Rocksport x Hick Duarte
Rocksport x Hick Duarte
Era início de 2022, mais precisamente fevereiro, quando Felipe Oliveira e Hick Duarte se encontraram em Salvador. Felipe, skatista e artista soteropolitano, se uniu ao fotógrafo para um shooting da WORLDXIT, seu projeto voltado à moda. Tendo a realidade e a autenticidade como ponto de partida de suas criações, Felipe reuniu personalidades que expressam uma relação autêntica entre território, ideologia e representação estética – algo que continua a desenvolver através da Rocksport, que tem servido como espécie de plataforma criativa reunindo projetos transdisciplinares na música, moda e cultura.
Felipe, também conhecido como Lookdatshit ou apenas Luk, prefere não definir em palavras sua prática artística, pautada principalmente pelas artes visuais. Tal exercício ele transfere à lírica de artistas reunidos na mixtape Rocksport Tape Vol. I.
No mesmo mês de fevereiro, Luk ajudou a reunir produtores musicais de São Paulo e dez artistas de Salvador para a primeira grande realização da Rocksport, uma coletânea de 23 faixas. Com faixas intensas e curtas (nenhuma maior do que 2 minutos e 40 segundos), ouvir a tape é como ouvir uma rádio enquanto se passeia por Salvador, passando desde as praias e ilhas paradisíacas que atraem turistas do mundo todo, até os bairros mais distantes como Cajazeiras 10 e Camaçari.
Caue Gas é o produtor musical por trás da maior parte das produções do projeto e fundador da Smokingthegas, selo responsável pelo lançamento. Ao lado dos produtores soteropolitanos Geeli, Luan Òwe e Pivaratu, passou sete dias gravando os artistas que se intercalaram durante as madrugadas quentes de Salvador: MCDO, vocalista da banda Afrocidade, Fiteck, Devil Gremory, Swatch 10, Luan Òwe, Pivaratu e Jxkv. Contaram também com a participação especial de Camila de Alexandre, que fez backing vocal em duas faixas. A direção executiva do projeto ficou por conta de Isa Talamini. Apesar de não haver nenhuma guitarra no estúdio, é impossível negar o termo “Rock” para designar o projeto. É o rock dos dias atuais, rock como esporte, forma de viver. Como o próprio idealizador Lookdatshit canta em uma das faixas, “antes usava camisa de rock, hoje eu sou o próprio rock”.
A capa escolhida foi uma fotografia de Hick do rosto de Ruan Skatipunk, skatista, artista e tatuador do Leste de Amaralina que acabou colaborando com Hick na performance 7FA, um projeto da Fenda Space. Nos dias que seguiram ao lançamento, o rosto de Ruan rapidamente se espalhou pelas redes como divulgação. A conexão entre Salvador e São Paulo continuou quando Luk e alguns dos artistas vieram à capital paulista para se apresentar em um projeto desenvolvido pela Rocksport ao lado da Converse Brasil. Novamente em estúdio, foi o momento de criar novas músicas, videoclipes, e elaborar o merch que acompanha a mixtape. As fotografias que sucederam, são registros que resumem a última temporada em na capital paulista, onde se reuniram skatistas do Rio, Bahia, Pernambuco e São Paulo. Nomes como Bebel da Chatuba, Jean Cruz, Bobinho, Allana Amor Divino e Ìyá, além do artista soteropolitano Devil Gremory.
Reunimos Hick Duarte e Luk para um papo sobre essa colaboração entre eles que resultaram nas imagens que você vê aqui.
Hick: Fala Luk! Tava lembrando aqui do nosso último dia de fotos em Salvador em fevereiro desse ano. Nunca vou me esquecer daqueles dias, da locação no Rio Vermelho, do tanto de gente massa que conheci e me aproximei desde então.
Felipe: Com certeza Hick, bom demais puder levar você pra conhecer a nossa visão da cidade, onde a gente anda, você foi uns dias no spot de skate que a gente anda também, foi massa levar uma galera daqui de São Paulo pra lá pra conhecer a parte da nossa visão da cidade, fotografar lá com a gente.
Hick: Qual sua foto preferida desse dia?
