Quanto tempo Maria Grazia Chiuri ainda tem na Dior?
Bia Nardini traça a linha do tempo da Dior até o cenário atual que pode estar prestes a mudar, com a possível saída da diretora criativa, a primeira mulher no comando da Maison.
Quanto tempo Maria Grazia Chiuri ainda tem na Dior?
Bia Nardini traça a linha do tempo da Dior até o cenário atual que pode estar prestes a mudar, com a possível saída da diretora criativa, a primeira mulher no comando da Maison.
Por Bia Nardini
Em um cenário europeu de pós-guerra, 1947, recorrer à feminilidade tradicional na moda não era mais o padrão. Enquanto os homens saíam de suas funções para o campo de batalha, muitas das mulheres precisaram assumir cargos em fábricas e escritórios, que impossibilitavam o uso de roupas justas que desenhavam o corpo. Assim, as silhuetas perderam suas curvas, as calças ascenderam e a simplificação estética, como um todo, foi disseminada, uma vez que financeiramente mais viável.
É nesse contexto que uma das principais casas de luxo da história abre suas portas, quando Marcel Boussac aceita financiar o lançamento da marca homônima de Christian Dior, que, em sua primeira coleção, redirecionou a moda que havia sido esteticamente transformada pelos nazistas em utilitária e tubular, rumo a uma moda pautada na sofisticação geral. Como reforçado pela editora de moda estadunidense Carmel Snow, o couturier inovou de tal maneira que ali nasceu “O Novo Visual” — em inglês, “The New Look” —, nome dado à sua composição mais famosa até a atualidade. Indo contra as tendências de mercado, Dior começou a explorar tecidos caros em longas metragens, uma decisão radical em tempos de racionamento, acolhendo a opulência do luxo que, até então, estava em segundo plano.
Revolucionário, Christian Dior assinou para sua marca por poucos anos, uma vez que seu falecimento precoce, em 1957 — apenas 10 anos após a estreia da primeira coleção —, encerrou sua trajetória. Mas a mensagem já havia sido cravada. Ali estava a maison responsável por resgatar a feminilidade através das cinturas marcantes, somadas às lembranças de sua mãe, uma dona de casa da elite francesa apaixonada por jardinagem.
Ao longo dos anos seguintes, a marca teve sua cadeira criativa ocupada por diferentes profissionais. Durante um curto período, de 1957 a 1960, Yves Saint Laurent assumiu a criação, deixando-a cada vez mais à frente de seu tempo e jovem.
Em seguida, ao longo de 19 anos, Marc Bohan assinou pela Dior, focando em peças clássicas e usáveis.
Em 1989, Gianfranco Ferré potencializou essa estética, apresentando algo mais luxuoso e teatral, abrindo espaço para que uma das principais fases da marca acontecesse: a fase John Galliano, que durou de 1996 a 2011.
Através de suas criações complexas, exuberantes e fartas de informações, cores, texturas e detalhes, Galliano levou o nome da Dior até os lugares menos esperados, chegando a ser citado pelo Jornal Nacional, no Brasil. Fazendo referência a diferentes culturas e fantasias, os desfiles eram desdobrados em coleções compostas por um mix de peças statement e comerciais, atendendo diferentes públicos com dois principais interesses em comum: a autoafirmação e a validação social. Nesse momento, a história foi feita, deixando a marca, que antes atendia, em especial, à elite tradicional, mais próxima dos jovens descolados e descomedidos.
Então, de maneira repentina, sua saída foi efetivada em meio a um escândalo de falas antissemitas, no momento em que o faturamento da empresa se aproximava do dobro registrado no início de sua direção. Isso abriu espaço para um momento de instabilidade na história da Dior, que buscava não apenas manter seu crescimento, mas também encontrar um novo rumo criativo que não fosse ofuscado por um passado de criações excêntricas. Nesse momento, Bill Gaytten assumiu o posto, tentando manter uma magia que já havia partido, o que o tirou de cena rapidamente, colocando Raf Simons na posição. Por meio de uma coleção criada em menos de três meses, sua visão criativa para a Maison chegou às passarelas, recuperando conceitos mais tradicionais de vestimenta, com silhuetas acinturadas, bordados florais e pequenas doses de lapelas e tailleurs, resultando em um conjunto sofisticado, delicado e comercial.
