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    O mercado de segunda mão pode salvar a moda?

    Exploramos o novo panorama do mercado de compra e revenda de roupas usadas com os principais players do mercado nacional

    O mercado de segunda mão pode salvar a moda?

    Exploramos o novo panorama do mercado de compra e revenda de roupas usadas com os principais players do mercado nacional

    POR Luxas Assunção

    As falas e promessas sobre o potencial do mercado de segunda mão ser um futuro para o consumo de moda sustentável tem se tornado mais e mais frequentes. No entanto, o que antes parecia apenas uma tendência ou possibilidade tem se tornado uma realidade cada vez mais próxima e tangível, com um grande aumento do market share do mercado de segunda mão e projeções ainda mais promissoras e o surgimento de mais startups com foco nesse segmento do varejo de moda. 

    Segundo o Sebrae, o comércio de produtos usados ou de segunda mão cresceu 48,5% do ano passado para esse ano e mais de duas mil novas empresas desse segmento surgiram – não limitado à moda. Esse dado, no entanto, não deve ser romantizado: segundo estudos, parte do aumento do comércio de segunda mão, não se deve apenas à uma tomada de consciência do consumidor, mas também às árduas condições econômicas e dificuldades financeiras que grande parte da população do Brasil vêm enfrentando com a crise econômica agravada pela pandemia.  

    A digitalização também foi um passo importante para a popularização do mercado de segunda mão, com o crescimento das plataformas digitais de compra e revenda, como o pioneiro Enjoei.com.

    Além de as pessoas passarem a consumir mais online, por conta do isolamento social, houve uma busca ainda maior por preços mais baixos, mais baratos. A questão econômica é o principal acelerador para esse impacto. Todo mundo quer pagar menos. Como consequência, as pessoas também têm repensado mais sobre a própria forma de consumir. Estar mais em casa trouxe também a possibilidade de rever o que se tem, do que pode ser mantido ou do que poderia ser passado adiante por falta de uso e, principalmente: ter nisso um complemento ou uma nova fonte de renda.” conta Ana Luiza McLaren, cofundadora do Enjoei, uma das principais plataformas de compra e revenda de roupas no país. 

    Ana Luiza McLaren, Enjoei / Foto: Germano Lüders

    Ana Luiza McLaren, Enjoei / Foto: Germano Lüders

    A realidade é que a pandemia fez a sociedade refletir muito sobre o consumo consciente. Em todos os sentidos. Nunca se vendeu tanta bicicleta na história. O número de pessoas que optam por alimentação mais saudável e não processada aumentou exponencialmente. E com a moda não é diferente. Saber que o mundo pode mudar de uma hora para a outra nos obriga a essa reflexão.” afirma Natalia Hohagen, nome à frente do Roupartilhar.

    Natalia Hohagen / Divulgação

    Natalia Hohagen / Divulgação

    Dados e projeções

    Em 2019, o mercado de segunda mão cresceu até 21 vezes mais rápido no mundo que o mercado de vestuário no geral e hoje, ele cresce 11 vezes mais rápido que o setor. E espera-se que nos Estados Unidos, o mercado de segunda mão triplique de valor nos próximos 10 anos e atinja o dobro do tamanho do fast fashion até 2030, segundo um relatório do ThredUp. Os dados também sugerem que o mercado de revenda está crescendo a passos mais largos que o mercado de ‘moda sustentável’ – um conceito que tem cada vez mais gerado questionamentos. 

    As fundadoras do Peguei Bode, plataforma de peças de segunda mão, apostam no second hand por uma mudança visível e qualitativa de mercado, segundo suas consumidoras: “Quando começamos o negócio, as pessoas não entendiam por que você venderia algo, ou compraria algo usado, falavam que não estavam precisando de dinheiro, ou que peças usadas eram sinônimos de energia ruim, peças com cheiro e furadas. Temos 10 anos de mercado e hoje a cabeça das pessoas é completamente diferente, desde uma menina de 18 anos que está comprando a sua primeira bolsa de marca, até uma mulher de 60 anos, que não vê a necessidade de ter tudo aquilo no armário parado, e que ainda quer renovar as peças.”

    Dani e Gabi Carvalho, do Peguei Bode | Divulgação

    Dani e Gabi Carvalho, do Peguei Bode | Divulgação

    No entanto, assim como o mercado de vestuário no geral, existem diferenças entre os diversos players e consumidores do mercado de segunda mão. 

    ECONOMIA CIRCULAR E SUSTENTABILIDADE

    Esse setor é, possivelmente, o que mais foi impactado por uma tomada de consciência ambiental em relação à poluição, consumismo e geração de lixo pela indústria da moda. Tanto esse consumidor quanto às marcas que apostam nesse nicho estão interessadas em fazer com que as peças girem, aumentando sua vida útil, gerando menos lixo e criando negócios sustentáveis. 