Felipe: Eu gosto muito da foto minha com o cavalo, é uma coisa que sempre tive na minha cabeça nos guetos de Salvador, que sempre vi cavalos, no cenário de favela, é salvo na minha mente isso. Puder fazer aquelas ali do alto de Ondina, com o mar de fundo tudo isso, com meus amigos por perto, sei lá, faz tempo que tô com essas coisas na cabeça que queria mostrar de uma forma foda de salvador sabe.
Hick: Essa bate muito forte aqui também. Nesse tipo de shooting mais despretensioso e orgânico a gente sente quando algo muito especial tá surgindo na frente da câmera, uma espécie de calafrio rola ali na hora. Eu curto que essas imagens todas têm um tom poético-documental. É um rolê assistido, mas com um cuidado de composição pras imagens serem especiais o suficiente pra se tornarem eternas, durarem um tempo. E fazer esse exercício em Salvador então. Um privilégio.
Felipe: Pra mim então, tentei arrumar os cavalos que vi um dia que fui lá no alto, fui meio que atrás, perguntei aos moleques que moravam por lá e conseguimos conhecer os donos dos cavalos, foi massa conseguir fazer do jeito mais original, ali é o pico onde os cavalos sempre estão mesmo, com maior vista insana pro mar.
Hick Duarte: Cena épica!
Felipe: Com certeza, você amassou totalmente nas fotos, não dá pra acreditar, não acredito até que é eu ali, sei lá, não sei explicar.
Hick: Luk, como vc descreveria a Rocksport hoje?
Felipe: Sinceramente acho que não consigo arredondar totalmente pra palavras sobre a Rocksport no momento, comecei com a ideia de juntar umas mentes criativas, de amigos e pessoas que estavam dispostas a lançar uns trampos fodas, e não necessariamente tinha acesso pra conseguir fazer e finalizar o processo de alguns trampos sozinhos, então comecei a tentar reunir pessoas fodas que conhecia no momento, colocar o nome que era uma coisa que tinha na mente já fazia uns anos, e foi.
Hick: Juntar talentos pra colocar coisa na rua. É um tipo de pensamento que me motiva também.
Felipe: Juntando por exemplo, o Caue Gas, que é foda da produção, com os moleques de Salvador, junto com a Xuxu que vem nos vídeos, a Isa dando uma estruturada ajudando a por o pé mais no chão pra fazer os processos fluírem e acontecer. Assim tá indo bem legal, apesar dos obstáculos eu sinto que tá fluindo até mais rápido do que imaginei, tô muito feliz como tá fluindo as coisas vendo os trabalhos na pista pra todo mundo ver.
Finalizar esse ano com essa coisa fechada vai ser uma sensação da hora.
Hick: Eu acho que essa vontade e capacidade de articulação que vocês têm para os projetos saírem do papel é algo muito especial e que acaba falando muito sobre a juventude brasileira. Nunca foi tão importante entender o poder da individualidade mas também da inteligência coletiva, da colaboração, e na prática isso é mais difícil do que parece. Tem a ver com se desprender do ego, entender que construção criativa é erro e acerto, que consistência vem com o tempo.
Felipe: Com certeza!!! Eu concordo totalmente, fui ajudado por muita gente no skateboard pra conseguir o que tenho sabe?? Tive que sair de salvador contar com pessoas do outro lado do Brasil pra fazer acontecer, confiar também tudo isso.
E sinto que fora do skate isso já fica bem mais difícil, a geração de agora sofre bastante com isso em salvador, de não conseguir conectar as coisas bem, devido a problemas na cidade mesmo ou questões de bairro pra bairro, problemas de facçao que priva a galera de ir de um bairro pra outro, isso é foda em salvador, complica demais todo o processo, acredito que a gente do skate consegue contribuir legal com isso, por já estar sempre na rua e contar com pessoas que vc nunca viu as vezes, sabe?
Hick: Total, mano. O skate como ferramenta pra transitar entre vários espaços, estender esse raciocínio para outras práticas artísticas. Muito foda essa associação. A mixtape, por exemplo. Tava conversando com o Cauê o quanto foi importante ela sair nesse segundo semestre, porque no final é um fragmento do tempo, é um retrato do que vocês viveram até então e estão vivendo esse ano.
