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    “Sou uma marca global baseada em São Paulo. E sou um designer brasileiro”

    Em entrevista ao FFW, Airon Martin, da Misci fala sobre o novo momento da marca que está entrando com os dois pés no mercado internacional.

    “Sou uma marca global baseada em São Paulo. E sou um designer brasileiro”

    Em entrevista ao FFW, Airon Martin, da Misci fala sobre o novo momento da marca que está entrando com os dois pés no mercado internacional.

    POR Guilherme Rocha

    O grande muro branco e sólido do sobrado onde fica o ateliê da Misci, no Pacaembu deixa entrever, por duas frestas do portão uma pessoa que se aproxima. De calça jeans oversized e t-shirt preta, ar casual, Airon Martin, que por coincidência passava por ali, percebe que tem visita e vem abrir a porta. Na véspera do desfile da grife que ele criou há cinco anos e que acontece nesta quinta (24.04), o estilista recebe o FFW como se esperasse um conhecido para um café em casa. Não parece que está a menos de 24h de apresentar uma coleção num esquema de superprodução no prédio da Bienal (SP), a menos de meia hora de receber a atriz Beth Faria, que estará presente por conta do tema da coleção, Tieta. Conversa brevemente, para logo desaparecer no salão. Mas se mantém tranquilo. “Sou um cara de negócios”, diria mais tarde, durante a entrevista, que aconteceu na pequena sala de provas de roupa toda branca, no segundo andar, enquanto a atriz da novela Tieta (1989) o esperava para a prova de roupas. 

    O negócio vai bem, obrigada: o ateliê espaçoso e minimalista, todo branco por dentro, cercado por um jardim exterior, foi inaugurado no fim do ano passado e parece um símbolo da nova fase da empresa que hoje emprega mais de 50 funcionários, tem três lojas em São Paulo (Pinheiros, Jardins e shopping Cidade Jardim), vende em 40 multimarcas pelo Brasil e está em processo de internacionalização. Aos 32 anos, vindo de Sinop, no Mato Grosso, sem investidor (ele garante, desmentindo os boatos) além do marido e sócio desde a abertura da grife, o designer se transformou em um case de sucesso de uma marca de moda independente que conseguiu se tornar uma empresa rentável – “a gente cresceu do ano passado para este, 235%, mais ou menos”. 

    Airon conseguiu criar um conceito e uma identidade de marca, numa fórmula que não só não tem vergonha de se posicionar como comercial, como investe nisso. Para ele, este é um dos problemas das marcas brasileiras independentes que não conseguem decolar. “É uma relação criativa, um olhar 360º, não é só olhar para a roupa, não é só fazer um desfile da São Paulo Fashion Week, é fazer um desfile e você ter convidados usando sua marca, você ter distribuição. Não adianta fazer só o desfile e morrer ali”, diz. E complementa. “Pensar em negócio faz parte da direção criativa hoje. Pensar no produto, como o produto vai ser comunicado, quem vai usar e o quanto vai vender. E qual vai ser a aposta, qual é a cobertura de estoque, para onde vai. A estratégia do produto também faz parte do negócio.” 

    Em processo de internacionalização, a Misci acabou de assinar com uma agência de relações públicas poderosa em Paris (a Spread the World, recém-aberta por Julien Dufour, ex-vice-presidente de comunicação da Karla Otto) e um projeto de colocar a grife nas principais multimarcas e lojas de departamento pelo mundo. “A gente está num momento de negociações com dois players. Um deles é um dos maiores distribuidores de luxo do mundo. Devemos assinar (o contrato) em duas semanas”, adianta Airon. Um dos desafios, agora é o de ultrapassar, segundo o designer, o preconceito que ainda existe em relação à moda feita no Brasil lá fora que, segundo ele, ainda é a da roupa colorida e estampada e com produtos de design simples. “Eu, como marca brasileira, carrego todas as problemáticas que a marca Brasil carrega. Um relógio bom é um relógio suíço. O chinelo é brasileiro.” Talvez por isso, ele venha se posicionando contra a divisão de nomenclatura entre moda brasileira e moda internacional em conversas com editores de várias publicações, defendendo que tudo seja considerado apenas moda. Mas então, você não se considera uma marca de moda brasileira, pergunto? “Sou uma marca global baseada em São Paulo. E sou um designer brasileiro.”

    A seguir, leia uma edição de trechos da entrevista com Airon Martin. 

    FFW: Por que o tema Tieta?

    Airon Martin: Tieta é uma personagem muito importante para esse momento que a gente vive. Falando de sociedade, falando de tendência de conservadorismo, não era o Brasil novo (o da novela). Assisti ao filme (Tieta do Agreste, 1996), assisti toda a novela (Tieta, da Globo, 1989). A novela é muito longa, são quase 200 capítulos. E foi um bom exercício de ter que assistir à novela, mais do que ler o livro, para mim. Primeiro porque a novela é muito boa. E segundo porque é um tempo completamente diferente do que o que a gente assiste hoje, né? Os personagens são mais profundos do que nos filmes e nas séries de hoje. 

