualidade editorial excelente. Eu compro revistas que tenham textos bons, me façam sonhar com imagens e sejam bem editadas ou impressas.

    Laura: Sem dúvidas que não. Gosto muito da experiência do print, de consumir ao longo dos dias. Então eu consumo, mas menos do que antes.

    Ana: Não consumo tanta revista quanto já consumi, ainda compro e leio muitas, mas principalmente as independentes.  A experiência de folhar e ler no físico não se compara pra mim. Sou uma fetichista do papel (risos).

    “Não temos o hábito de pagar para consumir conteúdo, mas o mundo está caminhando para isso e acho justo. Apoio veículos independentes e, na medida das minhas possibilidades, qualquer iniciativa que considero importante que continue existindo. Assino o Nexo, o The Intercept, o BoF e contribuo mensalmente para o Teatro Oficina, porque quero que todos eles tenham vida longa”, Susana Barbosa

    Renata: Sim! Na verdade, o que mudou foi o foco. Se antes de entrar completamente no digital, eu consumia revistas para ler as novidades quentes, atualmente, eu procuro veículos que apresentem pautas com mais profundidade e que trabalhem com maior grau de complexidade para surpreender os leitores. E gosto muito de revistas que sejam grossas, com um sem número de páginas para uma entrevista especial com uma pessoa interessante e misteriosa. Porque esse também é o movimento dos “personagens” da moda. Virar arroz de festa nos títulos e redes sociais deixou de ser legal. Quanto mais difícil de encontrar a participação de um estilista, por exemplo, em alguma revista, mais valiosa se torna a experiência.

    Cassia: Como já fui um dia não. Tenho coleções de anos de Dazed, i-D , The Face, e tudo que consegui comprar independente, fanzines etc… Digamos que continuo gostando do mesmo jeito, quando tenho oportunidade, sento numa café e passo horas e horas lendo revistas.

    O que você acha que o seu leitor espera da sua revista?

    Daniela: Cada marca tem um propósito. Em termos de Vogue, trazemos as novidades do universo do luxo. Nosso papel enquanto veículo é traduzir as mudanças que tem acontecido muito rápido. Ela ganha esse papel mais importante de tentar explicar uma era. Além de gerar desejo, inspirar e informar, tem um papel de contextualizar o que está acontecendo.

    Augusto: Ele espera da FFW o que sempre buscamos oferecer: um produto de qualidade, de conteúdo de alto nível, qualidade de impressão e ser surpreendido com um formato diferente do tradicional. Um papel especial, textos mais profundos e excelência em fotografia e imagem de moda. Jamais teríamos feito uma revista se não fosse para ser dessa forma.

    Susana: Temas relevantes, posicionamento, inovação, opinião. E acho que a relação de confiança com o leitor tem que ser sagrada.

    Juliano: Meus projetos não têm texto e são essencialmente fotográficos e meu objetivo sempre é fazer alguém sonhar sem cair na mesmice. São projetos longos e difíceis de serem executados, mas eu tento sempre trazer algo novo sem perder o DNA da publicação, seja no styling, fotografia, casting ou locação. Eu busco me desafiar a cada edição, e acho que o resultado desse desafio é o que as pessoas esperam da Made In Brazil.

    “Engajamento, visão contemporânea sobre a mulher. Tudo está alinhado com a complexidade de ser uma mulher hoje. Ela não é só ativista, não gosta só de moda nem de beleza. Fazemos uma curadoria com o viés dessas mulheres que nos interessam, com entrevistas e encontros entre autoras que estão pensando o mundo hoje”, Laura Ancona

    Ana: Acho que meu leitor espera um recorte imagético interessante do mundo dependendo do tema que a gente trabalha.

    Renata: Penso que ainda nos resta o papel de despertar desejo e o sentimento de descoberta. Não com desprendimento da realidade do nosso leitor e apenas com foco no consumo. Uma revista de moda sempre vai ter, de uma forma ou outra, a função de apresentar um produto, uma marca ou um personagem relacionado a ela. Mas acredito que o desejo está mais ligado à inspiração. Pode ser na forma estética, em uma história ou um estilo de vida. Cada veículo tem uma maneira própria de fazer isso. Outro ponto forte é a questão e humanização e aproximação do personagem. Hoje, não basta você ganhar títulos de alguém (seja lá filho, irmão, pai, etc, de alguém). Você precisa apresentar pessoas que sirvam de referência e que “façam acontecer” – diferente de décadas atrás, quando os veículos de moda eram uma espécie de escape, com foco no inalcançável e no fútil. 

    Cassia: Ver imagens bonitas. Mesmo com a grande variação do que pode ser bonito, procuro publicar imagens fortes e atemporais. Alem disso nosso leitor também espera o mínimo de engajamento, abertura e integração. 