Felipe: Exatamente, foi ótimo ver o processo maturar, o Caue mexer nas músicas com calma depois, mixar e masterizar tudo, daí conseguir fazer o lançamento on-line, fizemos festa em SP, mesmo que infelizmente não estavam todos que participaram da tape presentes em São Paulo, mas Devil e Swatch conseguiram vir através de outro trampo que fizemos e eles ficaram uma temporada em São Paulo, então pra mim é mais que gratificante ver que conseguimos mexer na estrutura um pouco, fazer as coisas que tá na nossa cabeça acontecerem independentes empecilhos praticamente estruturais já do sistema.
Hick: Importante a dedicação e o acabamento pras coisas saírem da forma mais redonda possível, mas existe um equilíbrio entre preciosismo e timing que deve ser alcançado. E acho que a Rocksport Tape Vol. 1 saiu na hora que tinha que sair, encontrou muita gente que estava precisando ouvir aquilo, se identificar com algo com aquela força e estilo, feito na Bahia.
Felipe: Que bom que você acha isso de verdade, por exemplo você mesmo, já tem sua carreira estruturada já cada vez mais alcançando coisas que acredito que você queria muito e que levaria tempo, é muito bom poder ter você junto construindo essas coisas, sinto que durante um bom tempo a gente de Salvador devido há alguns problemas técnicos, ou falta de conexões verdadeiras, não conseguíamos fazer o trampo, finalizar de uma forma bem redonda, como conseguimos fazer com a mixtape dos meninos, o Caue ajudou demais o bicho é muito organizado, muito mesmo! A Isa também ajudando na produção executiva, o Stuque, as pessoas assim que tão ali que fizeram demais a diferença pra essas coisas saírem tudo certinho.
Hick: Total, mano. O skate como ferramenta pra transitar entre vários espaços, estender esse raciocínio para outras práticas artísticas.
Felipe: Isso mesmo! Com certeza! Eu concordo totalmente, fui ajudado por muita gente no skateboard pra conseguir o que tenho sabe? Tive que sair de Salvador, contar com pessoas do outro lado do Brasil pra fazer acontecer, confiar também.
Felipe: A geração de agora sofre bastante com isso em Salvador, de não conseguir conectar as coisas bem, devido a problemas na cidade mesmo ou questões de bairro pra bairro, problemas de facção que priva a galera de ir de um bairro pra outro, isso é foda em Salvador, complica demais todo o processo, acredito que a gente do skate consegue contribuir legal com isso, por já estar sempre na rua e contar com pessoas que vc nunca viu as vezes, sabe?
Hick: Total, mano. O skate como ferramenta pra transitar entre vários espaços, estender esse raciocínio para outras práticas artísticas…muito foda essa associação.
Felipe: Isso mesmo! Em Salvador agora tá uma coisa muito boa que lutei anos tentando levantar essa bandeira, já tem anos que só tem aparecido mais pessoas fodas, skatistas artistas. Durante um bom tempo levantei uma bandeira que me sentia muitas vezes sozinho devido esses problemas de conectar as pessoas mesmo. Agora sinto que tá cada vez mais fácil a galera mais nova tá mais antenada que as coisas tem que ser assim também.
Hick: Salvador tá efervescente. Na real sempre esteve, é uma cidade que é berço criativo de muita coisa, muita parada que a gente nem imagina, mas só uns 3 anos pra cá que acredito ter feito uma conexão genuína com criativos da cidade e ter começado a entender minimamente o modo de trabalho, as particularidades e fluxo de criação, um pouco do vocabulário estético da cultura jovem também.
Felipe: Sim sim, Salvador tá foda demais, espero uma hora próxima o pessoal consiga sair mais pra trazer coisas pra outros estados do país, indo pessoalmente também fazer viagens, e puder conseguir trabalhar mais diretamente lá de Salvador, que é das coisas que mais sinto que atrapalhou, ficar numa loucura de achar que estava errado ou por não estar seguindo coisas que tava mais rolando no Sudeste ou coisas do tipo. Quero muito ver o pessoal de agora lá conseguir trampar de lá também, porque muitas vezes criamos uma coisa e escutamos muito isso de que “temos que ir pra São Paulo” coisas do tipo.
