Por *Fernand Alphen, especial para o FFW
Ela morreu encavernada numa favelinha que tinha construído com os restos dos lambris de madeira de sua casa.
Mas a Condessa Greffulhe, vestida com as criações de Charles Frédéric Worth, Nina Ricci e Jeanne Lanvin, apoiou e financiou, entre outros, o cientista Édouard Branly, o compositor Gabriel Fauré, o empresário artístico Diaghilev, e inspirou Marcel Proust, o maior escritor francês do século 20 a construir um dos personagens mais chiques e apaixonantes de sua obra colossal, À Procura do Tempo Perdido na Paris da Belle Époque: Madame de Guermantes.
A moda para a condessa era antes um reflexo de seu interesse intelectual e artístico do que de sua extraordinária fortuna.
A Paris da Belle Époque era o canto do cisne de uma elite que valorizava, acima do dinheiro e do nascimento, l’esprit, cuja definição transcende, é claro, o sentido literal de espírito. Ter esprit significa uma combinação de sensibilidade e capacidade de expressão. Uma pessoa d’esprit navega confortavelmente nos mais democráticos ambientes e sabe fazer-se notar, conciliando humildade e originalidade. L’esprit não ostenta nem tampouco recata-se.
O Salon da Condessa (termo que indica, em francês, uma espécie de círculo artístico-social) recebia quem se destacasse e pouco importa se morria de fome como a cientista Marie Curie, não tomava banho, como o compositor Erik Satie, ou tinha preferências sexuais liberais, como o dandy Robert de Montesquiou. Eram as faculdades do espírito e não as físicas ou da fortuna o verdadeiro passaporte para o chique convívio de Madame de Greffulhe.
Porque chique (do alemão Schick) significa capacidade de sedução intelectual, habilidade do espírito. Portanto, ser chique não é desfilar grifes nem malhar o abdômen, não é a mesa posta com porcelana e cristal, não é o guarda-roupa em degradê, não é a boca chupada nem a primeira fila do desfile, não é a instafoto produzida e filtrada. Isso é esnobismo.
Na Inglaterra do século dezenove, quando a burguesia começava a enviar seus filhos aos colégios antes reservados aos bem-nascidos, as nobres crianças, divertidas com os modos exibidos dos seus novos colegas, colocavam placas em seus dormitórios nas quais escreviam Sine Nobile (sem nobreza). Esnobismo é essa necessidade de demonstrar mais beleza, mais riqueza, mais relacionamento, do que se tem. Nada a ver com chique que, com o uso, esqueceu-se da origem e virou mais ou menos um esnobismo não pejorativo.
Madame De Greffulhe morreu pobre, mas com todos os visons para aquecer seus 92 anos. Em sua residência, em Paris, palco de tantas festas, permaneceram as coleções que jamais quisera vender, apesar da penúria na qual seu marido a deixou quando a preteriu por uma mais jovem, mais simples e mais dócil. Chique na riqueza e na pobreza.
Na cabeceira de sua cama, o maior romance do século, que ela em parte inspirou, nunca tinha sido aberto. Seria esnobe demais envaidecer-se com a homenagem imortal.
Veja na galeria abaixo mais fotos de Élisabeth Greffulhe e de seus vestidos que foram expostos no museu Galliera, em Paris, em 2014.
*Fernand Alphen é etnólogo amador, publicitário profissional e simpatizante do FFW.