A artista participa de uma palestra gratuita no Instituto Tomie Ohtake nesta terça (31.10). Retirada de senha 2 horas antes na portaria do Tomie Ohtake. A palestra de Nan Goldin se apresenta como um novo passo para abordar as relações entre arte, gênero, inserção e sexualidade dentro da instituição. Para a fala, Goldin foi convidada a fazer um depoimento sobre o momento em que iniciou sua produção, uma artista mulher que enfrentava tabus quando a discussão de gênero e a libertação sexual confrontava-se com um cenário de interdições sociais e preconceito.
O começo
Nan Goldin nasceu em Boston em 1953 e cresceu em uma família judia de classe média alta. Aos 15 anos, um de seus professores a apresentou a uma câmera fotográfica e cinco anos mais tarde, ela já organizava sua primeira mostra solo com imagens de suas jornadas fotográficas através das comunidades gays e transexuais da cidade, levada pelo amigo David Armstrong (de quem foi próxima até 2014, quando ele morreu devido a um câncer no fígado). Goldin teve diversas discussões com seus pais e foi expulsa de uma série de escolas até que saiu de casa aos 14 anos para viver com famílias adotivas ou em comunidades.
Nova York
Ela se mudou para a cidade nos anos 70 e lá produziu grande parte de sua obra. Nan vivia com artistas, travestis, junkies, atores e prostitutas que viraram sua família e também os principais assuntos de seu trabalho. “Éramos uma família unida não por sangue, mas por uma moral similar e a necessidade de viver intensamente o momento”, diz no livro The Ballad of Sexual Dependency. Em 1979 seu trabalho foi notado de uma forma maior pela primeira vez: mostrava uma série transgressora de fotos de seus amigos pelados em apartamentos bagunçados e a cena drag da Bowery. De cara, o mundo da arte abraçou a estética de Goldin, considerada inovadora e corajosa.
A estética que a tornou conhecida
As fotos documentais e autobiográficas tornaram Nan Goldin conhecida e uma referência no estilo. Ela simplesmente retratava o mundo em que vivia com seus amigos, em toda a sua crueza. Cenas de sexo, violência, drogas, dor e perda apareciam sem os limites convencionais ou qualquer tipo de polidez. Como ela escreveu em The Ballad of Sexual Dependency, “Quero mostrar exatamente o que é o meu mundo, sem glamour, sem glorificar. Esse não é um mundo sombrio, mas um que tem a consciência da dor e uma qualidade de introspecção”.
Comunidade gay
Desde o início de seu trabalho nos anos 70, Nan Goldin documenta as comunidades gay e transexual. Ela tratava as drag queens como se fossem um terceiro gênero, e as fotografava com honestidade e sem a hostilidade que havia na época.
Goldin e as drogas
Drogas, violência doméstica e Aids rodearam a vida da artista. “Quando cruzei a linha entre usar e abusar, meu mundo tornou-se muito, muito escuro”, ela disse ao Telegraph em 2009. Ela admitiu uma vez ter falado aos seus alunos para não estudar pós-modernismo, e sim tomar LSD porque “ensina você a mesma coisa”.
Quando tentou largar as drogas, encontrou várias barreiras. “Você perde a sensação de si mesmo quando fica limpo. Você perde toda a sua identidade. No meu caso, era enorme. Não sabia quem eu era em nenhum nível. Eu não sabia como funcionar. E então você junta os pedaços e, claro, encontra um eu diferente. Mas sinceramente, o mundo da arte gosta de lhe dizer que você perderá sua criatividade. Muitas pessoas disseram isso sobre mim. Isso aconteceu com Larry Clark e eles fizeram comigo. Mesmo as pessoas que queriam que eu saísse das drogas, não me ajudaram. Eles achavam que eu me tornaria totalmente chata e sem graça”. Em 1988 ela entrou em uma clínica de reabilitação, dois anos após ter escrito The Ballad of Sexual Dependency. Depois do rehab, as imagens com luz natural passaram a ser mais frequentes em seu trabalho.
The Ballad of Sexual Dependency
Uma das principais obras de Nan Goldin é este livro com fotos tiradas entre 1979 a 1986 em Nova York. Com seu estilo documental e autobiográfico, ele traz o espírito underground da época, mostrando seus amigos enquanto se divertiam em festas, brigavam e transavam. Foi mostrado publicamente em 1985 na Whitney Biennial e lançado como um livro no ano seguinte. Originalmente foi criado como um slide show com músicas de Nina Simone, James Brown e Velvet Undergound. Mesmo após todos esses anos, ele se mantém como uma referência para qualquer outro trabalho que tem essa veia confessional. Em 2016 foi reapresentando no MoMA.
