Róisín Murphy celebra a liberdade para dançar com suas memórias, Em Hit Parade
Tivemos uma conversa exclusiva com ela, onde falamos sobre memes, moda e, claro, música
Róisín Murphy celebra a liberdade para dançar com suas memórias, Em Hit Parade
Tivemos uma conversa exclusiva com ela, onde falamos sobre memes, moda e, claro, música
Disclaimer: o FFW repudia qualquer forma de preconceito, seja ela de cunho sexual, racial ou social. As opiniões pessoais da artista não refletem em nossos princípios e opiniões individuais. Essa entrevista foi feita em 10 de agosto de 2023, antes da discussão controversa sobre bloqueadores de puberdade e sua declaração pública.
Por Dimas Henkes (@dimashenkes).
Com os algoritmos tomando conta do universo musical, se manter fiel a sua arte se tornou um diferencial de luxo. E Róisín Murphy não só continua fiel a sua arte como também trata a música pop como algo profundo e precioso, de alto valor. Não é à toa que cada álbum que a cantora lança supera expectativas e nos surpreende com produções mirabolantes e preciosas – que, aqui, criou em colaboração com DJ Koze, seu parceiro musical de longa data.
Em Hit Parade, Murphy canta sobre vulnerabilidade, resgata samples de Soul e Disco Music e cria uma atmosfera curiosa e instigante para uma pista de dança livre e sedutora. O After Party ficou no passado, agora dançamos ao sol com um look alegre e brilhante de Rick Owens. Esse álbum, repleto de contrastes, é uma festa nostálgica que nos faz lembrar que a melhor celebração está dentro de nós mesmos. É a dança das memórias.
O sentimento é de renovação. Ou até renascimento. Uma vibe “hoje é o primeiro dia do resto da sua vida”. Depois de lançar dois álbuns “non-stop” (sem pausas entre as músicas), aqui o ouvinte pode respirar fundo entre as canções para entrar no universo particular de cada música e se aventurar em uma alegria plena – às vezes obscura – que a dupla criou. As múltiplas camadas dos instrumentais atrevidos criados pelo DJ e produtor alemão tem um segredo: o tempo. Foram sete anos de co-produções entre Berlim, Londres e Ibiza que deram um toque sensível e digno a todo trabalho.
Róisín é uma figura brilhante da pista de dança e, em uma entrevista exclusiva para o FFW, conversamos sobre música, inteligência artificial, design, moda, memes brasileiros e criatividade.
Eu senti esse álbum diferente dos outros. Não é triste, mas é nostálgico. Fez eu pensar sobre a beleza da vida de uma maneira muito humana e profunda. Então, eu quero saber para onde você foi para escrever essas letras?
Bem, eu trabalhei em casa na maior parte do tempo desse álbum e gravei meus próprios vocais, usei o mesmo software musical do produtor com quem trabalhei… mas ele estava em outro lugar. Ele estava na Alemanha e eu estava em Londres durante a maior parte disso tudo… Então, a maior parte da escrita eu fiz sozinha em um espaço privado da minha casa, sabe? Tem um tipo de intimidade nisso. E eu acho que… escrevi um pouco em Ibiza também. Acho que The Universe foi escrita em Ibiza e talvez… The House foi escrita lá na minha casa também. Então, como esse disco foi feito com dois colaboradores, eu e DJ Kozy… ele estava na Alemanha e eu estava onde eu quisesse, sabe? Enviando arquivos de um lado para o outro.
Mas, internamente, para onde você foi?
Eu acho que os temas do disco são… Há muita alegria no disco. Uma alegria imensa. Meu mundo estava se abrindo enquanto eu escrevia esse disco. Eu fui capaz de escrever sozinha. Fui capaz de gravar meus próprios vocais, escrever quando eu quisesse… Me tornei muito produtiva nos últimos anos. E recebi tantas músicas lindas para trabalhar. Tá simplesmente tudo fluindo na minha vida… essa música ótima. E tem uma alegria plena nisso. E eu acho que essa é a alegria que você ouve no disco. Mas quando tem outro sentimento, como um sentimento mais sombrio, é mais forte porque está ao lado da alegria. Então você realmente sente quando tem alguma outra coisa, entram outros sentidos. E eu acho… para onde eu fui? Eu não fui a lugar nenhum. Nem sempre vou. Eu sempre vou a esses lugares onde… tem temas semelhantes em todos os meus trabalhos e nas letras. Temas sobre liberdade, expressão e sensualidade e, depois, tem dúvida e vulnerabilidade. Isso tudo tá no meu trabalho. Em todas as letras, desde o início.