    De quais formas o print pode engajar seus leitores que os seus canais digitais não podem?

    Daniela: Você eternizar e ser um veículo que você possa possuir. O digital você não segura. É uma cosa que ainda encanta, é uma sensação tátil de interagir que o digital não consegue.

    Augusto: O print é sobre permanência. Um texto ou um editorial de moda publicado em uma revista ficam, enquanto uma foto no instagram desaparece no scroll do feed em segundos e é esquecida no mesmo tempo. Quantas vezes vimos uma imagem no nosso feed e no dia seguinte queremos encontrá-la novamente e não conseguimos lembrar onde foi que a vimos? Ao mesmo tempo quantos de nós nunca nos esquecemos de grandes imagens de moda que vimos em boas revistas e que marcaram uma época? É outra relação com o conteúdo.

    Susana: Eu acho que não existe mais engajamento com o leitor sem passar pelo digital. A relevância do impresso só existe ainda por causa do digital. É nas redes sociais que estão todas as conversas. Um veículo que não participa disso está morto.

    Juliano: Impressos podem gerar notícias e discussões e podem inspirar ou influenciar de maneira diferente de um canal digital. O impresso passou a ser aspiracional. O público pode ser bastante específico e de nicho, o que pode ser extremamente útil para algumas marcas, e uma capa de revista bem feita ainda traz um retorno de mídia bastante grande. Ninguém comenta sobre a capa de um site, mas capa de revista ainda é algo importante e que traz um peso.

    Laura: Não acho que ele pode engajar mais. Acho que tudo anda junto, mas não acho que o print por si só engaje mais.

    “O print é sobre permanência. Um texto ou um editorial de moda publicado em uma revista ficam, enquanto uma foto no instagram desaparece no scroll do feed em segundos e é esquecida no mesmo tempo”, Augusto Mariotti

    Renata: A experiência do papel ainda é insubstituível. De uma certa forma, as pessoas estão mais dispostas a consumir informação em impresso quando elas se dedicam a isso. Ou seja, tratam como um momento especial, uma conexão de verdade com o que há no papel, em vez de serem apenas receptoras de pílulas superficiais do que acontece diariamente. Virar as páginas, admirar a arte, a imagem e pausar para ler um texto e deixar o celular no silencioso tem o seu valor. Por mais que o acesso à informação na internet seja mais fácil de ser compartilhada, acredito que a interação com a revista é quase um ritual. Você consegue se aproximar de uma foto bonita, bem impressa, com uma expressão forte e senti-la. Sinto que é como a relação entre amigos. É bom estar conectado diariamente com eles por mensagens no celular, mas, pessoalmente, é melhor e muito mais significativo. 

    Cassia: Acho os canais digitais algo mais instantâneo, muitas vezes o formato impresso representa um tempo de qualidade em que o leitor tem uma experiência sensorial.

    a wardour news que ficava no soho, em londres e fechou em 2018

    A Wardour News, que ficava no Soho, em Londres, e fechou as portas em 2018 / Reprodução

    Desde a invenção do impresso, as tecnologias de mídia tem se transformado continuamente, e o papel ainda continua existindo. O print nunca vai morrer?

    Daniela: Acho que não, pelo menos nos próximos 100 anos. Você vai reduzir, vai virar quase uma coisa vintage e livro e revista cada vez mais caberão na mesma caixinha.

    Augusto: Enquanto o papel e apaixonados por bom conteúdo, revistas e livros existirem o impresso estará aqui. Tenho visto mais e mais jovens produzindo revistas. Isso é um grande sinal de que até as gerações mais novas, apesar de terem nascido nesses tempos digitais, têm interesse no impresso quando ele é de fato um produto único e especial.

    Susana: Morrer acho que não, mas vai diminuir de tamanho. Isso já está acontecendo.

    Juliano: Não. Ele vai continuar se transformando e talvez se torne cada vez mais um artigo de luxo.

    “Penso na relação de vida do print de uma forma parecida com o vinil. Mesmo com a transformação da forma de ouvir música, que se tornou mais prática e fácil de incluir na rotina, ainda há aquele desejo por sentar no sofá e ouvir um som com reprodução de alta qualidade. O vinil se tornou algo valorizado e com um público segmentado de qualidade. E acredito que o movimento é o mesmo com o impresso”, Renata Brozina 

    Laura: Eu acredito que não. O espaço vai diminuir, mas fazemos jornalismo e entretenimento e as pessoas estão cada vez mais interessadas nisso. As plataformas vêm para somar, equalizando o tamanho do print, que já tem uma dimensão menor.  Mas principalmente títulos que tem uma preocupação de qualidade, editorial e de imagens, acredito que não vão acabar.

