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    A era da ostentação nas redes

    As consequências e o que está por trás da vida de luxo e ostentação de influencers nas redes sociais.

     

    A era da ostentação nas redes

    As consequências e o que está por trás da vida de luxo e ostentação de influencers nas redes sociais.

     

    POR Gabriel Fusari

    Provavelmente, você já foi impactado por uma postagem assim: um jovem em um shopping de luxo de São Paulo com várias caixas de iPhone e sacolas de grife, aborda outras pessoas com uma espécie de enquete sobre o valor de seu look, promete dinheiro e presentes luxuosos caso as respostas sejam positivas. Quando não, exibem seus carros de alto padrão, suas mansões e closets repletos de bolsas grifadas ostentando uma vida glamourosa. Como não lembrar de Keep Up With Kardashians, a serie do clã que provavelmente institucionalizou a relação entre influência e ostentação há quase duas décadas na TV? Hoje, o exibicionismo diário, agora nas redes sociais, tornou-se uma ferramenta poderosa e sedutora, impulsionando o aumento de seguidores que são atraídos por um estilo de vida de luxo e glamour. 

    Rosana Hermann, jornalista, roteirista e palestrante, tem acompanhado (e compartilhado) em suas redes o desenrolar de polêmicas na internet, especialmente envolvendo influenciadores. Desde que a internet chegou ao país como um privilégio para poucos, ela percebeu que o barateamento dos computadores e celulares e o surgimento das redes sociais revelaram um número crescente de jovens ficando ricos e famosos rapidamente. Isso acabou criando um modelo de ascensão social fácil, baseado na oferta e demanda da ostentação. “As pessoas querem emular essa vida ‘sintética’ que veem nas redes: jovens com carrões, joias e viagens nababescas, em feeds curados para criar a ilusão de que é fácil ‘chegar lá’. Muitos se aproveitam da ingenuidade dos seguidores para vender ilusões, enquanto outros mentem para esconder as origens ilícitas dessas fortunas”, comentou Hermann.

    O influenciador Giovani Brandi exibe sua BMW M3 Competition verde limão cercados por dezenas de sacolas de marcas de luxo. Foto: reprodução

     

    BASEADO EM CASOS REAIS

    O episódio mais recente é o da influenciadora Deolane Bezerra, conhecida dentre tantas coisas, por ostentar suas compras de luxo em seus perfis nas redes sociais que somam mais de 25 milhões de seguidores. A advogada influencer já postou exibindo sua coleção de carros importados que somam mais de R$ 11 milhões, gastando mais de R$150 mil reais na Prada, sendo expulsa da Dolce & Gabbana por fazer live enquanto comprava e até eternizando o amor pelo luxo em uma de suas músicas. Em setembro, ela foi presa sob suspeita de lavagem de dinheiro através de empresas ligadas a jogos de azar. A opulência é a regra principal para prender a atenção do espectador nesses casos, mas o que faz com que isso seja rentável para o influenciador é vender o sonho de ganhar dinheiro fácil e rápido que abre as portas para o consumo e uma vida luxuosa.

    Deolane ostentando compras de luxo em frente a um carro Range Rover. Foto: Reprodução.

    De acordo com Ana Paula Passarelli, diretora da agência Brunch, que representa influenciadores sob o mote da influência com responsabilidade, a ostentação como ferramenta de influência carrega riscos como a normalização de comportamentos nada saudáveis, endividamento e até uma visão distorcida sobre o que é ter sucesso.  “Sem um olhar crítico, as pessoas passam a valorizar mais a aparência do que a essência. É fundamental que o mercado estabeleça limites claros e que influenciadores percebam a responsabilidade que têm sobre o público que os segue”, comenta a diretora. 

     

    COMO SUPERAR

    Por aqui, cada vez mais a ostentação de uma vida luxuosa tem ganhado lugar de destaque e audiência nas plataformas e na mídia. Afinal, todo mundo quer saber quanto custou uma das bolsas grifadas da coleção de Maya Massafera ou quais presentes de luxo Deolane ganhou de suas seguidoras enquanto estava presa. Apenas um dos vídeos em que Deolane está fazendo compras num shopping de luxo tem mais de 40 milhões de visualizações. Para Passarelli, o único caminho para contornar essa situação é esperar uma postura ética do mercado, mas também que exista alguma regulação e orientação sobre o papel de influenciadores. 

    Na China, isso já acontece – de forma muito mais radical. O país asiático aumentou a campanha contra influenciadores que ostentam de forma exacerbada nas redes sociais, chegando até a derrubar contas em plataformas como Weibo, Douyin e Xiaohongshu. O Douyin, para se ter ideia, desativou cerca de 11 contas e teve 4700 posts excluídos. Mas por aqui, uma possível regulamentação nos mesmos moldes pode não ser tão simples quanto parece. O motivo? Há quem pense que uma ação nesse sentido esbarraria na questão da liberdade de expressão. 

    Para Ronaldo Lemos, pesquisador de temas como mídia e tecnologia, o foco deve ser na responsabilidade de lidar com as consequências, em especial, quando se viola a lei. “Os influenciadores estão se tornando uma parte significativa da mídia. Essa influência é assimétrica, pois a responsabilidade aplicada a outros veículos que atingem milhões de pessoas ainda não se aplica aos influenciadores”.

    Lemos destaca que a melhor regulamentação atualmente não é a chinesa, mas sim a francesa. A legislação francesa proíbe a promoção de atividades como procedimentos estéticos, produtos falsificados, itens com nicotina e jogos de azar acessíveis a crianças, exigindo certificação governamental para as plataformas. O descumprimento pode levar a 2 anos de prisão e multa de 300 mil euros. Além disso, os influenciadores devem seguir o Código de Defesa do Consumidor e a legislação de Propriedade Industrial. “Não sou a favor de copiar leis estrangeiras, mas podemos aprender com o que França e outros países fizeram para criar uma solução específica para o Brasil. Afinal, somos o maior mercado de influência do mundo”, conclui Lemos.

    Rosana Hermann acredita que um bom caminho seria aumentar a transparência das big techs, promover o letramento midiático e ampliar a fiscalização da Receita Federal sobre celebridades que ostentam e a origem de seus bens. “Se passamos mais de 9 horas por dia em frente a telas na internet, precisamos entender os mecanismos que nos regem, os algoritmos que definem o que consumimos, a verdade sobre engajamento e construção de riqueza, e a diferença entre o lícito e o ilícito”, afirma Hermann.

    Ao observar o crescente número de pessoas que seguem influenciadores como gurus e o impacto disso no estilo de vida e na identidade pessoal, fica clara a necessidade de mais ética no mercado, além de maior regulação e orientações claras para garantir que os influenciadores utilizem sua visibilidade de maneira responsável, sem prejudicar seus seguidores.

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