Alice Moura, fundadora do site “Rent a Local Friend” ©Felipe Abe
Já pensou qual é a chance de você ir para o México e acabar na festa de 40 anos da tia de um amigo seu? Nenhuma na verdade, se você viajar com um guia, mas total se você viajar com um amigo. O nosso Jovens Empreendedores de hoje é sobre o serviço criado por uma paulista apaixonada pela arte de viajar e de conhecer o que de mais escondido as cidades têm para oferecer. Alice Moura tem 30 anos e possui um mantra no qual baseou todo o seu negócio: “Ser turista é um saco, é muito mais legal viajar com um amigo do que com um guia”. Editora da revista “Time Out” do Rio de Janeiro há três anos, Alice encontrou e propõe uma forma alternativa de viajar, alugando amigos pelo mundo. Hoje o serviço que criou, “Rent a Local Friend”, tem 200 bookings e mais de 500 pedidos mensais de aluguel dos 120 amigos espalhados por vários países. Confira abaixo a entrevista que o FFW fez com a criadora do site no Rio de Janeiro e saiba tudo sobre este novo serviço:
Como começou o “Rent a Local Friend”?
Sou jornalista e estava trabalhando em Londres, antes de me mudar para Lisboa. Trabalhei na BBC e na CNN, jornalismo puro. Mas o que eu sempre gostei era escrever sobre viagem, então fora o hard news eu sempre fiz textos para revistas de viagem, tinha o meu blog “Local Life London”, em Londres. Sempre gostei mais de um jornalismo de entretenimento sobre tendências de viagem e cultura do que hard news. Em 2008, decidi ir para Lisboa passar um mês porque não via o sol há três anos, ir de férias mesmo. Eu que nunca tinha ido, adorei, me apaixonei pelo lifestyle e achei a cidade muito cultural. E era uma cultura muito underground, no sentido de ter muitas coisas escondidas, uma coisa que depois percebi que era muito típica, de descer umas escadinhas e daí tinha um jazz rolando, sem placa nenhuma. Não é uma cidade óbvia e para mim foi muito estimulante descobrir todos os lugarzinhos. Fui ficando e depois de três meses eu falei, “acho que eu estou morando aqui”. Decidi mudar o meu blog de “Local Life London” para “Local Life Lisbon” e virei um pouco de referência para as pessoas que vinham para Portugal do Brasil. O “primo do amigo” que me pedia para dar umas dicas, a minha casa acabou virando hotel, eu saía para tomar café com as pessoas e levava para conhecer a cidade. Sabe aquela coisa que falam de a pessoa estar te alugando? De brincadeira eu coloquei no blog que as pessoas ficavam me alugando e eu falei “rent me for the day” [me aluga por um dia] logo! Aí fiz um post tipo se você quiser um “local friend” para mostrar a cidade, “rent me for the day”! E esse post fez um sucesso incrível. Virou uma coisa engraçada: como assim, vou alugar um amigo? Porque o meu papel era ser um amigo, não era uma coisa cínica. Você não é guia, não vai vender o restaurante do seu primo, você está lá sem nenhuma agenda e sem nenhum compromisso, é uma coisa livre. Aí eu criei o blog “Rent a Local Friend”.
E como isso virou um trabalho?
Eu tinha um amigo que trabalhava no “Times” que foi fazer uma matéria sobre um evento náutico em Lisboa e me contatou. Na época já mandei o link. E ele achou o máximo e falou que achava incrível o meu novo trabalho. Fiquei pensando se aquilo seria mesmo o meu novo trabalho. Eu não estava trabalhando, não tinha nenhuma ocupação na época, só saía com a minha motinha e com o meu moleskine e ficava anotando as coisas que eu achava legais na cidade. Aí esse amigo fez uma citação com agradecimentos incríveis para o serviço da Alice, colocou o endereço do blog e como saiu no “Times”, que é um veículo importante, comecei a receber um monte de e-mails de pedidos de orçamento e para marcar dias comigo.
Só você?
Depois de um mês eu já tinha uns amigos me ajudando porque eu já não conseguia mais todos os dias. Eu falava que eu não podia, mas que tinha um amigo ou amiga que podia. Até porque a história do “local friend” é que não sou só eu que tenho capacidade de fazer. E eu comecei a perceber que existia um perfil de pessoas que se encaixava melhor com o perfil de um outro “local friend” e não tanto com o meu, e eu sugeria. Se eu via que o cara era ligado em fotografia, eu aconselhava um amigo que gostasse também do assunto para ele lhe mostrar lugares relacionados com o tema.
Mapa com a indicação das cidades no mundo onde já se pode usufruir do serviço ©Reprodução
E como isso passou para “local friends” em outros países?
Os meus amigos de São Paulo viram o que estava acontecendo e falavam, “olha, se tiver alguém vindo para São Paulo eu também quero participar”. E aí eu coloquei no blog que também tinha “local friend” em São Paulo. A minha prima que morava em Nova York falou que também queria participar e virou uma coisa meio viral, dentro do blog mesmo. Teve muita matéria, muita mídia espontânea porque o tema é legal e interessa às pessoas. E foi crescendo ao longo destes dois anos e meio.
E o que já mudou?