    Ana: Nunca vai morrer, do jeito que o vinil não morre, livros não morrem. Tem algo do físico que transforma a experiência. 

    Renata: Penso muito nesta relação de vida do print de uma forma parecida com o vinil. Mesmo com a transformação da forma de ouvir música, que se tornou mais prática e fácil de incluir na rotina, ainda há aquele desejo por sentar no sofá e ouvir um som com reprodução de alta qualidade. O vinil se tornou algo valorizado e com um público segmentado de qualidade. E acredito que o movimento é o mesmo com o impresso. Ainda mais que, para a geração Z, trata-se de uma novidade. Quem nasceu até o final da década de 1990, teve um contato obrigatório com livros, revistas, jornais e documentos no papel, e foi incluindo a experiência digital de uma forma evolutiva. Já quem nasceu após este período, não digo que não leu um livro, mas teve a presença da internet desde o início, sem muitas outras referências, dependendo da criação. Para estes jovens, comprar uma revista e ler uma matéria mais analítica e conviver com o impresso é uma vivência tão semelhante a de uma criança que nasceu em meio aos cds e descobriu o vinil mais tarde. Esses revivals sempre vão existir e manter essas relações vivas. Até porque, em meio a tantas questões de veracidade de informação, o impresso ainda carrega a ideia de apuração e segurança.

    Cassia: Só quando papel deixar de existir. Estamos numa fase em que o impresso e o analógico ocupam lugares nobres de novo.

    Como um título impresso se mantém relevante dentro dessa predominância do digital?

    Daniela: Você vai permanecer relevante enquanto marca e vai ver, enquanto marca, se o impresso é relevante pra você. Você vai estar concorrendo com grandes e a luta pela relevância não é do print, é uma luta da marca. Você precisa se perguntar: o impresso é um asset importante pro seu leitor?

    Augusto: Tendo conteúdo de qualidade, feito com extremo cuidado e pensamento. As pessoas não acreditam mais em qualquer coisa que uma revista diga ou tente convence-los de que é bom ou verdadeiro. Na busca pela sobrevivência, o mercado editorial deixou um pouco a verdade de lado para agradar os anunciantes. O jornalismo tem que ser preservado para que uma mídia, seja qual for o formato, tenha credibilidade e leitores realmente engajados.

    Susana: Acho que a ELLE Brasil foi um ótimo exemplo de como se manter relevante em um mundo cada vez mais digital. Nossas ideias partiam de uma capa impressa que ganhava o mundo pelas redes sociais. Ou seja, à partir do impresso (porque esse era formato principal e obrigatório já estabelecido), começávamos uma conversa ou propúnhamos uma reflexão sobre um tema, que ganhava forma e potência no digital. Com isso, construímos um engajamento altíssimo e uma relação de fidelidade com a nossa audiência. Sabíamos bem quem nos lia no digital e nosso público sabia bem o que esperar da ELLE. Foi graças à relevância e ao pioneirismo do que publicávamos que ganhamos tanta visibilidade, inclusive internacional. As capas da ELLE foram notícia em veículos importantes como o New York Times e o Refinery29.

    Juliano: Falando sobre assuntos relevantes, produzindo conteúdo exclusivo e de alta qualidade, e principalmente, sendo único e original. É importante conhecer seu público, não menosprezar sua inteligência e tentar sempre buscar algo novo a oferecer.

    Laura: Com informação de qualidade e engajamento. Ser um objeto mais perene é importante, principalmente para se adaptar ao que está acontecendo no mundo hoje. Não dá pra fazer o que se fazia há 10 anos e esperar resultado. Sempre temos que olhar ao redor, errando e acertando pra transformar o formato revista.

    Ana: Acho que as revistas precisam se posicionar como uma frente de mudança do status quo antigo, promover tolerância, inclusão, fomentar novas vozes, visões de mundo diversas. E trazer as discussões pertinentes que acontecem na internet para as páginas da revista – com contexto e vozes qualificadas.

    Renata: Com o que só ele pode mostrar. No caso, é o tipo de conteúdo, como ele é feito, qual é o estilo e qual propósito ele procura no mercado editorial. É importante que, independente da sua classificação entre as revistas, você procure sempre sair do comodismo e cavar oportunidades de surpreender o leitor. Sem dúvida, se isso acontece nas edições, ele vai desejar acompanhar a versão impressa com mais frequência. Você pode não ser o veículo número um em nível de popularidade, mas não é por isso que vá existir uma superficialidade e falta de interesse em apresentar conteúdos fortes. Quanto menor você é, mais desafiador é conseguir algo grande e mais incrível é a sensação quando você atinge essa expectativa. Até porque é fácil quando a Gisele [Bundchen] está ali disponível para você uma vez por ano (pelo menos) para fazer uma capa. É mais sobre o que esperar de cada título e não só como lidar com o digital. 

