Isabella de Almeida Prado, em colaboração para o FFW
De uma microrregião chamada Buracica, no interior da Bahia, bem longe do eixo Rio-São Paulo, vem um nome muito interessante da atual geração de estilistas. Aos 34 anos Gefferson Vila Nova traz de sua pequena cidade natal o rico repertório vindo da experiência rural no Nordeste (o pai é um pequeno pecuarista) mesclado ao universo pop dos gibis, às novelas dos anos 90 e às informações de moda e cultura que assistia com interesse na televisão. “Lembro de flashes dos show de Christian Lacroix e aquele mix de texturas e cores, estampas e mais estampas… Ficava fascinado”, conta.
Autodidata, começou a costurar na adolescência, bem antes de se formar estilista, há sete anos, na Universidade de Salvador. Do muso inspirador Nicolas Guesquière traz o gosto pelas formas aerodinâmicas e o toque futurista, que mistura com texturas variadas que podem vir do esporte ao animal print, duas de suas marcas registradas. O resultado é conceitual e bem humorado, num futurismo com toque kitsch autoral.
Atualmente baseado em Salvador, Vila Nova já participou por uma série de eventos que prestigiam nomes emergentes, entre eles a Casa de Criadores, em 2013, o Capital Fashion Week no início da sua carreira, em Brasília, e venceu o concurso de Novos Talentos do Barra Fashion, em Salvador. As peças do designer são vendidas em Londres, pela plataforma Not Just A Label, e em São Paulo na multimarca Choix, com preços que variam entreR$213 e R$2.175.
A seguir, leia a entrevista do FFW com o estilista baiano.
Li que você que criou o vestido que a sua mãe usou no dia da sua primeira comunhão. Foi o primeiro contato com a moda?
Sim! Não só a roupa que ela usou como também a minha. Sempre ajudei a minha mãe na escolha de tecidos – ela tinha uma costureira que copiava tudo das revistas e das novelas. Eu dava palpites em tudo, desde o cabelo ao comprimento do vestido e o decote mais apropriado, minha mãe adorava. Uma presença marcante durante esse período foram as crônicas da Beth Lima, que sempre assistia no Jornal Hoje (TV Globo). Ela fazia um apanhado das artes na Europa e cobria também a semana de Alta-Costura, lembro de flashes dos show de Christian Lacroix e aquele mix de texturas e cores, estampas e mais estampas… Ficava fascinado.
Como foi a sua trajetória?
Estudei por três anos publicidade e propaganda, mas abandonei e fiz um curso de costura industrial, em 2007. Fui estudar Design e Gestão de Moda na Universidade de Salvador, porém me considero autodidata. Comprei um busto para moulage, uma máquina de costura e coloquei a mão na massa. Aprendi com a necessidade de fazer as roupas, com as características que são hoje a minha assinatura. Uma vez fui convidado para fazer um desfile em uma feira em Salvador, daí não tinha um centavo, corri em uma loja de tecidos populares, fui ao balaio de promoções e comprei todos os retalhos pretos, que custavam em média R$ 1! Fiz a coleção toda preta e batizei de Black Asco, em homenagem ao rei Eduardo VII.
E sua infância? O que seus pais fazem?
Cresci no interior do Nordeste, filho de uma dona de casa e de um pequeno pecuarista. Tive uma vida de uma criança de interior, banho de rio, passeio à cavalo, carro de boi, gibis, nas férias viajava à Salvador e sempre tive acesso a informações por meio da TV. Sempre digo que na minha infância teve lego, playmobil e o desejo de conhecer o mundo. Acho bem curioso, porque só hoje me dou conta de que tudo sempre me levou a trabalhar com criação. Eu amava tudo que envolvesse estética, sem mesmo conhecer a palavra. Amava desenhar o que via e sempre gostei de fazer roupa para meus bonecos playmobil! Lembro também de amar o estilo da personagem da Regina Duarte na novela “Rainha da Sucata” (TV Globo, 1990) achava muito audacioso. Hoje essas lembranças vêm na memória com frequência.
Você passou por outras marcas antes de abrir a sua?
