Mal estreou nos Estados Unidos e Sorry to Bother You já é considerado um dos filmes mais relevantes do ano. É a estreia na direção do rapper e ativista Boots Riley, também vocalista da banda The Coup, com um forte viés político.
Natural que o coração do filme esteja na injustiça social e econômica e nas lutas do povo negro, mas Riley injeta uma boa dose de humor negro na história, então apear de tratar de questões sérias e urgentes, o filme entra na categoria comédia.
Além do roteiro com momentos surrealistas e da atuação incrível de Lakeith Stanfield, que interpreta o personagem principal Cassius Green, quem também merece destaque é Detroit (Tessa Thompson), com seu estilo bold que combina com sua personalidade ousada e corajosa.
E dentro desse contexto – o estilo de Detroit – são os brincos que ela usa que roubam a cena e já viraram um statement não só da personagem, mas do filme como um todo.
Eles foram desenhados pelo designer Jason Kisvarday e o ilustrador de livros infantis J. Otto Seibold, que reproduziram palavras, frases e letras de música.
Em uma cena, Detroit usa de um lado um brinco escrito Kill Kill Kill e do outro Murder Murder Murder. Muitas vezes, as peças ficam escondidas por baixo dos cachos de Detroit, mas eles sempre trazem mensagens, seja uma frase tirada de The Lonesome Death of Hattie Carroll, música de Bob Dylan sobre a morte de uma bartender negra, agredida por um homem bêbado e branco nos anos 60, ou de Partyup, do Prince: You’re Gonna Have To Fight Your Own Damn War. Outros brincos carregam as frases Tell Homeland Security We Are The Bomb, tirada de uma música da banda The Coup, do próprio diretor.
A figurinista Deirdra Elizabeth Govan se inspirou nos brincos divertidos e oversized dos anos 80. Govan trabalhou como assistente de figurino do filme Roxanne Roxanne (falamos dele aqui), sobre a rapper Roxanne Shante nos anos 80, então ela chegou já com bastante pesquisa e referência. Ao site The Racked, Govan diz que a base do figurino de Detroit é “Afropunk-Afrofuturism”.
Com os maxi brincos prontos, Deirdra teve que saber como balancear com as roupas para que um não apagasse o outro. “Precisava ter um equilíbrio e um tom, e isso não foi fácil de gerenciar. É como se fossem duas celebridades: uma não pode ofuscar a outra”, disse. O resultado não poderia ser melhor – dentro dessa necessidade bem específica, ela desenvolveu um universo para Detroit, que usa, entre peças estampadas com cara de DIY, a camiseta da Otherwild com o escrito The Future Is female Ejaculation (comprada pela própria atriz), e até um bindi.
Detroit é namorada de Cassius, uma artista e ativista que luta contra as corporações e suas atitudes são refletidas também nas roupas. Até mesmo seu nome tem um porque, explicado pelo diretor: “tem a ver com o quão representativa a cidade é dos Estados Unidos e do capitalismo como um todo, com sua história de indústria, promessas corporativas, traição do povo, rebeliões, movimentos, lutas e música”, disse Riley ao site Detroit News.
Detroit é a consciência social do filme – e talvez até do próprio Boots Riley – sempre combatendo a exploração, nunca fechando os olhos para a injustiça. “Ela é aquela pessoa que usa cada centímetro do seu corpo, cada centímetro de qualquer parede ao seu lado para falar sobre o que está acontecendo”. E quem diria que um simples par de brincos teria um papel tão forte nessa missão. Com a febre em torno deles, o estúdio logo mandou fazer réplicas para vender no e-commerce oficial ao lado de camisetas, cadernos e garrafinhas, por US$ 35. Com os brincos comercializados por um grande estúdio (Anapurna), a mensagem de resistência ficou apenas no filme. “Tive que aceitar. Nem sempre é justo, mas é uma troca”, disse a figurinista, sem querer, falando uma frase que descreve perfeitamente o dilema do personagem principal. Sem spoilers. O filme deve estrear em breve no Brasil e quem assistir, entenderá.