É isso! É verdade. Também acredito, consegui bastante coisas, contatos principalmente saindo de Salvador e indo pessoalmente pros lugares, meses em São Paulo, viagens pelo Nordeste também tudo isso ajudou demais a Rocksport que tamos fazendo agora
Hick: O Ruan, por exemplo. Mano, não conheço uma pessoa que não encontre esse moleque e não se impressione de alguma forma. Uma presença muito forte, um senso de estilo muito original e um comportamento muito destemido, despreocupado. Uma força e ao mesmo tempo um alento, um olhar de criança. Esse cara é uma das figuras mais autênticas que eu já conheci nos últimos tempos. Fora o talento multidisciplinar. Berimbau, skate, tatuagem, artesão, garimpo de peças raras…
Felipe: Certeza, não é à toa que ele é o símbolo da gente da Rocksport, tudo isso!! Fico feliz de ver Ruan sendo o cara mais foda agora, especificamente eu e ele passamos coisas parecidas em Salvador, tentaram derrubar a gente já de diversas formas, não acreditaram em muitas coisas que a gente já sabia que era o “futuro” próximo entende?? E agora ver ele sendo o que é e todo mundo entendendo de uma forma bem fácil de entender qual que é a dele, é da hora mesmo.
Exatamente também nesse sentido somos parecidos, o amor pelas tattoos, tudo isso, a questão da capoeira, entender o conceito da coisa não só a prática das coisas sabe?? Tentar viver o real lifestyle do que está dentro da sua cabeça do seu coração, Ruan mostra que dá pra fazer suave ahahahaha…fora que o Ruan é o mais bonito e mais bem vestido da gang.
Hick: Na minha pesquisa e investigação sobre juventude brasileira, que já vai completar 10 anos no ano que vem, eu tenho várias fotos que considero históricas pelo valor que carregam não só pra mim numa perspectiva pessoal mas também para as comunidades que elas representam. Esse retrato do Ruan para a capa da Rocksport Tape Vol. 1 com certeza é uma dessas imagens.
Felipe: !!!!!!!!!!!!
Hick: Aproveitando isso, vamos falar do merch. Essa sua ideia de botar a cara do Ruan em tudo foi foda hahaha eu curto que a gente criou um monte de objetos físicos muito especiais, o que no final das contas é tão importante hoje onde só a dimensão online parece importar pra muitos.
Felipe: Não tenho muito mais o que falar eu acho ahahaha, eu concordo totalmente e fico feliz pq quando falei que a capa ia ser Ruan ninguém falou nada ao contrário, foi uma coisa como se todos já soubessem entende?? Tipo ah, Ruan não faz som, então vou por ele na capa pq ele é a nossa ref. Doideira né?? Por que não pensávamos em Merch quando fizemos a foto, na verdade não tínhamos ideia nem de quando ia sair exatamente a mixtape ahahahaha. Então ver tudo certinho na pista, e os merchs prontos foi tipo, eu ri demais quando fui pegando na mão cada um dos produtos assim. Eu não acreditei vendo Ruan em tudo!
Hick: Foi muito intuitivo, mano! Isso é muito foda de pensar hoje, como as coisas se desenharam assim. E agora ainda estamos no FFW contando tudo isso.
Felipe: Por que já estava há semanas a foto dele no perfil de todo mundo nas redes, Instagram Twitter, até Vandal colocou a foto do perfil, falei pra Ruan, agora você zerou irmão!!! Pode ficar tranquilo agora.
Hick: Com Vandal zerou mesmo.
Felipe: Foda né? Penso o mesmo, muito obrigado também botar fé e fazer todo corre que vc fez pra as coisas andarem, a sua parte hiper bem feito e entregue do jeito foda, faz a gente colocar no nível que a gente sabe que pode ser as coisas por aqui.
Hick: Mano, eu quem agradeço. Esse tipo de projeto e conexão me alimentam num grau inexplicável. Me fazem ter mais certeza do que mais gosto de fazer, do que me move e do que aquece meu coração nesse fluxo louco da vida. Não vou nem me estender muito porque o papo vira existencial rapidinho hahahah.
–
Fotos: Hick Duarte
Casting: Bebel da Chatuba, Jean Cruz, Bobinho, Allana Amor Divino e Ìyá, Devil Gremory, Cauê (Smokingthegas), Swatch, Luan Ówe, Ruan Skatipunk, Alexandre Grant, Maria Clara Balbina, Enzo Silva.