Quando eu tinha 20 e poucos anos e morava em Londres, andava com meus amigos pela Bond Street – a gente apenas sonhava em entrar em uma daquelas lojas. E nosso grupo tinha uma brincadeira em que um perguntava ao outro: se você fosse musa de um estilista, de qual seria? Lembro que um deles queria ser do Mugler e eu, desde sempre, do Galliano.
Muitos anos mais tarde, uma aluna me pergunta: se você pudesse ser alguma outra pessoa da moda, quem você seria? E eu disse que gostaria de ser Franca Sozzani.
E eis que hoje, como milhares de pessoas dessa comunidade, fico chocada com a notícia de sua morte. E emocionada com a sua discrição em relação à doença, um câncer raro no pulmão, que ela combatia há um ano. Pense que há dois meses Franca estava em Paris assistindo aos desfiles, sorrindo e dando entrevistas. Quem poderia imaginar.
O Instagram está repleto de mensagens de TODOS os estilistas, fotógrafos e modelos e uma coisa específica me comoveu muito: os posts, se não são declarações de amor, são de agradecimento. Eles agradecem a ela. Não apenas pelo legado visual fantástico que deixa através da Vogue italiana, mas por ter sido uma escola para tantos e por ter ajudado ativamente na carreira de muitos profissionais hoje consagrados. Em seus 28 anos à frente da Vogue italiana, Franca foi uma grande incentivadora e apoiadora de novos talentos.
Também deu a chance a Steven Meisel, Bruce Weber, Peter Lindberg, Paolo Roversi irem fundo em suas experiências com a fotografia – Meisel especialmente – publicando matérias em que criatividade, vanguarda, experimentação e ironia faziam parte de um mesmo vocabulário. E o quanto a gente não se deleitou com essa revista, sempre uma celebração à fotografia. Em uma entrevista ao WWD, ela destacou a importância da imagem no seu trabalho. “A Vogue era em italiano e eu queria me comunicar com todos, então pensei em criar imagens que fossem feitas para falar. O normal era a foto servir como um suporte para o texto, mas nós fizemos o contrário, reduzindo as palavras para o mínimo possível”.
Assim, ela se tornou a minha preferida, alguém que eu passei a acompanhar, a respeitar e a admirar. E o quanto aprendi lendo sobre seus pontos de vista em entrevistas. De forma que é simples entender a comoção que sua morte causou: ela é a melhor. Melhor que Carine, que Anna… Franca sempre foi corajosa e correu riscos a ponto de quase ter sido demitida por conta de suas escolhas para a revista.
Ela defendeu o fotógrafo como artista, assim como as modelos, maquiadores, cenógrafos e stylists. Usou a moda como uma maneira de comunicar sua visão do mundo – sem lente cor de rosa – e deixá-la menos alienada, com ensaios que traduziam questões contemporâneas, como racismo, padrões estéticos, crimes ambientais, o universo das celebridades e outros vícios da cultura atual. “A Vogue Itália é a mais experimental. A gente não dá serviço, tipo como fazer seu marido dizer algo ou como ir bem na escola. É sobre visão. É uma interpretação estética de uma realidade”, disse.
Jonathan Newhouse, CEO da Condé Nast, assumiu em um comunicado que “ela era de longe a pessoa mais talentosa, influente e importante na Condé Nast International.
“Faço o que tenho vontade. No final, o risco é meu, é o meu nome que está na revista. Quando você corre riscos, sabe que tem todos os meses do ano, as pessoas ali para te julgar. Alguns meses são bons, outros não. Mas eu quero fazer do meu jeito, sou muito independente. Não me importo se você gosta ou não. Simplesmente faço a revista que acho que é correta”. Essa é Fraca Sozzani.
Franca nasceu em 1950 em Mantua, Itália, filha de um engenheiro industrial italiano. Estudou Filosofia e Literatura e começou na “Vogue Bambini” como “assistente da assistente da assistente”. Passou também pela revista feminina “Lei” antes de entrar na Vogue em 1987, onde ficou até o presente. Franca tinha 66 anos.
Veja abaixo parte da repercussão de sua morte no Instagram: