Maturidade x Plasticidade
Supermodelos, retoques e a ilusão da juventude na moda.
Maturidade x Plasticidade
Supermodelos, retoques e a ilusão da juventude na moda.
Supermodelos envelhecem? Sim, como qualquer outra pessoa no mundo. Aliás, se tudo der certo na nossa vida, a gente vai envelhecer. Sabemos que as gerações mais novas viverão mais e melhor até o dia em que a tecnologia nos transformará em ciborgues. Acho que a moda vai amar esse momento de não ter mais que lidar com o envelhecimento das mulheres. E digo mulheres – em vez de pessoas – porque é sobre elas que recai as complexidades do envelhecimento e as pressões de se manter eternamente jovem.
A capa da Vogue com Linda Evangelista (58 anos), Cindy Crawford (57), Christy Turlington (54) e Naomi Campbell (53) despertou em mim uma mistura de emoções.
O grupo que ficou conhecido como The Big 5 (Linda, Naomi, Christy, Tatiana e Cindy) é o grupo original para qual o termo Super Model foi criado. Eu concordo com a chamada da capa: As Melhores de Todos os Tempos. Elas são. Mas eu não quero ver essas mulheres na versão botocada, plastificada, parecendo desenho de A.I. Se elas representaram ideais de juventude, porque não poderiam representar ideais de maturidade? A gente já não vai conseguir chegar perto nem quando elas tiverem 100 anos, mas ao menos fica um pouco mais identificável e honesto.
Li que houve mínimos retoques nas fotos. Quem eles querem enganar, eu não sei. Eu me lembro do ultraphotoshop, que era tão hardcore que às vezes as modelos vinham deformadas nos editoriais e capas. E também presenciei as ondas contra essa finalização artificial, com fotógrafos e revistas imprimindo capa sem photoshop. Peter Lindbergh fotografou muito assim e foi uma das vozes na moda contra a falta de verdade que essas ferramentas proporcionam.
E o que será que significa retoques mínimos hoje? Isso é relativo. Neste caso, acho que o mínimo da Vogue é o meu máximo.
O fato é que a capa foi tão celebrada quanto criticada e ainda vai render mais conversas e discussões sobre pressão cultural, padrões e estereótipos de beleza. Neste mês (20.09) também veremos o lançamento do documentário Supermodelos na Apple TV com as mesmas quatro mulheres.
Algo parecido ocorreu com a capa recente que Gisele fez pra edição brasileira da Vogue. “Mínimo photoshop”.
Eu vivi intensamente os anos 1990 e 2000 e acompanhei, do jeito que dava naquela época pré-internet, os passos dessas mulheres e de outras que vieram atrás, como Tatjana Patitz, Claudia Schiffer, Carla Bruni, Stephanie Seymour, Helena Christensen, Amber Valetta, Nadja Auermann e Kate Moss. Esse grupo ascendeu feito um foguete e mudou o que significa ser modelo no mundo. Elas não eram mais manequins-cabides: eram mulheres únicas e com personalidades diferentes.
De lá para cá, a moda passou por tantas mudanças que a questão do envelhecimento feminino já poderia estar mais madura entre as pessoas que criam imagem – uma foto de revista é aprovada por muita gente, mas em último caso ela é a representação dos valores de um veículo.
“Por que diabos elas tiveram que ser transformadas em uma versão plastificada de si mesmas e submetidas a retoques de computador para emergirem como uma versão em desenho animado do que uma mulher mais velha e glamorosa poderia ser?”, perguntou Alexandra Shullman, ex-editora da Vogue britânica em sua coluna no Daily Mail. “É especialmente estranho considerando que a Vogue recentemente se posicionou em torno da ideia de inclusão, rejeitando a noção de que as definições convencionais de beleza são relevantes para as escolhas da capa”.
A questão de por que a sociedade muitas vezes valoriza a juventude e desvaloriza o envelhecimento, especialmente no caso das mulheres, é complexa e multifacetada.
Muitas mulheres experientes e belas são sugadas por estereótipos que criam a ideia de que envelhecer é algo a ser evitado.
É importante ressaltar que muitas pessoas e movimentos estão desafiando essas normas, promovendo a aceitação do envelhecimento e celebrando a sabedoria e a experiência que vêm com ele. No entanto, é um processo contínuo para mudar as percepções culturais arraigadas em relação ao envelhecimento e às mulheres.
Ao photoshopar uma pessoa ao máximo, estamos apagando sua história de vida. Uma vida que deveria ser celebrada e não escondida.