    Cassia: Acho que com menor periodicidade, com mais tempo e um conteúdo mais forte ele se mantém relevante, especial e colecionável.

    Você acha que o tom editorial ou direção tem mudado para se adaptar a era digital?

    Daniela: Cada revista tem a sua maneira, mas certamente se você não faz uma distinção clara de assuntos pra consumir no impresso e no digital, você vai canibalizar um ou outro. Antigamente a gente tinha uma coisa de dar o furo no impresso, hoje esse lugar é o do digital. Impresso é lugar da análise e do pensamento mais cuidadoso. O segredo pra ter a voz nos dois é decidir o que vai falar em cada plataforma pro leitor consumir você em todas elas.

    Augusto: Tentamos não nos vender aos números que o digital entrega. E continuamos produzindo conteúdos que realmente acreditamos serem relevantes para o nosso leitor. O resultado disso é que o FFW tem mantido uma ótima audiência que é extremamente engajada em todos os seus canais.

    Susana: Em 2015, quando fizemos a capa espelhada da Elle, aprendemos muito. Considero que tenha sido um divisor de águas. Recebemos um feedback tão avassalador da audiência através da #vocênacapa, que entendemos que à partir dali nada seria mais como antes. Para manter a coerência com o que estávamos propondo, mudamos nosso mindset, revimos nosso vocabulário e os conceitos que ajudávamos a disseminar. Nunca mais usamos alguns chavões e expressões comuns em revistas de moda. Nossa consciência foi se redobrando com o passar do tempo. Fomos a primeira revista de moda a propor pautas sobre diversidade, feminismo, gênero, inteligência artificial, sustentabilidade, para citar alguns temas. Quanto mais nos aprofundávamos nessas questões, mais nos sentíamos responsáveis. Mas ainda há muito a ser feito. 

    Juliano: Sim, e acho que ainda estamos explorando todas essas novas maneiras de produzir conteúdo e de adaptar esse conteúdo ao digital, seja através de matérias feitas exclusivamente para Instagram, videos, etc. Eu particularmente acho mais interessante quando o conteúdo impresso e o digital são complementares, mas não iguais, pois são duas experiências diferentes. Com essa corrida digital, acabamos produzindo um volume maior de conteúdo de baixa qualidade, e o que está começando a mudar é a percepção de que o conteúdo digital possa ter uma frequência menor mas ser mais bem produzido. O conteúdo não pode mais ser adaptado a era digital, ele precisa ser produzido desde o início com o digital em mente.

    Laura: Sem dúvida nenhuma. É preciso mudar. As transformações acontecem rapidamente. A Marie Claire sempre teve uma tiragem muito grande, sempre tinha estrelas de novela na capa e isso mudou completamente, hoje se consome muito menos novela, então damos muitas personalidades da música, escritoras, grandes pensadoras, filósofas.  Tivemos uma capa com Gal Costa, demos homens na capa, a Pabllo Vittar, que faz parte de uma discussão contemporânea. Ano passado tivemos recorde de vendas com a Mariana Weickert, que não é personagem de novela, mas veio contar as dificuldades dela de engravidar depois dos 35. A mesma coisa aconteceu quando demos a Amanda Costa com sua mulher, com a frase amor é amor.

    Ana: Tem tentado, com certeza. É um momento delicado porque ninguém sabe muito bem o que funciona ou por que funciona na era digital, como jogar com o impresso e o virtual (mas a Made In Brazil é um bom exemplo de um veículo que consegue transitar bem entre os dois formatos mantendo uma linha editorial clara).

    Renata: Sim! Acredito muito que a direção editorial precisou se adaptar de forma aliada e não exatamente como concorrente do digital. Os veículos precisam pensar de forma complementar e conseguir reunir o título de forma 360 graus. Você deve estar presente nas redes sociais, ter um site com conteúdo atualizado diariamente e, claro, tentar o máximo possível aproximar o conteúdo que está no impresso. Mas aí também é uma questão de propósito. Sabemos que nem sempre uma entrevista incrível que está disponibilizada em 10 páginas na revista terá o mesmo impacto no digital. Também é entender sobre adaptar conteúdos dentro da sua linha editorial que façam sentido, mas que não serão os mesmos necessariamente.

    Cassia: No nosso caso, ainda não, mas vamos saber melhor com a nova plataforma. Acho que o dois vão se mesclar, estamos experimentando ainda, estamos começando a ver como o digital vai se adaptar ao impresso.

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