E eu escutei muitos samples e camadas diferentes nos intrumentais. Como foi o processo de criar com o DJ Koze?
Foi muito interessante. Ele é um produtor e artista fascinante. E as coisas podem mudar… Algumas das faixas do disco são completamente diferentes de onde começamos. Às vezes, um tom diferente, um tempo diferente, definitivamente um sample diferente. E às vezes não, às vezes é muito parecido com o que começamos, mas outras vezes, completamente diferente. Tudo pode acontecer. Eu poderia enviar arquivos para ele e ele não sabia o que iria fazer. E é por isso que eu acho que ele gosta de trabalhar assim. Ele falou pra mim que queria fazer músicas comigo há sete anos atrás…Foi assim que tudo começou. Ele disse: “eu gostaria de fazer um disco completo com você, mas vou ter que fazer isso no meu tempo e do meu jeito”. E eu disse que para mim estava tudo bem porque eu estava lançando outros discos. E, como aconteceu, demorou muito. Demorou mais do que eu pensava, mas foi bom porque quando ele realmente ficou pronto era um bom momento na minha agenda para lançá-lo… Eu não poderia lançá-lo antes de Roisin Machine (2020) ou mesmo antes do meu projeto de 12” polegadas com o Maurice Fulton (2018). Eu já estava começando esses discos e eu já estava começando a pensar nos outros projetos ao mesmo tempo. No fim fiquei muito feliz em deixar ser do jeito que ele queria. E acabou sendo realmente maravilhoso.
E eu preciso falar sobre a capa do álbum. Muitas pessoas têm medo da Inteligência Artificial hoje em dia, mas eu vejo que você está se divertindo com isso. Com quem você criou as capas?
Eu vi essa movimentação nos estágios iniciais… todo mundo tava tentando brincar com essa tal de I.A. quando tudo explodiu uns seis ou oito meses atrás. Eu fiquei fascinada, obviamente. Eu fiquei… “uau! o que tá rolando aqui?”. E então eu me deparei com o trabalho da Beth Frey. Ela é uma artista plástica, faz pinturas, esculturas e expõe em galerias no mundo real. Mas, naquele momento, ela também estava brincando com essa coisinha de I.A. e fazendo essas imagens super curiosas. E o que eu fiz foi… comprei algumas imagens dela e depois fiz uma sessão de fotos comigo mesma. E eu me coloquei nas imagens. Então fiz um photoshoot. Tivemos que fazer uma sessão de fotos. Depois tivemos que fazer um tipo de montagem em que ia e vinha entre dois designers mais técnicos. É uma longa história. Mas de qualquer forma, demorou um pouco para acertar. E nem todas as imagens funcionaram, eram imagens muito estranhas. Mas pareciam estar casadas com o álbum. Não havia como simplesmente colocar uma bela foto minha na capa… era como se simplesmente não combinasse com as músicas. Então eu estava procurando por algo que fosse tão interessante quanto as músicas, simples assim. Foi aí que encontrei as imagens iniciais da Beth. E então eu tive que me meter dentro delas.
Você também trabalhou de novo com Bráulio Amado, um designer que já trabalhou com você e outras cantoras. Como é o seu relacionamento de criação com ele?
Ele já trabalha comigo há algum tempo. Ele fez os meus últimos três grandes projetos. Ele criou as capas do meu projeto com Maurice Fulton, como eu disse antes, que começou com quatro vinis 12” polegadas e tinha oito lados. Ele tinha algo realmente criativo para criar em cada capa, então tínhamos oito capas com belas artes. E eu pensei “uau!”. Ele só tem ideias e ideias e ideias e ideias. E eu trabalhei com ele no álbum Roisin Machine, e então… sim, continuei a trabalhar com ele aqui. Ele é brilhante!
E ainda falando sobre criatividade… Toda vez que eu vejo você usando um look ousado, você parece que nasceu para usar ele. Você tem algo “extra” que eu amo. Pode me contar o segredo de vestir um look da melhor forma possível?
Ah, eu acho… eu não sei. Eu acho que meu segredo é… E eu não sei se é sempre assim. Para mim, é igual uma luta. Eu sempre estou lutando com a moda. É uma briga. É assim que eu me sinto com a moda.