Faz duas semanas que inaugurei uma plataforma, porque o blog estava virando meio “casa da sogra”, eu recebia muito email, não conseguia dar conta e queria voltar para o Brasil. Agora temos booking automático e uma página para cada “local friend”, porque todo mundo queria se expressar, mostrar um vídeo, as pessoas podem se promover e mostrar o seu trabalho. A minha ideia não é centralizar as coisas em mim, a ideia é ter um negócio livre, onde as pessoas se identifiquem umas com as outras para conhecer a cidade através dessa pessoa, sem ter que passar por mim. Até porque nem dá mais. Agora você filtra, faz uma pesquisa e a plataforma te dá uma lista de opções dos “local friends” com o perfil que você escolheu. E agora tem outras novidades, com a plataforma nova você pode encomendar as dicas, que é o guia “Tips and Traps” [Dicas e Armadilhas]. Porque começamos a perceber que as pessoas muitas vezes vêm para uma cidade mas não precisam de ninguém para as acompanhar, só precisam de uma dica do que está acontecendo no momento, ou que lugar devem visitar. No Rio esse guia tem um preço de R$ 25. É um sistema colaborativo, se eu tenho que fazer um itinerário para você, eu que tenho acesso à base de dados dos “local friends”, posso ir lá ver outros lugares que às vezes eu posso até nem conhecer.
Qualquer pessoa pode ser um “local friend”? Como faz a curadoria de quem pode ser um “local friend”?
Agora já temos 120 “local friends” espalhados pelo mundo, sendo que em algumas cidades há mais do que um. Tem alguns requisitos mínimos: inglês básico, conhecer a cidade e ter disponibilidade de horário. Porque também não adianta você ter isso tudo e poder só no domingo à tarde. Você tem que ser freela ou ser dono da sua própria agenda. Porque quando você recebe um pedido, a ideia é que você mais possa do que não possa. Tem a possibilidade de você ficar 4 horas (half day) ou 8 horas (full day). Se quiser depois virar amigo e sair para tomar chopp, por mim tudo bem. (risos) Agora tem uma amiga que trabalha comigo em São Paulo que faz a curadoria. Para você ser um “local friend” tem que preencher esses requisitos e ainda fornecer uma série de informação pessoal, tem que ter um vídeo, que dá uma dinâmica diferente do que ver uma foto. É uma oportunidade que a pessoa tem para se mostrar, mostrar o que ela gosta na cidade e se tornar uma “local friend”.
Rent a Local Friend em Lisboa:
E para quem contrata?
Para a pessoa tem um contrato que ela preenche para contratar o serviço. Porque eu não quero que vire uma rede social, eu estou tranquila de redes sociais. (risos) É uma prestação de serviço. E permite às pessoas fazerem programas fora do turístico. Porque eu coloco no site até meio como uma assinatura, que ser turista é um saco. Não tem nada pior do que você estar no Rio de Jáneiro sem saber o que fazer ou porque o guia está defasado ou porque você não sabe; em vez de estar em um restaurante mega legal e típico, você está em um restaurante que tem o cardápio em sete línguas que é onde ninguém gostaria de estar. O objetivo é fazer coisas mais locais em vez de um negócio meio Disney.
Já teve histórias de “local friends” que viram amigos das pessoas que os contratam?
Muitas! Já aconteceu de a pessoa ficar amigo dos amigos do “local friend”. Na semana passada teve um alemão que foi para o México e o “local friend” levou-o para o aniversário de 40 anos da tia. O alemão amou a ideia, foi e divertiu-se horrores. Porque qual é a chance de você ir para o México e acabar na festa de 40 anos de uma local? Já aconteceu história de paquera também! (risos) Porque é assim, eu não tenho nada a ver com isso. Eu acho que o futuro da internet é ser uma coisa livre, colaborativa, cada vez mais, e eu não quero interferir. O serviço tem as condições, mas eu não proíbo nada. A ideia é você fazer um amigo e conhecer a cidade, o que acontece depois disso não é da minha conta! (risos) Já teve até “local friends” que celebraram casamento! Porque o trabalho se desdobra. Pode ser ajudar com burocracias ou com pesquisas sobre a cidade, tudo vale.
E quanto custa alugar um amigo?
Cada cidade tem o seu preço, mas no Rio por exemplo, meio dia custa R$ 180 e o dia inteiro R$ 280, até duas pessoas. Daí todo o resto fica a critério, nos passeios que envolvem almoço por exemplo, o “local friend” pode voltar mais tarde, ou as pessoas se oferecem para pagar, depende muito do bom senso e do acordo entre ambas as partes.
E se forem oito pessoas por exemplo?
Eu não quero moderar o que acontece, porque tudo depende do acordo, mas eu acho que quem vai em oito pessoas já tem outro programa, outra dinâmica. Porque muitas vezes o programa envolve apanhar ônibus ou metrô, ou mesmo ir a pé conhecer os lugares.
E como funciona o pagamento — o “local friend” recebe tudo ou o site tem uma comissão?
O booking é feito através do site em que quem contrata paga 30% do valor e o resto paga ao “local friend” no dia do encontro. Esse dinheiro eu uso para fazer todas as melhorias no site, que na minha cabeça são milhares! (risos) É um trabalho eterno.
Qual foi o investimento que você fez no site?
A beleza da internet é essa, é que não precisa de um capital inicial. Agora, para fazer a plataforma, contratei um web designer e um programador, porque eu não programo. Na plataforma investi R$ 15 mil com dinheiro que eu já tinha feito com o site e com algum dinheiro que eu investi. Mas a plataforma nunca está pronta, internet é um mundo.
Qual o objetivo final?
O objetivo é crescer mesmo. Os planos são expandir no Brasil. A minha ideia é interferir cada vez menos, deixar as pessoas usarem a plataforma e que os utilizadores vejam ali um ponto de encontro. Quero também que tenha mais divulgação, com esse movimento todo que está por vir com a Copa e tudo o mais.