Em 2015, último ano de Raf Simons na Dior, o faturamento fechou em 1,87 bilhão de euros, atingindo um crescimento cumulativo de cerca de 50% durante seus três anos e meio à frente da maison, o que criou um terreno estável para a entrada de Maria Grazia Chiuri, que, a longo prazo, multiplicaria esse resultado.
Bernard Arnault, responsável pelo grupo LVMH, que até então detinha a maior parte da Dior, comunicou: “Ela trará sua visão de mulher, ao mesmo tempo elegante e moderna, em perfeita harmonia com os códigos da Maison e com a herança criativa de Monsieur Dior.” Foi justamente nesse ambiente de valorização feminina que sua primeira coleção emergiu, emplacando a camiseta mais desejada da estação, com a frase “We Should All Be Feminists” estampada. Assim, sua primeira estratégia comercial se iniciou, apoiada em uma pauta inflamada e necessária, aplicada em um produto mais democrático que possibilitava que uma clientela mais jovem se identificasse com a marca, ao mesmo tempo que a aproximava financeiramente da realidade de mais pessoas. Como a primeira mulher na direção criativa da empresa em 70 anos, traçou um planejamento de distanciamento do fundador, apresentando-se como uma curadora de tudo o que já tinha sido etiquetado como Dior. Assim, mantém-se até hoje, colaborando com mulheres fotógrafas, esportistas, artistas, artesãs e diretoras.
Coleção após coleção, o discurso que coloca o feminino como centro do desenvolvimento criativo se repetiu e se repete, de forma a enfraquecer a mensagem, que se tornou apenas um plano de fundo para composições extremamente comerciais, bem aceitas pelo consumidor, mas mal aceitas pela crítica. Desde o momento em que sua primeira coleção de alta-costura atingiu os holofotes, os tailleurs, que marcaram a identidade de Christian Dior, tornaram-se cada vez mais presentes, de maneira pouco inovadora, porém, mais uma vez, fortemente atraente para o cliente final. Vestidos fluídos e românticos, assim como modelagens que remetem à Grécia Antiga, tornaram-se parte essencial das coleções, geralmente posicionados do meio para o final do desfile, agradando clientes mais tradicionais e conservadores também.
O comprimento principal? Midi, ideal para que os sapatos sejam vistos e desejados.
Nesse contexto, a Dior entra para o grupo de empresas mais lucrativas e que apresentam o crescimento mais rápido do mercado, com uma margem de lucro de 35%, que a coloca atrás apenas da Louis Vuitton, Gucci e Hermès. Para além do trabalho de Chiuri, que coloca o foco no produto, fugindo do ideal de construção de narrativa e influência cultural do luxo, esse resultado se deve a diversas estratégias possibilitadas pela aquisição completa da Maison pelo grupo LVMH, em 2017. Assim, o panorama completo conta com um alto investimento em marketing, aproximação das celebridades como embaixadoras, abertura de novas lojas, fortalecimento do e-commerce ao redor do mundo e desenvolvimento de flagships esculturais o suficiente para se tornarem pontos atrativos tanto para os turistas quanto para os desejáveis VICs (Very Important Clients, clientes muito importantes).
Apesar do sucesso louvável, após a pandemia a popularidade começou a ser fortemente afetada pelas críticas cada vez mais disseminadas, que começaram a derrubar um dos principais gatilhos da moda de alto padrão: a antecipação de cada desfile. Enquanto Arnault ressalta que a marca continua se destacando em relação às suas concorrentes, analistas indicam uma queda de dígito duplo ao longo dos últimos meses. Isso influenciou na saída de Kim Jones, diretor criativo menswear da marca, e, consequentemente, na direção criativa de Maria Grazia Chiuri, que parece flertar com o fim, tendo atingido 9 bilhões de euros de faturamento em 2023, um crescimento de 360% do faturamento da empresa sob seu comando criativo.
A moda foi transformada pela Maison Christian Dior diversas vezes desde sua estreia, em especial sob direção de seu fundador, de Galliano e, agora, de Chiuri, mas crescer como empresa é reconhecer a necessidade de mudar de tempos em tempos, abrir espaço para o novo e tomar riscos.
Ao longo dos últimos três anos, em especial, poucas foram as polêmicas frias, mas também poucas foram as polêmicas quentes. Quão prestigiada é uma marca morna em pleno 2025?