O desfile de Alta Costura da Maison Margiela levou a parceria John Galliano / Pat McGrath a outro patamar. Os dois, que colaboram juntos desde os aos 90 na época do full maximalismo de Galliano na Dior e em sua marca própria, construíram uma apresentação que já está sendo chamada de épica e brilhante.
John trabalhou com a ideia de nômade, uma estética que vem surgindo de algumas coleções dele na Margiela e que aqui alcançou seu ápice criativo. “Este pode ser o último capítulo na minha exploração de glamour”, ele disse em um podcast divulgado pela marca no Twitter.
É verdade que seu trabalho sempre foi associado ao glamour – esta é uma palavra importante e recorrente em seu repertório. Um glamour inatingível, hollywoodiano, mas também impensável e desvairado.
Mas trabalhando em uma marca vanguardista e icônica como a Margiela, ele precisou repensar o que esta palavra significa para ele e para o mundo hoje. Daí entram os nômades que surgiram a partir da busca por esse novo glamour, mais inconsciente e relaxado. “Dentro dessa proposta algumas coisas surgiram, como a ideia do reverse dressing e de colocar as roupas de trás pra frente. É a minha interpretação de nômades”. Vale notar que esses nômades têm sua porção cyber punk, com os celulares acoplados direto nas pernas. “Me deparei com a palavra Neo digital Natives e ela virou uma investigação aprofundada de tudo o que eu falei. de certa forma, estamos anexados aos nossos celulares e ipads”.
Ouvindo o podcast, é interessante ver como, para John, a prática de construir uma coleção é totalmente intuitiva, sensorial e, ao menos no início do processo, intangível. Ele sente o cheiro de uma cor. Ou compara uma técnica de corte ao ato de cortar um pedaço de manteiga com uma faca quente. “Amo a ideia dos tons sorbet, como um pink coral que Faye Dunaway usaria. A minha memória do tom do batom da Faye Dunaway”, diz.
Memória é uma palavra significativa desta coleção. Galliano trabalhou sobre a memória de uma roupa em outra. Ou mostrou “jaquetas que vão além da memória de um casaco masculino”. “Peguei uma saia e cortei nela a memória de uma jaqueta. São coisas assim que você vê pela coleção”.
John é tão diretor criativo quanto costureiro. Sua paixão está na técnica, no corte, no drapeado, no volume e no exercício de repensar tudo isso de novo. “Volume é o que faz a moda andar pra frente. É ele que faz a diferença”, diz ainda no podcast. “Quando eu crio, preciso ter tempo para criar uma linha e o volume. E é a partir desse ponto que pode informar ou inspirar uma coleção ready to wear”.
Em termos de volumes, há camadas sobre camadas, algo que também é recorrente em seu trabalho. Muitas vezes a gente não sabe onde uma peça começa e termina, quais são as linhas que separam uma da outra. E em meio a essa desordem visual, ainda assim as formas são puras.
Os nômades da Maison Margiela vestem essas camadas feitas de materiais pouco usados ou nunca antes trabalhados em um desfile de Alta Costura, como poliuretano, espuma de preenchimento, velcro, sedas recicladas e camisolas vintage. São verdadeiros experimentos têxteis e é incrível ver domínio de Galliano sobre esses materiais, como ele molda um no outro.
Uma das técnicas pela qual ele está apaixonado e que parece ter guiado a construção desta coleção em particular é a Ge Ba, pinturas chinesas em tecidos, cujo nome significa camada. Usando roupas antigas ou qualquer outro pano usado, as mulheres chinesas cortavam e moldavam os restos de tecidos reciclados em pedaços retangulares, com aproximadamente 40x60cm de tamanho. Os retângulos são compostos por cerca de 10 a 15 camadas de tecidos grudados com cola de arroz (dá pra ver bem aqui no Pinterest).
Hoje, esses trabalhos que ainda estão preservados são considerados obras de arte sem moldura que nasceram da pobreza e vêm de lugares simples.
O uso de materiais reciclados e de descarte faz parte da cultura da marca. Martin Margiela sempre desafiou os códigos do luxo usando tecidos impensáveis e rústicos para fazer suas roupas, vendidas depois a preços caríssimos. Junte essa ideia à experiência na Alta Costura tradicional de Galliano e o desfile vira um parque de diversões. “Em um desfile brilhante da Maison Margiela, John Galliano define a alta costura moderna”, escreveu Vanessa Friedman, crítica do New York Times.
Alguns elementos me levaram de volta ao Verão 2003 de John Galliano (meu desfile preferido da vida), em que ele genialmente mistura Holi Festival e Leigh Bowery, como as tabi boots manchadas e os rostos azuis na beleza artística e inacreditável de Pat McGrath.
Apesar de todas as adversidades do mundo, a moda ainda pode agir como uma ferramenta que propaga emoção e beleza na sua forma mais pura. Ao som de Unchained Melody. Na voz de Bono Vox.
Through its ongoing study of seductions in the millennial era, @maisonmargiela arrives at an image of nomadic glamour as seen at today’s AW18 ‘Artisanal’ Women’s Show. #HauteCouture #Artisanal pic.twitter.com/u3PBG63NjC
— KCD (@KCDworldwide) July 4, 2018