Há muito tempo, os desfiles deixaram de ser um espaço para insiders da indústria da moda focados na imprensa e compradores e passaram a ser espetáculos transmitidos em tempo real para o mundo. O desfile como espetáculo, que vai além das roupas, viveu seu apogeu com os desfiles-show da Victoria’s Secret durante os anos 2000 (o último aconteceu em 2018), transmitidos pela TV aberta, possibilitando acesso a todos os fãs de moda e celebridades. Na última segunda-feira (14/08), o formato foi revivido para o lançamento da marca Gyka, da influenciadora Gessica Kayane (Gkay). A influenciadora acumula mais de 35 milhões de seguidores em suas redes sociais, quase 20 milhões apenas no Instagram. No ano passado, seu nome passou dias nos Trending Topics durante seu evento anual de aniversário, a Farofa da Gkay, que nos dava um gostinho do que viria por aí.
Gkay anunciou o lançamento de sua marca de moda há 6 dias, em sua conta no Instagram. A criação de marcas de moda por influenciadores e celebridades não é nenhuma novidade, o que chama atenção aqui foi o evento de lançamento da Gyka, um verdadeiro espetáculo midiático e uma celebração da influencer culture.
No mesmo formato dos desfiles da Victoria’s Secret, o popstar do momento Pedro Sampaio se apresentou na passarela da Gyka, enquanto as modelos e personalidades desfilavam os looks da nova marca. Mas diferente da Victoria’s Secret, que foi cancelada pelo padrão de seu casting de supermodels magras e altas, Gkay entendeu o recado, e fez uma das passarelas mais diversas que temos notícia nos últimos tempos na moda nacional. Além das modelos, diversas em tamanho, identidades de gênero e raça, uma extensa seleção de influenciadores diversos e TikTokers também agraciou a passarela: Pequena Lo, Ve Collen, Rafael Uccman, Letticia Muniz, o fenômeno do TikTok Vanessa Lopes e claro, a própria Gkay abrindo o show, em mais uma tremenda jogada de marketing que tem tudo para se tornar um dos desfiles mais vistos e comentados de todos os tempos.
Essa questão não nos deixa questionar sobre a diversidade nas passarelas da “Alta-Moda”, que há anos caminha a passos lentos e é tomada de supetão com uma influenciadora apresentando uma passarela super diversa, com tremendo apoio popular e impacto midiático nas redes sociais.
Na Farofa da Gkay, a acessibilidade e diversidade do evento também já tinha sido elogiada, trazida a tona pela influenciadora Pequena Lo, que transitava para cima e para baixo sem dificuldades – uma realidade não tão comum para pessoas com deficiência. A noite se estendeu para uma festa de lançamento, uma mini-farofa da Gkay, por assim dizer, com shows de Léo Santana, Dilsinho, Matheus Fernandes e Dj GBR.
Nas redes sociais, Gkay se basta em seu mundo de influência. O desfile foi transmitido pelas próprias redes da influenciadora, e amplamente publicizado nas redes sociais dos influenciadores que estavam presentes não só nas passarelas, como compunham a maioria esmagadora dos convidados – a imprensa de moda apenas cumpria uma cota mínima por ali. Mais ou menos a mesma estratégia que levou a Farofa da Gkay aos Trending Topics, foi reutilizada com o lançamento da Gyka.
Não apresentar sua nova marca em uma semana de moda como a São Paulo Fashion Week (como fez Carlinhos Maia, por exemplo) é uma escolha que diz não apenas de seu lançamento, mas de quais os objetivos de Gessica Kayane com a Gyka e com quem ela busca conversar e vender.
A marca não tem grandes pretensões quando o assunto é moda e design, não é sobre isso. A coleção apresenta a visão de Gkay – e seu time de design – sobre tendências do momento que vimos nas redes sociais nos últimos tempos, em um modelo e estética que bebe muito da fonte da varejista chinesa Shein, sem preocupação com inovações ou criar imagens de moda. Os preços também são populares – na medida do possível, para uma marca de produção nacional – croppeds são vendidos a partir de R$99,99, bodies por R$149,99 e a calça jeans, item mais caro lançado até agora, custa R$229,99.
O que chama atenção na Gyka, não é a moda, mas sim a estratégia de lançamento de Gkay, que celebra e explora à exaustão a lógica da influência digital em um evento essencialmente popular e publicizado exclusivamente através das redes sociais, quase como um Victoria’s Secret Fashion Show pensado para fazer sentido para o público brasileiro e com muito mais diversidade – os modelos da Gyka vão tem 4 numerações de G, indo até XGG.