Chegamos ao fim das temporada de moda masculina e, em meio a crop-tops e shorts super curtos, podemos ver uma clara linha evolutiva na moda nos últimos tempos. O vestuário masculino já acena para o genderbending, produzindo roupas e comprimentos tradicionalmente caracterizados como femininos para o público masculino há algum tempo. No ano passado, começamos a ver as primeiras marcas, mais alternativas e focadas no público LGBTQIA+ apresentarem coleções deste tipo, questionando os padrões de gênero na moda, tome como exemplo a Palomo Spain, LAZOSCHMIDL, e Ludovic Saint-Sernin, que apresentaram coleções na temporada de moda masculina do ano passado que já sinalizavam para esse movimento.
Nessa temporada, isso aconteceu com mais intensidade, as blusas croppeds, mini-shorts e inclusive short-saias começaram a ocupar as passarelas dos desfiles masculinos de algumas das maiores maisons europeias.
A TEMPORADA DE MENSWEAR 22
Os croppeds para o público masculino deram o tom da passarela do Menswear 22 da Fendi, em diversas variações e modelos, de blazers e casacos cortados ao meio a tops, já na Prada, a vibe praiana dá lugar a shorts e short-saias com comprimento mini, tamanho que era bastante usado nos anos 70 e peças com decotes quadrados, também na passarela do masculino.
Na Alled-Martinez, o homem de cropped justo e short esportivo de comprimento curto e cintura mais alta, é a clara imagem do homem do final dos anos 70 e 80, uma imagem ainda masculinizada, mas com peças e comprimentos que não víamos nas principais passarelas da moda masculina há bastante tempo.
Não é novidade nenhuma que as gigantes do luxo estão focadas em conquistar as novas gerações, desde a coleção inspirada no TikTok “The Dancing Boy” até os croppeds e saias para o público masculino desfiladas recentemente. Isto é, porque A Geração Z é conhecida por sua irreverência e naturalidade para brincar com os conceitos tradicionais de gênero, além de um conforto invejável com sua sexualidade e identidade.
Então, ao criar cropped-tops, mini-saias, vestidos e corsets para o público masculino, as maisons de luxo estão de olho no pote de ouro do engajamento ao fim do arco-íris – que pode ser o TikTok, ou mesmo o Instagram. A ideia da “inclusão e representatividade digital”, tão em pauta atualmente, rende likes, visibilidade e engajamento e essas marcas, sempre em busca da manutenção de seus status, estão cientes disso e parecem ter encontrado o caminho para esse engajamento, com o resgate da cultura drag e a ideia de um cross-dressing 2.0.
Você pode se perguntar: se homens usavam croppeds e shorts-curtos e essa moda parece voltar hoje, o que aconteceu no meio do caminho?
UM OLHAR PARA A HISTÓRIA
Durante a década de 80, ocorreu a epidemia do vírus do HIV e da AIDS que foi preconceituosamente associado ao público LBGTQIA+, em especial, homens gays afeminados e pessoas trans marginalizadas. Com essa onda de preconceito que assolou o mundo todo na época, surgiu a “necessidade” de diferenciar os homens heterossexuais e normativos dos gays, de forma curta e grossa, que não queriam ser associados ao vírus do HIV e da comunidade. A moda, o comprimento dos shorts e os croppeds, que já na época acenavam para uma imagem masculina menos normativa, foram usados como essas ferramentas de diferenciação e se tornaram reprovados pela masculinidade da época. (A pesquisa é de Gisele Tronquini, para o blog Repete Roupa).
Além disso, não tem como falar de questionar a normatividade e o gênero na moda, sem falar sobre a cultura drag e o Ballroom. A cultura do Ballroom e do Voguing, bastante retratada no documentário Paris Is Burning (1991) e mais recentemente na série Pose (2019) e no reality-show Legendary (2020) diz respeito à vivência de grupos LGBTQIA+ marginalizados, principalmente pessoas transexuais, travestis e drag queens, em sua maioria de negros e latinos que frequentavam os Bailes dos anos 90 em NY. Esses bailes eram como espaços em que essas pessoas poderiam finalmente ser livres para celebrarem a vida e arte, através da dança e da montação. Sem dinheiro para comprar as roupas, em sua maioria, essas pessoas costuravam e confeccionavam suas próprias, que sem esforço, questionavam as normas de gênero vigentes na moda e alimentavam a cultura drag e o cross-dressing.
nem tão revolucionário assim
Como você pode ter percebido, falar de moda agênero ou de questionar os padrões de gênero na moda é, necessariamente, falar sobre o movimento LGBTQIA+, historicamente protagonizado por pessoas marginalizadas, pessoas pretas e latinoamericanas. Portanto, quando olhamos para as passarelas e vemos homens, em sua maioria esmagadora brancos, bastante heteronormativos, corpos magros e sarados pode-se haver um problema. Enquanto por um lado, parece uma conquista ver cada vez menos distinção de gênero nas passarelas das grandes maisons, talvez não exista muito o que comemorar quando homens brancos e heteronormativos possam usar croppeds, saias e mini-shorts e pessoas queer e racializadas continuam sendo historicamente rechaçados por fazê-lo – há muito mais tempo.
Enquanto os desfiles de diversas marcas batem recorde de modelos – femininas – plus-size e vemos um movimento de integração de diferentes corpos e raças – que, felizmente, já não aparecem tampados ou escondidos mais – a moda masculina, em sua maioria, ainda parece presa aos estereótipos normativos do homem branco, magro e masculinizado, mesmo que agora ele use cropped e pinte as unhas.