José Júnior, criador do grupo cultural AfroReggae durante o Fashion Rio ©Ricardo Toscani
Já tínhamos falado aqui sobre o selo AR, criado em parceria entre o grupo cultural AfroReggae e a marca carioca Reserva. As fotos da campanha, clicadas por J.R. Duran, estão expostas no Pier Mauá e atraem os olhares dos visitantes do Fashion Rio Outono/Inverno 2013. No primeiro dia de evento, José Júnior, criador do AfroReggae, e Rony Meisler, presidente da Reserva, estiveram presentes apresentando a iniciativa que os juntou. Os produtos licenciados da coleção Conexões Urbanas estarão disponíveis nas prateleiras das lojas Reserva a partir de 15.11.
A utilização da moda como agente transformador foi o que motivou a Reserva e as restantes empresas que já se mostraram interessadas no licenciamento do selo AR, como Natura e Red Bull. Durante o evento, Júnior contou ao FFW como surgiu a ideia da criação do selo, a parceria com a Reserva e a presença e a importância da moda nas favelas. Leia a seguir:
Quando foi a primeira vez que essa ideia da parceria com a Reserva surgiu para você?
Surgiu quando o Luciano Huck nos aproximou do Rony com o intuito de montarmos algo dentro do presídio de segurança máxima Bangú 3. O Rony foi com os sócios da Reserva conhecer e conversar com os presos. Foi uma experiência que marcou a vida deles. Mas vimos que não era possível montar uma estrutura/confecção no presídio, e o Rony veio com a ideia do selo AR inspirado no selo Red, criado por Bono Vox.
Qual o caminho que espera que o selo AR tome?
O selo AR foi criado com um único objetivo e sem nenhum tipo de hipocrisia: gerar dinheiro para o AfroReggae. Então um dos motivos que mobilizou o Rony e o Luciano Huck foi que a gente pudesse ter a nossa autonomia financeira. Claro que ele tem uma proposta de sustentabilidade, empresas bem posicionadas, mas o que motivou a criar isso foi a independência financeira do AfroReggae.
Que outros desdobramentos esse novo projeto terá ou já tem determinado?
Além do licenciamento para a Reserva fechamos uma parceria com a Luminosidade em que o Paulo Borges virou um embaixador do selo e tem aberto boas portas. A (editora de moda) Lilian Pacce tem sido também de uma generosidade incrível e tem ajudado muito na divulgação. Também fechamos o licenciamento para a Natura, que vem com uma campanha incrível, e ainda Red Bull e Evoke. Esses são os parceiros do AR por enquanto.
Qual a relação das pessoas da favela com a moda ?
Cada vez mais eu acho que existe um estreitamento, não é um volume tão considerável, mas se você levar em consideração os últimos cinco anos para cá, houve uma avanço muito grande. A gente tá lançando um selo chamado AR em que os modelos são ex-traficantes. Nas fotos que estão expostas, do J.R. Duran, todos os modelos são da favela. Claro que se você olhar aqui agora, é uma minoria, mas antes não era praticamente ninguém. Eu acho que começa a ter um diálogo, uma aproximação.
Você pensa em levar a moda às favelas?
Vou te contar uma coisa interessante: em 2007, nós fizemos um desfile da marca AfroReggae (não do AR) no SPFW no Auditório do Ibirapuera (desenhado por Marcelo Sommer). O auditório é um lugar super elitista. Nós levamos mais de 40 modelos, todos negros. Não é que teve preconceito com branco, mas se só tinha branco, pensei em levar 40 negros. Fizemos um desfile caríssimo, com patrocínios e com direção de arte do Gringo Cardia. A gente quis fazer o melhor: levar a favela para dentro de um dos maiores eventos de moda da América Latina. No ano que vem, o Paulo [Borges] tem a vontade de fazer um evento de moda na favela de Vigário Geral. Ou será alguma ação do Fashion Rio ou outra história que ainda está sendo definida, mas será uma ação de moda em uma favela não pacificada, porque Vigário Geral não é pacificada.
Como acha que a moda pode ajudar essas pessoas?
A moda, quando você fala em sustentabilidade, por exemplo, é uma coisa meio contraditória, porque a moda diz para usar isso aqui seis meses, depois usar isso aqui agora, então é uma coisa infinita. De cara ela tem que se repensar se ela é realmente sustentável. Segundo ponto, quando você fala nas camadas populares, é melhor você pensar como essas pessoas podem ter acesso, que é uma outra discussão. O produto que a gente tá fazendo com a Reserva e outras empresas grandes busca a sustentabilidade e a autossuficiência financeira.
Na favela hoje, as pessoas muitas vezes usam calçados mais caros do que os que estão aqui. Teve um encontro uma vez com alguns jovens empresários da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) na favela de Vigário Geral. Quando eu olhava para os pés do pessoal eu podia pensar que os da Fiesp eram os do pessoal da favela. Porque o pessoal da favela usava um tênis de R$ 800 e os empresários da Fiesp estavam usando tênis de R$ 90. Então existe essa ideia de achar que, por serem pobres, as pessoas usam coisas baratas. Joãozinho 30 dizia que quem gosta de miséria e pobreza é intelectual. Favelado e pobre gosta de luxo. A resposta é essa. Não pense que se botar um produto acessível aquelas pessoas não vão comprar. Na época em que saiu o Nike Shox, que foi um sucesso de vendas, quem comprava não era a classe alta, era o preto favelado.
E por que isso acontece?
Porque está no imaginário deles.
Como eles conseguem gastar todo esse dinheiro em um tênis?
Alguns compram e pagam em 15 prestações. Outros por exemplo roubam. Mas a maioria compra.
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O presidente da Reserva, Rony Meisler, que admitiu ter um certo preconceito em relação a juntar a sua marca com “bandido”, também falou ao FFW e explicou quando a sua atitude face à questão mudou:
Rony: Conheci o Júnior através do Luciano Huck, que disse que nós éramos dois malucos e que por isso deveríamos realizar algo juntos. De cara fui honesto e disse ao Júnior que eu tinha minhas ressalvas em ligar a minha marca com bandido. Foi aí que ele me disse que ou eu entendia a importância do AfroReggae pra sociedade, ou não tínhamos como realizarmos qualquer projeto. De fato, a ligação só faria sentido se nos conectássemos. Então me aprofundei na causa, fui ao Bangú 3 conversar com os cabeças do crime organizado no Rio, conheci as sedes do AfroReggae e finalmente caiu a ficha de que o pensamento “bandido bom é bandido morto” não faz sentido simplesmente porque não funciona. A única solução é de fato a reinserção social, oferecer alternativas para que as pessoas deixem o narcotráfico. Isso entendido, comecei a elaborar com o Júnior como poderia colaborar com a causa. Foi aí que veio a ideia do selo: uma solução em que há ganho financeiro para sustentar os projetos socioculturais da instituição, ao mesmo tempo que ajuda a disseminar de maneira positiva a causa. Em vez de empurrar a responsabilidade goela abaixo, estamos propondo uma transformação de ponto de vista.
+Veja na galeria abaixo as imagens da campanha: