Por Guilherme Meneghetti
André Namitala, nome à frente da marca carioca Handred, estava afoito quando atendeu a ligação do FFW, quando ainda estava terminando de conversar com pessoas ao redor, agradecendo. É que o desfile de Verão 18 da marca havia acabado de acontecer no Rio de Janeiro. “À princípio o desfile seria para o Inverno, mas adequei ao que eu preciso. Então é para o Alto Verão, tanto que vai direto pra loja, ainda este mês, porém com uma edição mais invernal”, diz.
“A coleção foi inspirada na Bahia, especialmente nas fotos do francês Pierre Verger, que retratou a cidade de uma forma linda e maravilhosa, e Chichico Alkmim, fotógrafo mineiro do início do século 20 que tem uns registros incríveis”, continua. As fotos que ilustram esta matéria, e que mostramos em primeira mão, são do editorial que André produziu inspirado em Chichico.
Vindo de família tradicional libanesa, André nunca planejou trabalhar com moda, tampouco criar uma marca. De seus dias na faculdade de direito até chegar na moda, tudo aconteceu de forma orgânica.
A marca, que tem roupas agênero com modelagem ampla, investe na alfaiataria e nos tecidos naturais, como linho, seda e viscose, criando peças que têm aspecto fresco e confortável.
Com a Handred André já desfilou em plataformas que põem luz sob jovens criativos, como Casa de Criadores e Veste Rio, e abriu este ano sua primeira loja física. Conversamos com ele por telefone, que nos contou detalhes de como deu vida à marca, do investimento ao varejo, além de compartilhar suas dicas para quem quer empreender como ele. “A emoção tem que estar na ordem do dia”, decreta.
Como começou sua história com a moda?
A moda não era uma opção para mim. À princípio eu queria fazer Direito, já que minha família toda é libanesa bem tradicional. Acabei cursando direito. Planejei viajar de férias com uma amiga minha para Nova York. A mãe dela tem uma marca de roupas super tradicional daqui do Rio, a Rebecca Barreto, especializada em roupas de linho. Ela havia nos pedido que comprássemos a passagem na fábrica dela e quando cheguei lá, fui dando pitaco em tudo que via pela frente. Então a mãe dela me disse: “Desse jeito vou te chamar para trabalhar comigo!” – e eu topei de cara! Fomos juntos a Nova York e esta viagem acabou virando trabalho, já que ela havia me contratado para trabalhar de fato. Depois de um ano decidi largar o Direito e fui cursar Moda.
Logo nos primeiros meses que eu trabalhava na Rebecca, comecei a fazer umas peças masculinas para mim, que coincidentemente acabou virando uma linha de camisas. Nessa época, eu não conhecia ninguém da moda, até que de repente conheci o stylist José Camarano, que estava armando uma loja pop-up chamada Bombinha e foi no timing exato para colocar as minhas camisas à venda, já com o nome Handred – um apelido de infância, meu pai me chama assim desde criança; se tirar o “h” e o “d”, fica “André”. Coloquei as peças à venda e aí foi rolando editorial, divulgação, etc, tudo organicamente.
Em seguida a Ausländer me convidou para fazer a linha masculina. Nessa época, eu fazia faculdade, trabalhava na Ausländer e também tocava a Handred, que comecei oficialmente em abril de 2012. Depois de dois anos, saí da Ausländer e comecei a focar na Handred, além de oferecer consultorias. Até que decidi focar completamente nela. Comecei apenas com camisa, aí na segunda coleção veio uma alfaiataria mais completa, com blazer, calça, etc.
Quanto tempo você levou pra dar vida à Handred?
Foi imediato, eu nem planejei. Tive a ideia de fazer roupas pra mim, que aí virou uma linha de camisas e logo conheci o José. Como ele estava armando sua pop-up, perguntou-me se eu conseguia produzir algo pra colocar à venda lá. Respondi que sim, e então comecei a marca. Foi abrir e produzir instantaneamente, e assim foi rolando aos poucos. A marca surgiu e eu fui coordenando.
Qual foi o investimento inicial?