    Por vezes, esse consumidor apenas compra de segunda mão, também revende ou doa suas peças e está interessado em novas plataformas de revenda, para que consiga também fazer girar seu armário – muitas vezes, um armário cápsula. Marcas como o Roupartilhar investem, principalmente, nesse nicho. O projeto, que surgiu como uma plataforma de compra e venda de peças como uma iniciativa social, com lucro revertido para causas, hoje tem sua própria plataforma de consumo. 

    O CONSUMIDOR VINTAGE

    Outro consumidor importante no crescimento do mercado de segunda mão, é o típico consumidor de brechó e bazares, que opta pelas peças usadas pela facilidade de encontrar looks vintage e retrôs. Alguns dos nomes referência nesse mercado incluem o brechó B.Luxo, famoso por sua curadoria de itens ultra-vintage garimpados em diversos países. 

    Esse tipo de consumo também têm motivado muito as novas gerações, que buscam encontrar peças de décadas passadas, como dos anos 90 e 2000 nos brechós e bazares de segunda mão. Uma trend no TikTok, com o áudio ‘get in loser we’re going thrift shopping’ (entre aí, perdedora, vamos comprar em brechó), uma paródia do meme de Regina George, de Meninas Malvadas, engajou centenas de jovens a mostrarem suas compras e buscas em brechós e bazares.

    Foto de @ashantibunton em seu Thrift Haul | Reprodução Instagram

    Foto de @ashantibunton em seu Thrift Haul | Reprodução Instagram

    LUXO DE SEGUNDA MÃO

    Já o consumidor de luxo de segunda mão é um consumidor bastante específico e se divide entre duas vertentes. Uma delas é composta por consumidores que têm interesse e apreço por peças de luxo e labels mas que não estão dispostos a pagar os altos valores em peças de luxo, ou desejam itens exclusivos que já não são facilmente encontrados. Nomes como o Peguei Bode, Etiqueta Única e o Brechó Seff – brechó super exclusivo de luxo no Instagram – são grandes players desse ramo no mercado nacional. 

    Reprodução The Teen Entrepeneur

    Reprodução The Teen Entrepeneur

    Do outro lado, a prática também é gigante no mercado de sneakers, onde, por virtude da exclusividade, os tênis e calçados revendidos podem chegar a preços exorbitantemente mais altos que os preços oficiais. Esse mercado é tão significativo, que pode chegar a valer 30 bilhões de doláres até 2030, ao passo que o mercado de calçados no geral, gira em torno de 200 bilhões de dólares. No Brasil não faltam plataformas focadas no mercado de sneakers e streetwear como a Pinneaple Co., The Game Collective e Droper. 

    O NOVO PANORAMA DO MERCADO

    Mas esse mercado não para por aí e as grandes marcas já entenderam que a revenda é um caminho sem volta e uma alternativa positiva para os negócios. A carioca Farm tem uma página exclusiva na plataforma Enjoei, onde incentiva a compra e venda de peças de segunda mão da própria marca. Recentemente, Stella McCartney, Burberry e Gucci fizeram uma parceria com a The Real Real, para incentivar o consumo e venda de peças de suas marcas. Lá fora, o Depop, plataforma de compra e venda de peças de segunda mão, na maioria das vezes, customizadas ou remixadas, também teve um crescimento exponencial no ano passado, com a febre do DIY e do upcycling, muito catapultada pelo Tiktok, e não parece que será parada. 

    Dudu Bertholini e Luanna Toniolo, da TROC | Divulgação

    Dudu Bertholini e Luanna Toniolo, da TROC | Divulgação

    Por sua vez, o grupo Arezzo&Co. recentemente adquiriu a plataforma Troc e anunciou o estilista Dudu Bertholini, fã declarado de vintage, como seu novo diretor criativo. “O mercado de revenda, associado a grandes grupos de moda, conseguem estruturar a economia circular antes tida como muito complexa. Dessa forma, grandes varejistas nacionais têm se associado à empresas de second hand, como foi o caso da Arezzo com a Troc. Hoje o grupo Arezzo&CO tem a Troc como uma grande aliada na logística reversa de seus produtos, como um selo verde, contribuindo muito para a agenda ESG muito em evidência hoje em dia é cobrado por steakholders de diversos setores.” afirmam Dudu Bertholini e Luanna Toniolo, cofundadora da Troc. 

    Natalia Hohagen, do Roupartilhar, reitera, sobre os impactos positivos do mercado de segunda mão: “Aos poucos a noção da moda de estação vem sendo duramente criticada. Não só pelo grande impacto ambiental que gera traduzindo peças em ‘obsoletas’ e ‘so last season’ em apenas seis meses, mas pelo questionamento da forma como as coleções são tratadas e o que isso gera em toda a cadeia produtiva. O resale traz a possibilidade da democratização da moda, sendo mais acessível, e mais próxima de consumidores de diferentes recortes sociais.

    OS DESAFIOS DO MERCADO DE RESALE

    Apesar do panorama de crescimento bastante otimista para os próximos anos, o mercado de revenda também enfrenta seus próprios desafios a serem superados. Perguntamos aos nossos entrevistados quais são as principais dificuldades para o segmento.