The Devil’s Playground e a Aids
Lançado em 2003, The Devil’s Playground veio após um hiato de sete anos e é um exemplo do mundo onde Nan esteve inserida por tanto tempo. Ele mostra suas próprias relações abusivas impulsionadas pelo uso de droga, mostra o momento em que ela cruzou os limites, a morte de alguns de seus amigos mais próximos por conta da epidemia de Aids nos anos 80, a consequência de sua liberdade. Ela diz sentir uma espécie de culpa por estar viva. “Eu fiz o teste em 1991 e deu negativo. Me sinto tão culpada, fiquei até desapontada que deu negativo e a maior parte das pessoas não entende isso”.
Sua irmã cometeu suicídio
Nan tinha apenas 11 quando perdeu a irmã Barbara, que se suicidou aos 18 anos. Elas eram muito próximas e o fato influenciou alguns de seus trabalhos, como Sisters, Saints & Sybyles, uma exploração em foto e vídeo do suicídio de Barbara.
Já na introdução do livro The Ballad of Sexual Dependency, dedicada à irmã, a artista lembra: “Tinha 11 anos quando minha irmã se matou. Isso aconteceu em 1965, uma época em que o suicídio de adolescentes era um tabu. Eu era muito próxima a ela e ciente de algumas das forças que a levaram a escolher pelo suicídio. Eu vi o papel que sua sexualidade e a repressão dela tiveram em sua destruição. No início dos anos 60, as mulheres que tinham raiva e eram sexuais eram consideradas assustadoras, fora do alcance do comportamento aceitável. Quando tinha 18 anos, ela viu que seu único jeito de sair fora era deitar nos trilhos de um trem. Foi um ato de uma força de vontade imensa”.
Foi enganada por um amor
Logo após a morte de sua irmã, Nan foi seduzida por um homem mais velho. Mesmo de luto, ela se tornou obcecada por ele, estimulada pela excitação sexual que vinha junto. Pouco tempo mais tarde, após ter prometido se casar com Goldin, o homem admitiu que na verdade quem ele amava de fato era a sua irmã.
Sofreu violência doméstica
Goldin trabalhava em um bar quando conheceu Brian, ex-oficial da marinha e que virou uma presença forte em seu trabalho artístico. Tanto as drogas quando a atração física que havia entre eles fizeram com que a relação fosse muito intensa. Ele batia em Nan de forma muito violenta. Dessa cena saiu o duro autorretrato “Nan one month after being battered”, de 1984.
Fiel aos amigos
“Eu sei como fazer alguém ficar lindo e não gosto de fotografar quem eu não conheço – você precisa conhecer a pessoa para poder fotografa-la. E eu nunca mostro fotos dos meus amigos se eles não quiserem. Minhas gavetas estão cheias de fotos maravilhosas que eu não mostro porque aquelas pessoas pediram para eu não fazer isso”.
Ela é uma colecionadora
Sou viciada em leilões, compro móveis e fotografias. Eu tenho uma ótima coleção. Também tenho uma grande coleção de uma coisa chamada Paper Roll. Algumas fotos tenho desde os anos 70, também coleciono bonecas, santos e coleciono crânios – tudo, desde ratos até seres humanos.
Larry Clark foi seu mentor
Goldin não teve uma educação profissional tradicional e muito do que fez, ela mesmo se ensinou e aprendeu na base da tentativa e erro. A falta de técnicas específicas fez com que ela fosse rejeitada como uma boa fotógrafa. Quando um professor aconselhou Goldin a olhar para o trabalho de Larry Clark, ela se relacionou instantaneamente com a intimidade de suas fotos de adolescentes tendo relações sexuais, brincando com armas ou tomando heroína nos anos 60. Eles compartilhavam a perspectiva de um insider. Goldin costuma citar que o livro Tulsa, de Clark, foi uma grande influência em seu trabalho junto com o próprio Clark que passou muito tempo como seu mentor.
Trabalho recente
Seu trabalho mais recente está em Diving For Pearls, um livro que ela lançou em 2016 e que revisita 40 anos de sua obra pessoal, com 400 fotos, muitas delas novas junto com outras que nunca foram publicadas, feitas com câmera analógica e com “erros” como exposição dupla ou marca de clipes nos negativos. O nome Diving For Pearls é uma homenagem ao seu amigo David Armstrong que costumava dizer que fazer uma boa foto era como mergulhar para achar pérolas.
Em 2016, fotografou Robert Pattinson para uma campanha da Dior Homme. Nunca tinha ouvido falar dele antes. “Uma das coisas mais legais é que eu não sei quem são as pessoas”, disse. Hoje, tem fotografado mais lugares, arquitetura, água e céu do que pessoas. “Tô interessada nisso agora. E de vez em quando encontro alguém que me toca”.
Legado
O trabalho de Nan Goldin abriu o caminho para que fotógrafos como Corinne Day, Juergen Teller e Wolfgang Tillmans viessem na sequência.