Peter Lindbergh construiu para si uma obra composta por imagens que transcendem o tempo. Participante ativo do fenômeno das supermodelos que dominaram a década de 1990, o alemão manteve-se na vanguarda produzindo não apenas fotografias impactantes, mas documentários e filmes sobre criatividade, auto expressão e até sobre a coreógrafa Pina Bausch. Lindbergh é, indiscutivelmente, um dos nomes mais relevantes da moda contemporânea e, ao colaborador com títulos como “Vogue” e “Harper’s Bazaar”, desenvolveu um olhar único sobre a beleza feminina.
Apesar do interesse tardio pela fotografia, que se deu somente em 1971, Lindbergh desde cedo se dedicou à prática artística, sobretudo à pintura. Nascido Peter Brodbeck em 23 de novembro de 1944 em Lissa, que à época fazia parte da Alemanha (hoje a cidade retornou ao seu nome original, Leszno, e integra a Polônia), Lindbergh mudou-se com a família poucos meses depois para Duisburg, localizada na Renânia do Norte-Vestfália, onde passou a infância e adolescência. Aos 18 anos, após um período trabalhando como vitrinista em uma rede de departamentos, transladou-se para Lucerna, na Suíça, mas permaneceu no país por apenas oito meses.
Após deixar a Suíça, Lindbergh mudou-se para Berlim, onde iniciou uma série de cursos noturnos na Academia de Belas Artes; paralelamente, o fotógrafo empreendia trabalhos casuais para se sustentar. O período na capital da Alemanha, no entanto, não durou muito: perseguindo os passos de seu ídolo, Vincent van Gogh (1853-1890), Lindbergh foi de carona a Arles, na França. “Eu preferia buscar ativamente as inspirações de van Gogh a pintar melões na faculdade de Belas Artes. O teto da casa em que eu morei [em Arles] pode ser visto em um dos quadros de van Gogh”, justificou na biografia disponibilizada em seu site oficial. Depois de Arles, Lindbergh continuou sua peregrinação e durante dois anos viajou por vários países, entre eles Espanha e Marrocos.
As três primeiras capas são das edições de março de 1990, janeiro e setembro de 1992 da “Vogue” britânica. Abaixo, capa da “Vogue” chinesa de novembro de 2011, “Vogue” alemã de abril de 2012 e “Vogue” americana de agosto de 2012 ©Peter Lindbergh/Reprodução
As capas da “Numéro” de fev/2010, “Le Monde Magazine” de outubro/2011 e revista “Stern” edição 21 ©Peter Lindbergh/Reprodução
De volta à Alemanha em 1967, Lindbergh começou a estudar pintura livre na Faculdade de Belas Artes de Krefeld, situada na Renânia do Norte-Vestfália, mesma região em que havia morado anteriormente. Ainda como estudante, em 1969, realizou sua primeira exposição como pintor na galeria Denise René – Hans Mayer, mas pouco depois abandonou o curso, apenas um ano antes de graduar-se. Em 1971, Lindbergh passou a trabalhar como assistente do fotógrafo Hans Lux, em Düsseldorf; assim, acidentalmente, surgiu o fascínio pela profissão, que após dois anos de experiência adotou para si próprio. As características que, nestas quase quatro décadas de carreira, converteram-se em marcas de Lindbergh, como a preferência pelas imagens em branco e preto, já se mostravam em 1973, quando ainda era um mero desconhecido.
Em 1977, Willy Fleckhaus, diretor de arte da revista “Twen”, contratou Lindbergh para fotografar o que viria a ser seu primeiro editorial de moda. Logo depois, seguiu-se um ensaio de 14 páginas para a “Stern”. Mas foi apenas em 1978, com a mudança para Paris, que Lindbergh conseguiu sua grande oportunidade ao estabelecer uma bem-sucedida – e duradoura – parceria com a “Vogue”, em especial com as edições italiana, a primeira a recrutá-lo; britânica, alemã, americana e, mais recentemente, chinesa. Em 1985, o Victoria & Albert Museum selecionou parte da obra de Lindbergh para integrar a exposição “Shots of Style” e, no ano seguinte, a Comme des Garçons realizou no Centro George Pompidou, em Paris, sua primeira mostra individual, intitulada “Mode et Photo”.
A capa de estreia de Anna Wintour na “Vogue” americana, em novembro de 1988, e a capa icônica da “Vogue” britânica de janeiro de 1990 ©Peter Lindbergh/Reprodução
Dez anos após a mudança para Paris, em 1988, e com trabalhos publicados em veículos renomados, como “The New Yorker”, “Vanity Fair”, “Allure” e “Rolling Stone”, Anna Wintour convocou Lindbergh para fotografar sua capa de estreia como editora-chefe da “Vogue” americana, na edição de novembro do título. Foi com a “Vogue” britânica, no entanto, que o alemão desenvolveu as imagens mais icônicas de sua carreira: em janeiro de 1990, foi lançada a revista em que as supermodelos Naomi Campbell, Linda Evangelista, Tatjana Patitz, Christy Turlington e Cindy Crawford se reuniram em um editorial todo em branco e preto, ambientado nas ruas de Nova York. O ensaio, além de ter entrado para a história da moda contemporânea, originou o documentário “Models, The Film”, primeiro filme dirigido por Lindbergh.
Já estabelecido – e muito requisitado – internacionalmente, ele assinou em 1992 um contrato de exclusividade de quatro anos com a “Harper’s Bazaar” americana, que à época era comandada pela editora britânica Liz Tilberis. O acordo, que se especula ter extrapolado os sete dígitos, afastou o fotógrafo por 18 anos das publicações da Condé Nast. Em outubro do mesmo ano, a exposição “Smoking Women” foi inaugurada na galeria Gilbert Brownstone, em Paris; e, em 1994, Lindbergh ganhou sua primeira retrospectiva no Bunkamura Museum of Art, em Tóquio. Ainda na década de 1990, entre muitos trabalhos realizados destacam-se o livro “10 Women”, publicado em 1996 com prefácio escrito por Karl Lagerfeld; o calendário Pirelli, também de 1996; o comercial que dirigiu para a Lancôme, com Isabella Rossellini; e o vídeo “Missing You”, de Tina Turner.
– “Missing You”, de Tina Turner com direção de Peter Lindbergh:
Wim Wenders, em 1998, escreveu um texto intitulado “About Peter Lindbergh”, que foi utilizado como prefácio no livro “Stories”, de 2002. Na dissertação, o diretor alemão se questiona como Lindbergh consegue transformar qualquer um através de suas lentes, e finaliza afirmando que a alma de um fotógrafo aparece em suas imagens, e é essa a razão da beleza transcendental do trabalho de Lindbergh, que é dono de personalidade e sorriso genuinamente cativantes. Também em 2002, Lindbergh produziu pela segunda vez o calendário Pirelli, mas, ao contrário do que é habitual no projeto, a edição trouxe apenas atrizes em suas páginas, não modelos. Antes, entre 2000 e 2001, lançou o documentário de 30 minutos “Inner Voices”, que venceu o prêmio do Festival Internacional de Cinema de Toronto, e o filme “Pina Bausch – Der Fensterputzer”, desenvolvido para a emissora britânica Channel 4.
A atriz Jaime King em fotografia da edição de 2002 do calendário Pirelli ©Peter Lindbergh/Reprodução
Já vivendo na França por mais de 30 anos, Lindbergh recebeu em 2001 a condecoração de Cavaleiro da Ordem das Artes e das Letras, uma das maiores honrarias do país. Ao lado de Holly Fisher, o fotógrafo dirigiu seu quarto filme, “Everywhere at Once”, narrado por Jeanne Moreau e lançado no Festival de Cinema de Cannes de 2007. Na mesma década, além dos excepcionais trabalhos já mencionados, Lindbergh teve parte de sua obra incluída na exposição “Model As Muse” (2009), do Metropolitan Museum of Art (MET), em Nova York. Ainda em 2009, Lindbergh foi convidado pela edição alemã da “Vogue” a produzir um ensaio especial para o número de aniversário de 30 anos da revista, o que rendeu um editorial de 120 páginas, posteriormente indicado ao prêmio Lead.
Reese Witherspoon na “Vogue” americana de abril de 2011 ©Peter Lindbergh/Reprodução
No entanto, foi apenas em 2010 que Lindbergh voltou a fotografar para a “Vogue” americana, após um hiato de 18 anos; a partir de então, o alemão tem colaborado frequentemente com a revista. Entre abril e maio de 2011, o Centro de Arte Contemporânea Ullens, de Pequim, organizou uma instalação gigante da obra do alemão, intitulada “The Unknown”, que atraiu mais de 70 mil visitantes e originou o curta-metragem “The Unknown – The Chinese Episode”. Seja em branco e preto ou em cores, nas páginas de publicações editoriais ou nas paredes de galerias, Peter Lindbergh é um dos maiores ícones da fotografia de moda contemporânea: por meio de seu trabalho é possível acompanhar a evolução do segmento, estética e comercialmente, além de ser uma verdadeira ode à figura feminina.
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