Movido pelo desejo de comunicar sua história por meio do patchwork, o jovem Billi, diretor criativo da marca de upcycling Rosa no Preto se considera um inquieto. “Eu costuro todos os dias, até quando estou de folga. Normalmente, eu estou fazendo algo pra mim porque para além do trabalho, costura é um artesanato e uma terapia”, fala ao FFW.
Billi faz de sua casa seu atelier, onde começou a costurar para a vizinhança desde que se mudou para Madureira, Zona Norte do Rio de Janeiro. A ligação do carioca com a moda começou quando foi morar com sua avó Dona Alice no interior do estado. Ele lembra carinhosamente dela costurando os furos e fundos de suas calças para ir à escola.
Na infância, ele ficava maravilhado com as roupas e sapatos de professoras, mas também recorda que pelo seu jeito afeminado e por ser negro sofreu muito preconceito na escola, o que hoje ele tenta transformar em força e em narrativa através de suas roupas.
“Teve uma situação que a professora me mandou pra direção e quando voltei pra sala, vi desenhado na lousa uma estrela que antes não estava lá, e depois disso as pessoas não falavam comigo. Até que um dia que apagaram a estrela e voltaram a falar comigo. Depois de um tempo descobri que a estrela era pra mim, que era para ninguém falar comigo”, comenta.
Depois desse episódio, ele leva o símbolo com ele em todas suas criações de forma intrínseca, inclusive, o inspirou a criar a padronagem Estrela do Oriente presente em calças, saias e jaquetas como as que Linn da Quebrada usou na estreia e fotos oficiais do Big Brother Brasil 22.
A paixão pela moda o fez largar o ensino médio para investir no estudo técnico de costura e figurino na escola de artes e tecnologia Espetáculo, que é patrocinada pelo Criança Esperança. Depois do curso, tudo que ele aprendeu foi sozinho como o tempo de produção de cada peça e sobre a valorização da mão de obra de quem costura. “Costura e pressa não andam juntas. A gente olha o mundo da moda que é repleto de trabalho escravo e acaba que as costureiras são as mais impactadas por isso”, complementa.
–
“Costura e pressa não andam juntas”
–
Através de pequenos retalhos de pano ele começou a construir sua identidade de moda por uma perspectiva sustentável e diaspórica, fazendo uso das técnicas do patchwork e do quilting (um tipo de colcha de retalhos). Ambas são parte de uma herança ancestral, em que pessoas negras que não tinham condição de consumir peças de roupas novas, ao ganhar restos de tecidos de seus patrões, as montavam como um quebra-cabeças. As vendas dessas peças as permitiam conseguir uma renda extra.
Sua matéria prima é proveniente de roupas e tecidos adquiridos em brechós e por doações, pois Billi leva muito a sério o sentido do re-design na moda. “Upcycling para mim é você usar a peça até o limite e quando chegar a esse limite você dar uma nova história. Se uma peça ainda dá para ser usada na sua forma original, isso não é reaproveitar mas sim customizar”, contextualiza o estilista.
Ele também conta que tem uma forma de ampliar seu acervo que é oferecer desconto a amigos e clientes caso eles doem peças para sua produção, pois isso incentiva a não gerar descarte desnecessário “isso é um suporte muito maneiro que ajuda a costurar todo meu acervo de trabalho.”
Hoje na Rosa no Preto, nome que faz referência ao cabelo rosa que era sua marca registrada, ele trabalha com um colaborador que responde aos clientes, além de um amigo costureiro que ajuda a concluir algumas peças e fazer o recorte dos tecidos, que é a parte que ele menos gosta. “Eu odeio cortar. O que eu mais amo no meu trabalho é construir as padronagens, as estrelas, os blocos de quilt e costurar”.
Além das saias, tops, jaquetas e bolsas, Bill planeja criar fragrâncias especiais de floral e âmbar feitas por ele. Até lá, seu clientes podem conhecer o cheirinho ao comprarem as peças “quando as pessoas recebem a peça perguntam qual o cheiro e eu já dou spoiler, digo que é a fragrância da Rosa no Preto, que em breve será comercializada”, adianta.
Billi é ambicioso e sua visão para a marca vai além. Ele conta também que seu sonho é poder abrir uma loja para receber seus clientes VIPs com champagne, mas sem perder o contato com aqueles que hoje consomem suas peças e sua cultura. “Eu falo sobre poder acessar esse lugar através da minha arte, sabemos que esses lugares costumam ser elitizados mas é sobre formas de atingir a camada abrindo mais brechas, não só pra mim, mas para os meus”, conclui.
–
Este artigo faz parte da série Moda Circular do FFW sobre Economia Circular e o que ela signfica para a indústria da moda (e para o planeta). Hoje, cerca de 8% da economia do mundo é circular e, segundo analistas, este modelo de economia é uma oportunidade de US$ 4,5 trilhões por apresentar um enorme potencial para o crescimento econômico global e também como acelerador da sociedade em direção a um futuro sustentável. Vamos trazer iniciativas cuja missão é prolongar o tempo de uso de uma roupa e ressignificar o que é novo, do reuso, a guarda-roupas compartilhados, resale, brechós e aluguel.