O mundo pode ser ainda mais complexo e interessante do que se enxerga à primeira vista. Esta é a dinâmica que se desdobra no engenhoso universo – quase paralelo – de Jum Nakao. Depois de cursar eletrônica e se aventurar pelos compêndios da moda, com direito a desfiles apoteóticos onde as modelos tiveram os rostos cobertos por enormes cabeças de Playmobil até encenar a ruptura feita através das roupas de papel, o ex-estilista fincou os dois pés numa seara recheada de contradições: a das artes.
João Braga, Paulo Borges, Jum Nakao e Alcino Leite ©Priscilla Villariño/FFW
Do menino introspectivo que amava as engenhocas hi-techs – e aproveitava para desmontar tudo aquilo que encontrava pela frente –, ao performático acadêmico que mantém o viés transgressor, pouca coisa mudou. Aos 43 anos, ele continua reeditando as verdades e desconstruindo os conceitos. Com uma bossa a mais, claro!
Jum Nakao posa à frente da sua instalação Vestígios Vertíveis ©Thiago Monteiro/Fotosite
Por que escolheu começar por uma área tão técnica?
Desde criança não podia ver nenhum brinquedo ou eletrodoméstico que logo desmontava tudo. Eu queria saber como as coisas funcionavam por dentro. Por causa disso, acabei escolhendo a engenharia. Mas me decepcionei, pois ali era um ambiente resistente aos questionamentos.
E foi então que surgiu o desejo de “fazer arte”?
Eu precisava do contato, das contestações, das respostas. E então olhei para a moda, afinal, esta é a cultura que mais se aproxima do ser humano, como se estivesse, literalmente, grudada na pele.
Como foi essa estreia no circuito fashion?
Comecei em 1996, num mercado ainda carente de identidade, cheio de vontade, ideias e ideais.
Jum Nakao transborda seu Vestígios Vertíveis ©Fotosite
Por muito tempo você garantiu o ineditismo na moda.
Acho que dei a minha contribuição. Trabalhar com linguagens tão próximas do corpo, que são usadas para projetar imagens nos demais receptores, é algo muito complexo. É como se cada pessoa criasse o seu “avatar”, e a cada dia este “avatar” elaborasse novos desejos, novas perspectivas e novos projetos.
Qual foi o grande desfile de Jum Nakao?
O último. Quando desenhei uma coleção inteira de papel para simbolizar a ruptura, o fim de um ciclo.
Como você define a moda nacional?
Vejo como um movimento engajado, democrático.
Em quem você aposta neste cenário?
Não dá para citar nomes, pois seria como depreciar ou enaltecer o trabalho de gente muito boa.
Quando a arte se fez de fato?
Eu sempre estive envolvido com a arte. Depois da moda, notei que ainda podia transformar as pessoas, mas seria numa outra esfera, talvez mais conceitual e instigante. É incrível que o mais importante sempre está no subjetivo, naquilo que os olhos são incapazes de enxergar.
E o que veio depois?
A dedicação acadêmica, a realização de oficinas culturais, palestras, cursos, instalações e intervenções mundo afora.
Como é retornar ao roteiro da moda?
Me sinto em casa – e é um privilégio usar este cenário como base para esta instalação.
A temática foi proposital?
Sim. A minha visão de “anima” se traduz na situação mais corriqueira da vida do brasileiro. É imprescindível compreender os sinais e os signos espalhados pela cena. Estou escondendo o que todos veem numa nova relação com o espaço, tornando-o mais perceptível, palpável. Pode causar certo estranhamento este rompimento com a espacialidade…
Você orquestra o trabalho de outros artistas. Isso interfere no seu processo de criação?
O tempo todo. Se permitir ouvir faz parte do jogo.
Qual a diferença entre apresentar uma coleção e fazer uma intervenção in loco?
É como se eu fosse um músico e optasse por colocar o CD para tocar ou fazer um show ao vivo. São emoções diferentes.
O que esperar dessa intervenção/instalação?
Um ensaio sobre a cegueira!