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    Bling days: como o hip-hop engoliu a moda

    A história de como o hip-hop, de vilão, virou estrela na indústria da moda

     

    jay-z e kanye west na turnê Watch The Throne, em 2012

    Bling days: como o hip-hop engoliu a moda

    A história de como o hip-hop, de vilão, virou estrela na indústria da moda

     

    POR Redação

    Texto publicado originalmente na FFWMAG #37 (2014) e escrito por Gabriel Marchi

    Um terremoto fez tremer as bases do mundo da moda em 2014. O epicentro foi a capa da Vogue americana de abril. Após muita especulação, a revista escolheu um retrato do rapper Kanye West ao lado  da então noiva (e atual ex-esposa) Kim Kardashian, clicado por Annie Leibovitz. A reação dos fashionistas foi intensa e imediata: manifestações de raiva, revolta e desprezo inundaram as redes sociais. Pela primeira vez, a legitimidade da escolha de Anna Wintour, editora chefe da revista e todo-poderosa da moda, foi questionada pelos leitores.

    O que confundiu a cabeça do público, no entanto, não foi a presença de um rapper na capa da publicação, ainda que o fato fosse inédito. Mas, sim, a estrela de reality show e de uma sex tape que, por anos, foi solenemente ignorada por editores e estilistas “do eixo”. Kim, dizem eles, é cafona e não teria o “direito” de ocupar o espaço mais valioso da indústria da moda no planeta. 

    Tal ideia não se aplica a Kanye, O rapper, afinal, é nada menos do que um trendsetter. É estiloso ( o que é diferente de ser bem vestido, diga-se), influente, já estagiou na Fendi e costuma comparecer em desfiles de Nova Iorque, Paris, Londres e Milão. É visto ao lado de estilistas, tem linha própria de roupa – a YEEZY, está em sintonia com artistas e arquitetos reconhecidos. 

    Kanye, o rapper de Chicago, é um bureau ambulante de referências de botar medo no WGSN. Portanto, nada mais adequado do que colocá-lo na capa da revista Vogue. Ponto.

    Rebobine 30 anos e a mesma iniciativas não seria nem remotamente concebível. Do início dos anos 1980 até o fim dos anos 1990, a moda e o hip-hop viveram uma relação turbulenta, marcada por brigas judiciais. 

    Dapper Dan e o começo de tudo

    O pioneiro do hip-hop foi Dapper Dan, estilista do Harlem, em Nova York, que fazia roupas customizadas para artistas como o grupo Salt ‘N’ Pepa e o rapper LL Cool J, inserindo e remixando logos falsos de marcas como Chanel, Gucci e Louis Vuitton ao gosto do freguês. Enfurecidas pelas cópias, as marcas passaram a processar o estilista sistematicamente, fazendo com que seu estoque fosse apreendido pela polícia local diversas vezes.”Eles usam vinil, eu uso couro”, desdenhava o designer. Nos anos 1990, Dan acabou fechando as portas.

    Mais à frente, por volta dos anos 2000, os dois universos começaram a se aproximar. Um dos primeiros a perceber essa inclinação foi Emil Wilbekin, ex-editor-chefe da Vibe, revista estadunidense que há mais de 30 anos cobre a cena cultural negra nos EUA. “[O rapper] Puff Daddy vende muito mais do que a [estilista] Donatella Versace. Faz total sentido que designers como ela, em algum momento, percebessem isso”, analisou ainda em 2003, quando a estilista italiana virou a favorita de MCs em premiações e começou a incorporar elementos do gênero me suas coleções.

    Pusha-T com camiseta Givenchy

    O jogo virou

    Atualmente, o clima é de lua de mel. Marcas tradicionais e casas de de alta costura, assustadas com a crise européia, buscam fatias demográficas antes ignoradas. E que fatias! A indústria de streetwear voltada para o público do hip-hop, movimenta anualmente 192 bilhões de dólares, de acordo com o livro Free Stylin'(Hip Hop in America), da pesquisadora Elena Romero.

    Entre as marcas que mais se beneficiaram da aproximação com o Hip hop está a Givenchy, maison francesa fundada, em 1952, por Hubert Givenchy – e famosa por vestir Audrey Hepburn. Suas representantes atuais em nada lembram a Bonequinha de Luxo. 

    Em 2013, Riccardo Tisci criou os figurinos de uma turnê de Rihanna, só para citar um exemplo. Seus moletons ultra estampados viraram uma febre entre rappers, sempre combinados com sneakers suntuosos. Bem como a camiseta de rottweiller, presença obrigatória no closet de nove em cada dez artistas de hip-hop. Não à toa, rappers como Swiss Beats, P. Diddy e Jay-Z são vistos com frequência na primeira fila dos desfiles da marca. 

    Rappers e suas marcas

    No olimpo do rap, ostentar informação de moda é tão ou mais importante do que ter dinheiro para consumir luxo. Tal mudança representa uma importante quebra de paradigma no famoso street cred (crédito da rua). Para ter o respeito dos seus pares é preciso entender a “inteligência” daquilo que se veste. 

    O conceito de “copiar” para personalizar, criado por Dapper Dan, foi reproduzido pelos rappers. Jay-Z é dono da Roc Nation. Pharrell, além de icone fashion – seu característico chapéu é uma peça de acervo assinda por Vivienne Westwood – é dono da Ice Cream clothing. P. Diddy é proprietário da Sean John. E a lista continua, com Nelly (Vokal), Eminem (Shady Limited), Lil Wayne (Trukfit) e Wu-Tang Clan (Wu-Wear), entre muitos outros. Esses negócios multimilionários envolvem  não apenas roupas, mas acessórios, fragrâncias, sneakers e objetos de design.

    Apropriação

    A apropriação é característica marcante do hiphop, a começar pelas batidas e samples de vinis de soul, funk e rock usados como base para o rap. Na tese de doutorado Hip-Hop: Cultura e Política no Contexto Paulistano, o antropólogo da USP João Batista de Jesus Félix analisa a questão citando trecho do clássico O Pensamento Selvagem, de 1978, do etnólogo franco-belga Claude Levi-Strauss: “A característica do pensamento mítico, como a bricolagem, no plano pratico, é elaborar conjuntos estruturados, não diferentemente com outros conjuntos estruturados, mas utilizando resíduos e fragmentos de acontecimentos […] testemunhas fósseis da história de um individuo ou de uma sociedade. Em um sentido, a relação entre a diacronia e a sincronia, está, portanto, invertida: o pensamento mítico, esse bricoleur, elabora estruturas ordenando os acontecimentos, ou, antes, os residuos dos acontecimentos. 

    A moda, por sua vez, por muito tempo se apropria – com suas bricolagens – do estilo as ruas. Nos anos 1990, a Chanel colocou modelos com grandes correntes douradas. A Versace aderiu as jaquetas bombers e calças bufantes das MCs do Queens, com seus brincos gigantes e penteados afro. Marcas de streetwear, como adidas e Nike, que fizeram de tudo para se distanciar do hip-hop, hoje abraçam o movimento.

    No Brasil, grifes como Alexandre Herchcovitch, Osklen e João Pimenta já incorporam, ainda que indiretamente, elementos dessa cultura. 

    o grupo Rum DMC

    a obsessão por possuir

    Historicamente, a obsessão dos rappers pelos blings – as enormes correntes incrustadas de diamantes – também é objeto de reflexão e, eventualmente, critica. Para Questlove, música da banda norteamericana The Roots, a obsessão pela ostentação tem raiz em um trauma histórico do período escravocrata. “Quando os escravos foram libertados, eles passaram a existir politicamente, mas também economicamente. Possuir coisas era uma maneira de provar que você existia – dessa forma, possuir muitas coisas é provar que você realmente existe. O hip-hop, com sua obsessão por possuir, tenta renegar a ideia de que você é tão nulo economicamente que não existe na sociedade.”

    A capa da Vogue diz muito sobre o espaço conquistado pelo hip-hop na indústria da moda nesta década. Mesmo que motivado por forças de mercado, tal espaço legitima, como imagem de moda, uma estética construída ao longo de 30 anos. E preservada por gerações de  artistas e fãs com autenticidade ímpar, impossível de ser reproduzida por um departamento de marketing.

    Uma declaração do rapper Schoolly D, em 1986, dada a uma repórter da revista norteamericana Spin, ressoa até hoje com frescor. “Os brancos acham que as correntes são para mostrar que você é mais rico. Mas isso, na verdade, vem da África. O ouro é para guerreiros. Os artista do hip-hop têm muitas batalhas para lutar. Precisamos nos impor e dizer que estamos ganhando batalhas, e é por isso que usamos as correntes” disse.

    Quase 30 anos depois, é um alívio poder afirmar que algumas batalhas já foram conquistadas.

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