Muita gente acha que eu tive investimento, sócios e afins. Mas, na verdade, nunca precisei investir. O único grande investimento foi um empréstimo que eu pedi pra fazer a obra da minha loja, que abriu há quatro meses. Investimento mesmo nunca fiz – era uma coisa assim: produzia, vendia e comprava tecido; produzia, vendia e comprava tecido, e assim por diante. Sempre tive uma estrutura muito enxuta pra conseguir fazer desta forma e lucrar. Só depois de muito tempo eu consegui assistente, costureira fixa, ateliê, entre outros. Demorou de dois a três anos, por aí. Fiz tudo sozinho por dois anos, dividia ateliê…
Então, não precisei de dinheiro pra comprar estoque, pagar aluguel, ter assistente, essas coisas. Era uma coisa muito pequenininha e desde o começo teve uma receptividade boa, o que deu uma cara maior à marca desde o início. E também sempre tive uma equipe maravilhosa: o José trabalhou comigo desde o início, a galera de fotografia era muito incrível, e por isso a marca sempre teve uma cara amadurecida.
Quem é o seu público alvo?
São pessoas ligadas à arte, cultura e espiritualidade. Nossas roupas foram indo para um caminho agênero também, pelas modelagens mais amplas, pelos tamanhos únicos e também do PP ao GG, o que acaba contemplando muita gente. Tenho muitos clientes de 60 a 70 anos, homem, mulher, anão. Gente de perfis variados vestem Handred. A gente faz ajustes pra todo mundo na loja sem custo. É uma roupa que tem consciência, que atinge pessoas que têm essa percepção e sensibilidade. E muita gente ligada às artes compra minhas roupas (atores, atrizes, poetas, escritores, jornalistas, produtores de moda, estilistas, e assim por diante).
O carro-chefe da Handred são peças de alfaiataria aplicada em tecidos naturais, que já viraram a cara da marca. De onde surgiu essa predileção?
Do Rio de Janeiro, onde sempre vivi, e é muito calor em todos os lugares. Eu queria oferecer uma roupa que todo mundo ficasse arrumado, porém com peças frescas, em que seja possível ao corpo “respirar”; não queria aquela coisa terno de alfaiataria de poliéster para escritório. Os tecidos naturais deixam o corpo respirar tranquilamente, por isso não uso sintético nenhum, somente tecidos naturais, o que condiciona a peça ser soltinha. Foi daí que comecei a vestir mulher, homem, e todo mundo, o que trouxe à tona a questão do agênero e que hoje trabalho muito bem.
Suas peças são produzidas com princípios de sustentabilidade?
Eu prefiro dizer que não. Por mais que eu fale que os tecidos naturais não tenham petróleo e outras substâncias químicas, a gente sabe que, em tingimento e estamparia de roupa, gasta-se muita água. Não é sustentável enquanto produção da matéria-prima. É melhor do que usar tecido sintético? Com certeza é. Mas ainda não tenho uma produção 100% sustentável e por isso ainda prefiro não levantar essa bandeira.
Além da loja e do e-commerce, onde encontramos suas roupas?
Vendo em multimarcas ao redor do Brasil. Tem em São Paulo (Pair, Choix, Void, Palácio Tangará), Salvador (CR SU Misura), Recife (Dona Santa), Uberlândia (Trash), Goiânia (Mapi 49)…
Como é a comparação das vendas entre a loja física e o e-commerce?
A loja física é 100% melhor, porque é aquela coisa que a pessoa te vê, conversa com você, entende a filosofia da marca, experimenta a roupa… É bem diferente do online. E a minha roupa é algo que é legal vestir, brincar, colocar parte de uma peça em cima e outra embaixo. Além disso, eu estou na loja todos os dias, então a pessoa também é atendida por mim. Tenho meus vendedores, mas faço questão de estar sempre na loja. De manhã fico no ateliê e, à tarde, vou para a loja. É outra vivência. O estilista dá todos os detalhes do que o inspirou pra criar aquela roupa, é uma viagem junto com o cliente. De modo geral, a venda na loja física é bem melhor frente à do e-commerce. Por isso a loja física é o amor da minha vida, risos.
Você também lançou uma linha de festa recentemente.
É uma linha sob medida de alfaiataria, só que com a minha pegada, aplicada ao linho, seda, tecidos naturais em geral. Não é uma linha “festa” convencional, com brilho, brocados e afins.