    Você comentou que está fazendo agora o que te faz “dormir bem”, e o que você acha que o mercado precisa. O que o mercado de moda precisa, na sua opinião? 

    O mercado precisa arriscar. O mercado precisa de uma Tieta. Quando falo Tieta eu não falo de uma mulher, eu falo de uma ideia. Não é sobre uma Tieta que é negra, ou que é branca, ou que é gorda, ou que é magra. Uma Tieta que é uma ideia de uma mulher progressista, que se comunica com todos os extremos. No meu desfile você vê o Carlinhos Maia e o Emicida sentados. Quem faz isso, sabe? 

    O que você acha que falta para as marcas independentes de moda conseguirem um sucesso como o da Misci?

    Diretores criativos e dinheiro, os dois. A maioria dessas marcas são feitas por estilistas, não por diretores criativos. Isso faz total diferença. A gente tem muitos bons estilistas no Brasil, mas a gente quase não tem diretor criativo. É uma relação criativa, um olhar 360º, não é só olhar para a roupa, não é só fazer um desfile da São Paulo Fashion Week, é fazer um desfile e você ter convidados usando sua marca, você ter distribuição. Não adianta fazer só o desfile e morrer ali. Falta estratégia para essas marcas, de pensar global e de pensar também o produto e pensar como ele vai ser apresentado, pensar quem vai vestir e ir atrás disso.

    Como você acha que o mercado internacional enxerga a sua marca? O que você acha que eles esperam ver numa marca brasileira? É o mesmo que no passado, algo ligado a cores e estampas tropicais?

    Ainda, óbvio. A gente teve esse problema no primeiro showroom que fizemos, em Milão. Um cara importante veio falar que tinha que fazer mais estampas. Aí a gente fez uma coleção inteira lisa, para mostrar que também temos outras coisas, sabe? Nem foi bom, porque o acessório fez muito mais sucesso do que essa roupa lisa. A gente não conseguiu um destaque grande na roupa, então agora eu estou fazendo o que eu gosto mesmo e foda-se o que o gringo quer de mim. Mas a gente tem esse posicionamento de, antes de tudo, de [o mercado internacional] saber que a gente é uma marca brasileira, de saber que sou uma marca global baseada em São Paulo.

    Queria que você contasse mais sobre esse momento de investimento internacional. O que que ele significa e por que você resolveu fazer esse investimento agora?
    A marca começou a crescer lá fora. Entrei para a lista do Business of Fashion. Fazia muito tempo que um estilista brasileiro não entrava para a lista. Isso me trouxe muita gente olhando para a minha marca, para o meu negócio, em Londres, na França, e eu comecei aí, naturalmente, porque nem eu esperava entrar para a lista do Business of Fashion tão cedo, sabe? Entrei, foi vindo gente, e aí virou estratégia também.



    O que você tem de concreto em termos internacionais até agora?

    Estamos com a Spread the World, agência de PR recém-aberta por Julien Dufour, que era vice-presidente de comunicação da Karla Otto. A gente está num momento de negociações com dois players. Um deles é um dos maiores distribuidores de luxo do mundo. Devemos assinar (o contrato) em duas semanas.

    Você teve recentemente uma discussão com alguns editores de moda, em que você defendia não ser positiva essa divisão de moda brasileira e moda internacional. Gostaria que você comentasse essa posição.

    As pessoas falam, ‘mas é muito europeu o produto do Airon’, sei lá. O que é europeu? Porque a Europa, para construir a identidade de moda dela, se apropriou de todas as culturas do mundo. Era muito normal a apropriação cultural na formação da moda europeia, francesa principalmente. E a gente é uma marca global, que precisa ter os códigos de desejo global.

    Então você não se considera uma marca brasileira?

    Eu sou uma marca brasileira.

    De moda brasileira?

    Sou um designer brasileiro numa marca global baseada em São Paulo. Sou um designer brasileiro.

    Você acha que isso vale para você, mas não necessariamente para a moda brasileira, em geral?

    Esse é um problema sério que não está no meu controle. Que é o place branding. A imagem do Brasil lá fora, a gente tem um problema grave na falta de projeto, de investimento da própria Apex e Abest. E eu tenho que fazer tudo sozinho, sem apoio de ninguém, de forma orgânica, sabe? Quando a gente fala de uma marca brasileira, na construção de uma marca com esse nível de place branding em Brasil, eu, como marca brasileira, carrego todas as problemáticas que a “marca país” carrega. Um relógio bom é um relógio suíço. O chinelo é brasileiro. Todas essas problemáticas são atributos do preconceito que o mercado vai ter em relação ao meu produto. Então, a minha estratégia é: primeiro, eu preciso que as pessoas tenham acesso ao meu produto. Depois, elas descobrem que é brasileiro. Esse preconceito vem de uma falta de estratégia, de place branding em Brasil. É um projeto diferente do da Colômbia, que hoje tem um café superimportante no mundo. 


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