A FANG, marca queer do designer chinês Fang Guo que surgiu em abril deste ano, já está na sua segunda coleção, a The Debut, lançada recentemente. A etiqueta começou a chamar atenção assim que criada, por seus designs que questionam as definições de masculino e ampliam a gama de produções e silhuetas que estamos acostumados nas peças masculinas.
A marca iniciou sua jornada criando peças típicas do armário masculino, como regatas e tank-tops com reinterpretações subversivas: variações nas alças, formatos e recortes, e inserindo detalhes como lacinhos, que questionam a história hipermasculinizada da peça. Esses designs que logo conquistaram boa parte da clientela que buscava as mesmas peças que Fang. Agora, ainda em sua segunda coleção e alguma projeção, a marca expande seu mix de produtos com blusas, camisas, cardigans, uma jaqueta de couro com brilhos e adentra o mundo do underwear masculino.
Nessa coleção, Fang Guo questiona os estereótipos dentro da comunidade queer, principalmente direcionados aos asiáticos, algo que é parte de sua realidade como um imigrante. Guo nasceu e cresceu em Pequim, até se mudar para São Francisco, na Califórnia, para estudar moda. Hoje, o designer ficou raízes em NY, onde fundou sua marca.
Fang, Divulgação. Vídeo por Bryan Berrios
Em entrevista, conversamos com Fang Guo sobre a criação da marca, moda queer, e sua visão sobre gênero e LGBTQIAFobia dentro da moda.
Nos fale um pouco sobre a criação da marca, o que te despertou a ontade de criar a FANG?
Lançamos a FANG em abril deste ano com nossa coleção primavera-verão e acabamos de lançar nossa coleção outono-inverno há um mês. Criei a marca porque estava frustrado com a falta de diversidade das roupas masculinas. Sempre que fazia compras no Departamento Masculino, que geralmente é um ambiente com meia-luz em porões ou no último andar de lojas de departamentos, nunca conseguia encontrar o que realmente estava procurando. O que foi e ainda é oferecido para os homens ainda é muito oversized, mal-ajustado, esportivo ou algo mais restritivo como ternos. Então, eu só queria usar a FANG como um veículo para ampliar o leque da moda masculina e mudar a perspectiva das pessoas sobre o que deve ser considerado moda masculina, usando cortes, materiais e cores não convencionais.
Quero usar a FANG para mudar a percepção de como os homens são vistos e como olhamos para nós mesmos; acho que os homens em geral não se sentem tão confortáveis ou em sintonia com nossos corpos. É quase como se: “você não tem um tanquinho, por que está vestindo algo que não agrada seu corpo?”, e eu queria mudar isso e deixar os homens mais confortáveis consigo, mesmo que não sejam do tamanho de um modelo.
Portanto, roupas sem gênero são algo muito questionado. Como você vê a criação de roupas sem gênero versus quebrar as barreiras de gênero na moda?
Essa separação entre roupas masculinas e femininas nunca será totalmente extinta, mesmo porque há diferenças anatômicas nos corpos. Mas muitas marcas quando abordam roupas sem gênero, elas vão automaticamente criar capas e roupas oversized, que todos podem usar, então é ‘sem gênero’. Do ponto de vista do marketing, acho que ainda estou definindo isso para mim, mas gosto de encorajar todos a usar minhas roupas. Ao mesmo tempo, gosto de criar algo que faça sentido para a roupa masculina e não seja necessariamente visto como ‘crossdressing’. Como talvez não ter pessoas usando vestidos o tempo todo, mas sim criar uma silhueta de roupa masculina que ainda é muito extravagante e romântica.
Notoriamente, a FANG se autodenomina uma marca Queer e temos visto uma nova onda de marcas que estão liderando esse movimento. Como você vê a necessidade de marcas queer e como exatamente você definiria o que é ser uma marca queer?
Em termos de como eu defino as marcas queer, elas devem ser inclusivas, mas ao mesmo tempo ter um ponto de vista único e não convencional, o que significa que as marcas queer representam valores, expectativas e estéticas não convencionais. Elas mudam a forma como as pessoas vêem as coisas e o que as pessoas ainda estão acostumadas por causa da lavagem cerebral feita pela sociedade heteronormativa. As marcas queer devem ser para todos, se quiserem.
Como isso é diferente ou necessário em comparação com outras marcas?
Criar uma estética pouco convencional, por exemplo, colocar um lacinho em um top masculino, o que é de alguma forma inesperado. O que é essencial para uma marca queer é que ela realmente precisa representar algo, uma comunidade de pessoas. Com a mídia social, temos muito mais acesso para estar em uma comunidade de nicho, como agora existem muitos locais queer que podemos entrar e fazer parte.
Diversidade é obviamente um assunto caro para vocês. Porém, sendo homens gays, às vezes ainda nos sentimos atraídos pela imagem do homem hiper-masculino, branco, cisgênero, que parece ser algo que estamos vendo ainda mais na moda agora, mesmo entre as novas marcas. Como você vê isso e como você se esforça para criar ou mostrar diversidade real e verdadeira em suas campanhas e no FANG?
Infelizmente, estamos todos suscetíveis a cair nesse tipo de comportamento e imagem hiper-masculina, porque é muito atraente e os algoritmos das mídias sociais de alguma forma favorecem muito isso. A hipermasculinidade sempre existirá e algumas pessoas sempre serão atraídas por essa estética e a mentalidade por trás disso, mas não vejo porque um pouco de fluidez e extravagância não podem coexistir com isso. Acho que existem camadas diferentes para cada um de nós, e acho muito bom ver pessoas que podem ir de uma para outra.
Tento usar minhas campanhas para desafiar esses estereótipos e dizer às pessoas que todos, especialmente as minorias, não são apenas um tipo único e que não devemos apenas julgar as pessoas com base em sua aparência. Na próxima temporada, planejamos incluir modelos maiores para promover ainda mais a diversidade e inclusão, e também com a FANG estou sempre trabalhando com um perfil diverso de influenciadores dentro da comunidade demográfica e geograficamente e, claro, com diferentes tipos de corpo para que todos se sintam que estão incluídos e representados.
Você já teve que lidar com algum tipo de preconceito ou LGBTQIAfobia em relação à marca?
Sim, claro! (risos) Na verdade muito, especialmente no Facebook. No Instagram não tanto, mas o Facebook tem uma demografia muito específica. Nós, pessoalmente, não usamos muito a rede, mas fazemos publicidade nele e no Instagram, então às vezes isso atinge pessoas aleatórias e eu recebo muitos comentários de ódio. As pessoas comentavam “Deveria ser FANG sem o N, que seria FAG [xingamento homofóbico em inglês, algo como ‘viado’]”. Nós realmente vivemos em uma bolha e às vezes esquecemos que a LGBTQIAfobia existe e achamos que as pessoas têm a mente aberta, mas ainda é uma coisa muito real. Só penso de onde está vindo isso, estamos apenas criando roupas, por que as pessoas estão projetando tanto ódio? Portanto, é uma situação lamentável, mas espero que melhore logo, é um processo gradual.
Às vezes damos um passo para frente e dois para trás, especialmente nos Estados Unidos com o último governo, muitas coisas ruins saíram disso. E isso também serviu para que as pessoas percebessem a importância da diversidade.