Por Luiz Henrique Costa
A Mitologia é encorpada: Hulk, Homem-Aranha, Homem de Ferro, Thor, Capitão América, Doutor Estranho, Capitã Marvel, Pantera-Negra, Homem-formiga… São tantos os super-heróis, vilões, tramas, personagens secundários, viagens temporais em mundos que se convergem, crossovers, teorias, sub-enredos e sequências criadas pelo Universo Cinematográfico da Marvel (aka MCU) que é fácil dar um nó na nossa cabeça.
Embora cronologicamente não seja a primeira história da saga dos heróis dos quadrinhos, a largada do império que se tornou a Marvel foi dada pra valer em 2008 com o sucesso estrondoso de Homem de Ferro, estrelado por Robert Downey Jr, e inaugurando a primeira fase dos grandes lançamentos que viriam a seguir. Foi quando o Estúdio se deu conta pra valer da mina bilionária de recursos que eram por essência os seus personagens e a partir de então deram adeus às coproduções como eram realizadas até então em parceria com gigantes como a Fox, Sony e New Line.
Agora sozinha, além da total liberdade e controle criativo sobre o conteúdo do que seria produzido, a Marvel apostava e conseguiu, em pouco mais de uma década, a marca impressionante de quase três bilhões de dólares de bilheteria em Vingadores: Ultimato. Somando-se à quantia os inúmeros licenciamentos dos personagens que vão de vestuário, roupas de cama, material escolar, jogos e até aquela decoração de aniversário do filho da sua amiga que você vai meio contrariado, o faturamento do grupo vai à Lua. É um fenômeno.
Fenômeno esse obviamente que rende muito, muito dinheiro, e que no meio do processo ainda foi adquirido por ninguém menos do que pela Disney.
Marvel-mania
E sejamos justos: A Marvel-mania e os seus consecutivos sucessos comerciais renderam trabalhos realmente primorosos como Pantera Negra e Capitão América: Guerra Civil consagrando o estúdio como protagonista importante para o cinema da atualidade e no mesmo nível da concorrente e até então unanimidade no segmento, a DC, que já tinha alcançado outro patamar em filmes de super-heróis com a sua trilogia de Batman dirigida pelo Cristopher Nolan e o inesquecível clássico Superman de 1979, com o Christopher Reeves de topete e voando pelos ares, erguendo um helicóptero com o dedo mindinho ao som da trilha eternizada do mestre dos mestres John Willians.
Eis que em 2021, com certo atraso devido à pandemia, a Marvel sobe mais um degrau importante na sua trajetória: a aguardada quarta fase dos seus lançamentos, começando com uma série de nove episódios para TV: Wandavision.
A boa notícia é que se você não é íntimo das reviravoltas dos super-heróis Marvel pode acompanhar a série tranquilamente e se divertir da mesma forma. Bem, talvez para um grande entendedor desse universo, alguns easter eggs e referências enriqueçam a experiência, mas nada que prejudique o entendimento da história. Em seu desfecho a série caminha para ganchos de continuação que irão certamente se desenrolar no cinema nos próximos anos e miram muito em seduzir ainda mais um público já entusiasta e da cultura geek.
E se o final não é uma unanimidade ao menos está sendo muito comentado.
Dirigida por Matt Shakman, Wandavision se baseia no casal de super-heróis Wanda/Feiticeira Escarlate (Elizabeth Olsen) e Visão (Paul Bettany), tentando se camuflar vivendo uma rotina pacata e dentro do possível comum em um subúrbio de classe média em New Jersey, semanas após os acontecimentos do último filme dos Vingadores. Ela é uma feiticeira com poder de manipular a realidade e ele é uma espécie de máquina. É difícil falar sobre os dois sem entregar muito ou soltar algum spoiler, mas a chave do entendimento da série você deve sacar logo no início e envolve os poderes de Wanda e a sua reação trágica diante de certos acontecimentos. A química entre os dois atores é notável e o elenco ainda conta com ótimas atuações de Kathryn Hahn e da Teyonah Parris.
Os episódios
No primeiro episódio, roteirizado por Jac Schaeffer, são óbvias as referências e homenagens aos sitcoms clássicos da década de 1950 como I Love Lucy e The Dick Van Dyke Show, muito centralizadas na rotina doméstica de um novo estilo de vida americano na época e que também funcionam como mãezonas de diversas series modernas, contadas com estrutura de episódios curtinhos e amarrados. Gravado em PB em formato 4:3, com efeitos propositalmente amadores e risadas exageradas da plateia, Wandavision tem uma rica pesquisa de figurino, make-up, caracterização, produção de objetos e cenografia, além do gestual dos personagens que é impecável.
O segundo episódio flerta com outra simpática homenagem de uma das séries mais queridas de todos os tempos, A Feiticeira, protagonizada pela engraçadíssima Elizabeth Montgomery. Não à toa, o casal protagonista da série se parece muito com os casais em que se inspira. Wanda tem mais desenvoltura e usa de diversas artimanhas para consertar pequenas falhas que podem bagunçar a ordem do dia e Visão está sempre um passo atrás da esposa. Conforme avança pela década de 1970, já no terceiro episódio e a cores, tal como aconteceu de fato na TV, vemos referências de Mork & Mindy, a série que apresentou um jovem estreante Robbin Willians e The Brady Bunch, que talvez seja mais reconhecível para o público no Brasil. Já nos anos 1980 passamos por todo o exagero multicolorido e over da década com uma das homenagens sendo a série que lançou as ainda criancinhas gêmeas e futuras high-fashionistas, Mary-Kate e Ashley Olsen, de Três é demais.
Chegando aos últimos episódios, a série vai de encontro a trabalhos mais recentes da TV, como Modern Family e The Office, que tem como uma das características principais personagens mais comuns fazendo desabafos no estilo divã sobre o cotidiano e diretamente para a câmera, no episódio intitulado “Derrubando a quarta parede”. Sem dúvida divertidos, mas talvez pela proximidade mais imediata com os dias de hoje e com uma agitação mais fantástica exigida para o desfecho, sejam os episódios menos interessantes da série.
Wandavision conta a história de um casal inusitado e a mistura improvável entre as clássicas sitcoms e o Universo de personagens da Marvel, que, somando-se ao trabalho minucioso de pesquisa da figurinista mexicana Mayes C.Rubio, recentemente indicada ao Oscar por Jojo Rabitt, tornam a série uma curiosa aula de história da moda e da TV dos anos 50 até a atualidade e um programa irresistível para os fãs de super-heróis ávidos por novas aventuras. No Brasil a serie está disponível na Disney+.