Por Gabriel Fusari, Vinicius Alencar e Augusto Mariotti

Nas últimas semanas de moda, vimos pipocar em varias coleções símbolos ligados à infância. Resgatados para construir um cenário imagético, essas referências nos fazem sentir um acalanto de uma época onde a única preocupação era acordar cedo só usando camiseta, carregando um travesseiro e ia para frente da televisão pra não perder todos os desenhos da TV Globinho ou Bom dia e Companhia.

Memórias afetivas

Jonathan Anderson certamente está saudoso desses momentos. Em sua mais recente coleção trouxe para a passarela a imagem desse momento tão singelo e especial de uma fase marcante de nossas vidas. Sapatos e bolsas com formato de sapo, que imediatamente remetem a brinquedos também entram na onda nostálgica e descontraída. A ideia veio de uma lembrança pessoal do designer guardada na memória e no coração do povo britânico das galochas da marca Wellipets, que eram usadas pelo príncipe Harry  na infância. O mesmo Jonathan Anderson apresentou para a Loewe um moletom de capuz como se fosse pixelado, em referência à estética dos jogos de videogame dos anos 1990 brincando com a realidade e imaginação, assim como os sapatos que remetem imediatamente à Minnie, personagem dos desenhos animados da Disney.

Colm Dillane, designer convidado da Louis Vuitton para assinar a mais recente coleção masculina, foi outro que trouxe da brinquedoteca referências para a passarela da marca francesa. Em uma perspectiva lúdica, soldadinhos de chumbo, ternos com desenhos de traços infantis e construídos como se fossem de papel de carta traduzem a idealização da formação do homem em sua tenra infância nos idos 1980.  

A influência dos filmes infantis

A criatividade e imaginação da infância também ganha asas no desfile de Rodarte, que trouxe lembranças do filme Shrek, seja pelo visual dark da beleza e dos vestidos pretos e mangas dramáticas, ou pelas ninfas de asas mágicas, que lembravam fadas e dragões. 

Mas quando o tema são animais fantásticos, é na passarela da Collina Strada onde eles habitam. A performance dos modelos que se caracterizados de animais humanóides chamou mais a atenção do que as roupas fluidas e de tecidos brilhantes da marca emergente. Roedores, lagartos e pássaros ganharam estatura humana como se os personagens de Crônicas de Nárnia resolvessem sair do guarda-roupa para desfilar no mundo com as peças que mais expressassem sua essência. 

Para não dizer que não falamos da literatura

A literatura infantil também foi fonte de inspiração para Thom Browne. Conhecido por sua assinatura que mescla referências do esporte com alfaiataria em apresentações lúdicas, dessa vez ele resolveu buscar na literatura infantil inspiração. Em uma referência direta, O Pequeno Príncipe (1943) foi a principal inspiração da coleção de inverno 23/24, cativando imediatamente aqueles que têm o personagem criado por de Antoine de Saint-Exupéry em sua memória afetiva. A rosa, o anel de saturno, a coroa e a lanterna foram estampados em traços infantis sobre vestidos. Mas, se cabe uma sugestão, talvez tenha faltado a cobra que comeu o elefante tornando-se um chapéu.

Lá e aqui

Por aqui, a nostalgia da infância também é uma onda forte, mesmo entre jovens que recém completaram a maioridade. A AmorTrash, iniciativa independente do artista Trashboy de 25 anos, é um exemplo. Algumas de suas criações trazem uma releitura punk e atualizada da personagem fofinha Hello Kitty estampada em peças únicas e autênticas (falamos dele por aqui). Além dele, a marca A La Garçonne vem apostando fortemente no sentimento nostálgico de seus clientes ao apresentar estampas com desenhos da Warner Bros, como a turma do Looney Tunes e o mais recente, da Corrida Maluca com a estampa da Penelope Charmosa. Já o universo Disney, com Mickey e Pateta, onipresentes no imaginário de todos nós, viraram estampas de recente collab com a marca de streetwear High Company.

Nostalgia

Caminhando rumo à nostalgia, não é novidade a presença referências ao universo infantil entre millennials adultos. As inspirações florescem cada vez mais dentro da cultura pop. Maior exemplo disso foi o lançamento da serie Stranger Things (2016) que impulsionou essa saudade de um passado não muito distante e pré hiperconectividade. E o que mostra que isso ainda está longe de acabar é a aguardada chegada do filme da Barbie, que já é um dos lançamentos mais esperados do ano.

Além da lembrança de um passado divertido e leve permeado por alegorias infantis, estilistas têm encontrado em suas memórias de infância inspiração para oferecer algo lúdico e divertido, como a moda também deve ser. Essas propostas acabam servindo como válvulas de escape em momentos de crises mundiais, ansiedade e receio do futuro. Ao permitir que a criança interior volte a viver, a moda tem sido um alento em meio ao caos, fortalecendo nossas memórias infantis e deixando nossas crianças interiores brincarem (nesse caso, com as roupas).