    Ana Luiza McLaren, do Enjoei: Ainda existem conceitos antigos sobre comprar peças de segunda mão, com a visão daquele brechó empoeirado etc. ou peças de qualidade duvidosa, com funcionamento comprometido. O desafio é construir uma nova visão de mercado pautada em oportunidade, qualidade, acesso e experiência. E inteligência. A experiencia que o Enjoei proporciona aos usuários é alegre, divertida, e faz com que a turma se sinta encorajada a experimentar uma nova forma de consumo: a de usados.”  

    Natalia Hohagen, do Roupartilhar: “(As maiores dificuldades são) credibilidade, qualidade e autenticidade. É um mercado em expansão, e apesar de maior aceitação por parte das novas gerações, ainda encontramos um certo preconceito. Faz parte da nossa missão educar o mercado, e mostrar que pode sim ser ainda mais legal comprar algo que já foi pré-amado por outra pessoa.”

    Dani e Gabriela Carvalho, do Peguei Bode: “Quando iniciamos, o principal objetivo era desmistificar o fato de que o second hand seria uma prática de pessoas com dificuldades financeiras ou em busca de baixa qualidade. Essa cultura está sendo bem trabalhada na Troc. Hoje as pessoas começam a entender que o nosso diferencial é a qualidade e isso também acaba abrindo portas para dar visibilidade para outros brechós. Oferecemos uma experiência de compra e-commerce incrível e isso faz toda a diferença. Mas sim, ainda há uma barreira que precisa ser muito trabalhada para que o consumo de second hand seja um mainstream.”

    Dudu Bertholini e Luanna Toniolo, da Troc: “Quando iniciamos, o principal objetivo era desmistificar o fato de que o second hand seria uma prática de pessoas com dificuldades financeiras ou em busca de baixa qualidade. Essa cultura está sendo bem trabalhada na TROC. Hoje as pessoas começam a entender que o nosso diferencial é a qualidade e isso também acaba abrindo portas para dar visibilidade para outros brechós. Oferecemos uma experiência de compra e-commerce incrível e isso faz toda a diferença. Mas sim, ainda há uma barreira que precisa ser muito trabalhada para que o consumo de second hand seja um mainstream”

    Além dessas dificuldades, o mercado de segunda mão ainda enfrenta o desafio da pouca disponibilidade e variedade de peças. Enquanto, por um lado, isso traz os benefícios da exclusividade, também diminui as opções de peças para pessoas com corpos fora do padrão, que têm dificuldade de encontrar peças para seus corpos nos brechós, bazares e plataformas de secondhand e acabam buscando opções de variedade no fast-fashion

    E a diversidade de tamanhos?

    Dudu Bertholini é otimista sobre isso e acredita que com o crescimento da demanda de peças plus siz nos últimos anos, em pouco tempo a oferta destes tamanhos também deve aumentar significativamente no mercado de segunda mão

    “O mercado plus está crescendo e se diversificando cada vez mais nos últimos anos, oferecendo uma variedade muito maior de estilos, shapes e estampas – e essa mudança está acontecendo por exigência das próprias pessoas e consumidoras por mais representatividade.” afirma Dudu. 

    Natalia, do Roupartilhar, concorda: “Acredito que à medida que a moda circular desponte como uma das principais formas de comercialização de moda, essa escala aumentará significativamente e com isso a possibilidade de acesso a numeração fique muito mais fácil. É um processo que está no início, mas tem tudo para ser extremamente relevante, não importa seu número.” 

    O impacto do delivery

    Por último, mas não menos importante, os envios, transporte e embalagens usadas na logística das peças de segunda mão também tem levantado importantes questionamentos para o futuro sustentável do seguimento. 

    Atualmente compensamos todo o CO2 que produzimos com toda nossa produção de embalagens, e temos um projeto que visa transformar a logística do Roupartilhar em 100% consciente, usando meios de transportes mais sustentáveis sempre que possível. Mas acredito que essa é uma discussão que vai muito além da moda.” afirma Natalia Hohagen, sobre o Roupartilhar: “Depende de políticas públicas de incentivo ao transporte verde, assim como acontece em países mais desenvolvidos. Na Europa, por exemplo, muitos países colocaram como meta que até 2025 mais carros elétricos deveriam ser vendidos do que os de combustíveis fósseis.” continua. 

    Com tudo isso, o mercado de resale promete ultrapassar o fast-fashion em menos de dez anos. Se atentar a essas questões, principalmente, à demanda das consumidoras plus-size, é um passo importante para atingir consumidores que recorrem ao fast-fashion por falta de opção. Por outro lado, o preço também é algo a se atentar, se a ideia é que a revenda de produtos seja tão popular quanto as lojas de departamento, bem como o incentivo à revenda de peças pelos clientes, para gerar uma economia cada vez mais colaborativa e circular. 

     

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