Quantas coleções você faz por ano?
Faço duas coleções grandes por ano, que é Verão e Inverno, e uma coleção cápsula entre elas, o que totaliza de quatro a cinco coleções por ano.
Como funciona sua produção?
Totalmente interna, tudo dentro do nosso ateliê. São supervisionadas por mim, pela minha equipe, todo dia, toda hora, desde aprovar a peça-piloto, revisar costura, mandar a peça para as costureiras. O processo com lavandeira também. Todas as nossas peças são lavadas, amaciadas. E eu quero permanecer assim, não tenho a intenção de crescer, tornar uma coisa enorme e perder esse controle de qualidade. Não tenho vontade de ter 20 lojas, sabe? Quero uma loja aqui, outra ali, e poder cuidar com atenção de todas.
Falando nisso, você pretende abrir outras lojas?
Claro!
A Handred já desfilou em plataformas que põem luz em jovens criativos. Como é a questão de fazer um desfile pra você?
Um objetivo que eu tenho é sempre apresentar as coleções de uma maneira que me desafie, sabe? Uma forma diferente. Eu fiz campanhas super legais, com ideias que se transformam, amadurecem e crescem. Se eu não fizer um desfile, tenho vontade de fazer qualquer outra coisa, como um filme, um documentário. Vou querer sempre mostrar a Handred da melhor forma possível, de maneira que me impressione e envolva completamente tudo aquilo que eu gosto. Eu amo estar no set, amo fazer foto, amo desfile, amo estar em todas essas frentes. A emoção tem que estar na ordem do dia.
Em nossa era do Instagram, em que é possível ter contato mais direto com seu público, ter uma peça publicada num editorial de revista faz diferença pra uma marca pequena?
Eu acho que o caminho é conjunto. Com certeza focar bastante no Instagram, criar um relacionamento ali com seu público é muito importante, mas também não ficar refém disso. Eu acho chique uma marca com poucos seguidores, por exemplo. Obviamente não tem como ter muito controle, mas não sou o cara que fica postando 10 fotos por dia com hashtags às 17h30 por ser o melhor horário pra postar. Em geral, pensamos bastante no Instagram como mídia, mas de uma forma boa.
Também não dou peças pra famosos ficar tirando foto. Do mesmo jeito que eu aprecio o trabalho deles na televisão ou pagando o ingresso de seja lá o que for, gostaria que eles também valorizassem o meu. E é o que eles têm feito, têm se interessado em comprar mesmo, não somente divulgar. Acho bem mais incrível a pessoa falar sobre uma peça: “olha que foda, eu comprei”, em vez de “olha, ganhei!” – é mais verdadeiro! E não tenho interesse em fazer esse marketing massivo até porque não tenho dinheiro pra isso. E ter minhas peças publicadas em editoriais de moda também é super bem vindo.
E quais são os próximos passos?
A próxima coleção será uma viagem para o norte da África que envolverá um material audiovisual bem legal. Também tenho vontade de ter uma revista da Handred, talvez semestral, não sei, uma coisa muito ligada à fotografia e moda, com a participação de vários amigos meus que trabalham em diferentes segmentos da moda. Apenas para destrinchar o meu amor pela fotografia, algo que eu já venho fazendo. Viajar pra diferentes lugares e tirar daí alguma coisa pra uma coleção cápsula, por exemplo.
Que conselho você daria para jovens empreendedores?
Começar enxuto! Não vai naquela pilha de pegar empréstimo no começo pra fazer um monte de coisa, sendo que, muitas vezes, não se tem nem a identidade da marca ainda. Segura o custo, espera ver algum lucro entrar para conseguir fazer um negócio sustentável, sabe? Pra você se dar o tempo e a liberdade de, caso faça algo que não deu certo, ok! Tudo bem, sem problemas, você não terá uma dívida imensa nas costas. Uma estrutura enxuta te dá o tempo de amadurecer. Além de sempre se preocupar em parecer profissional em termos de imagem, porque é ela que pode te levar para todo o mundo, afinal as imagens estão no Instagram, nas revistas, nos anúncios, em todos os lugares. Fazer look book e campanha muito bem feitos é importantíssimo.