E quando você entendeu que, além do mundo da música, está no mundo da moda?
Eu não sei se eu estou no mundo da moda, mas eu me sinto uma rockstar. Eu não me sinto uma estrela da moda. As roupas que eu visto fazem eu me sentir uma rockstar. É assim que eu encaro tudo isso.
E você já sabe alguma coisa sobre os looks da próxima turnê?
Bem… na verdade não. Eu sempre decido tudo na última hora, mas eu tenho usado muito uma peça azul linda do Rick Owens nos últimos shows. Mas sobre a nova turnê, ainda não sei.
Você vai sentindo e usando.
Sim, aconteça o que acontecer, acontecerá.
E agora vamos falar sobre o Brasil… Eu vi que você adicionou uma música do Caetano Veloso na sua playlist oficial do Spotify. O que mais você conhece sobre música brasileira?
Não muito, desculpa! Minha assistente é brasileira, ela sabe tudo sobre isso.
Eu tenho um presente para você que eu falaria só no final da entrevista, mas eu criei uma playlist para você conhecer mais sobre música brasileira.
Ah! Eu vou amar isso!
E preciso te falar, você tem uma voz perfeita para cantar Bossa Nova, você conhece?
Ahhh, eu amo Bossa Nova!
Sua voz é aveludada… E o remix de “What Not To Do”, que você lançou com o Moodyman, lembra um pouco um dueto de Bossa Nova.
Sim, sim parece! Sim, é verdade.
E você posta muitos memes brasileiros…
Isso é minha assistente, Isabella. Ela é brasileira, de São Paulo. Ela me atualiza tudo sobre os memes brasileiros. É maravilhoso! Eu amo, é maravilhoso, né? Vocês são doidos por memes!
É semiótica na mais pura versão.
Sim. Mas inclusive antes de eu conhecer a Isabella eu já sabia disso porque… Como é o nome daquela mulher?
Tulla Luana?
Tulla! Alguém fez uma imagem da Tulla com o braço dela ao meu redor. Eu postei sem saber o que era… só achei que era estranho. Eu simplesmente amo isso, sabe? É algo que juntou eu e a Isabella porque ela costumava fazer vários memes sobre mim antes de nos conhecermos… Então…
Memes conectam pessoas.
Aham!
E você está animada para os shows no Brasil em Dezembro?
Ai, meu Deus, sim! Faz muito tempo desde que eu estive aí.
E você tem alguma surpresa para os brasileiros?
Não, desculpa! (risos) O setlist vai ser ótimo. Minha banda é incrível. Tenho muita sorte de ter essa banda. Essa é a melhor coisa que tenho no mundo inteiro: minha banda. Criativamente, é isso. Se eu estivesse em turnê, nem conseguiria falar com você. O fato de que sempre pude fazer turnês de música ao vivo com todos esses discos… E são discos interessantes. São registros esotéricos, são registros eletrônicos. Não é tão fácil traduzir isso para o ao vivo. E isso me faz ser uma verdadeira artista em certo sentido… e ainda estar aqui. É por isso que ainda estou aqui tantos anos depois. Tenho um diretor musical incrível que trabalhou comigo todos esses anos, Eddie Stevens (Moloko). E ele sempre consegue traduzir esses discos para uma banda e em um show. E é por isso que ainda sou uma artista hoje… mais do que fazer discos, de certa forma. Então estou muito feliz em trazer tudo isso para o Brasil porque acho ridículo não ter ido mais lá… Porque sei que existe uma base de fãs por lá, seja qual for o tamanho. E estou pronta para conhecê-los e me apresentar na frente deles.
Se prepare, eles também são rockstars.
Com certeza, sim!
Você tem uma base de fãs rockstars para uma cantora rockstar.
Ahhh, eu mal posso esperar!
Uma pequena pergunta. Em The Universe, você canta que o Universo está cantando uma música para você. Eu quero saber qual música você cantaria para o Universo?
Talvez o silêncio. Talvez eu me calaria pela primeira vez. Na grandeza do universo, sim.
E como você se sente sendo uma popstar no fim do mundo?
Ah, bem… parece bom porque se eu sou o que uma popstar é, o que não acho que seja o caso, mas o que é bom é que posso ir ao supermercado. Sem problemas. Ninguém nunca tenta pedir meu autógrafo no supermercado. Então talvez eu não seja uma popstar. Talvez eu seja só um artista.