Na época da universidade, estagiei em uma marca local que tem uma linguagem jovem. Foi um período curto, lá basicamente montava as vitrines das lojas, fazia a seleção de peças de outras marcas, alguns esboços e levava muitos “nãos”, mas foi no finalzinho da minha graduação em Design e Gestão de Moda que fui trabalhar com a estilista Ursula Felix, que já fez o Rio Moda Hype, Fashion Business, Rio-à-Porter, e pude exercitar toda a minha criatividade. A Ursula é o tipo de pessoa que ama criação e quando o assunto é loucura fashion, para ela o céu ‘não’ é limite, tínhamos as mesmas referências e isso fez toda a diferença. Foram momentos de intensas descobertas. Na marca, trabalhei do estilo ao corte de roupas, controle de qualidade, direção de campanhas e catálogos. Fizemos feiras internacionais, como a Pure London e Prêt-à-Porter Paris, vendemos para o mercado árabe, grego, irlandês. Foi uma grande escola.
Quais momentos foram os mais importantes na sua carreira até agora?
Para um designer independente, qualquer pequenina ação é sempre uma conquista gigante. Te dar essa entrevista; é mais uma grande conquista, mostra que todo o meu esforço em sempre dar o melhor no meu trabalho tem ressoado de forma positiva e faz valer a pena cada noite não dormida. O début na Casa de Criadores em 2013 foi incrível. Ter desenhado um sneaker para uma marca grande como a Cravo & Canela em um momento de reposicionamento da marca foi muito bom, sempre quis criar calçados. Ter saído na seção “Preview New Designer”, na edição de março de 2016 da Elle Brasil também foi uma vitória, ter recebido um elogio da Susana Barbosa falando que adorou meu trabalho é sensacional! Ter feito a minha primeira venda para o mercado internacional, ter sido classificado como Black Sheep, seção dedicada aos designers de vanguarda, pela curadoria do site Not Just A Label, ter recebido likes do Oskar Metsavaht, ter vencido o concurso de novos talentos do shopping Barra, em Salvador. E, sem sombra de dúvidas, ter conquistado um espaço na Choix é algo maravilhoso. Imagina o primeiro ponto de vendas físico em uma loja com o conceito da Choix? Wow! A marca está há três temporadas sendo vendida com exclusividade na loja. Não é uma jornada fácil quando você é independente, sem parentes importantes e vindo do interior. A moda é classista e infelizmente no Brasil não existem plataformas que incentivem o surgimento e a manutenção no mercado de novos nomes. Temos que matar 30 leões por dia para colocar uma roupa na arara.
Que nomes da indústria da moda te inspiram? E da moda baiana, quais nomes destacaria?
Sempre quis responder essa pergunta! [Nicolas] Ghesquière é um gênio e da espécie indomável! Ele é e sempre será insuperável. Cristóbal Balenciaga deu à moda um status na construção da roupa tão grandioso quanto aos projetos de engenharia. No Brasil, eu gosto do trabalho do Oskar Metsavaht com a Osklen. Tem também o Reinaldo Lourenço, chique, contemporâneo sempre. Da nova geração, gosto da moda engajada que vem sendo desenvolvido pelo Isaac Silva, e na Bahia, tem o Fagner Bispo, que faz umas bolsas bem divertidas. Gosto muito do trabalho pop art dele, sempre divertido e despretensioso. E tem a Nalia Portella, uma pegada afro pop, um beachwear couture bem interessante à frente da marca Moringa.
A última coleção tem como referência a estética futurista do filme “2001: Uma Odisseia no Espaço”, de Stanley Kubrick. O que serve de inspiração para você durante o processo criativo?
O meu processo criativo é um tsunami! Desde o Inverno 2015 trabalho o conceito das coleções com os stylists Mauricio Mariano e Alessandro Lazaro. Acredito muito quando rola uma sinergia criativa, saca? Porém apesar de esboçar algumas coisas, não faço mais desenho de coleção, vou direto para construção da toile [que funciona como uma peça piloto para fazer os ajustes necessários] e daí é que tudo nasce. A única regra é que a marca tem uma linguagem sportwear em seu DNA, tudo vem dentro desse universo, o que não limita o processo de criação. Antes de começar uma coleção, sempre parto para os testes de materiais e acabamentos. Minhas coleções são sempre uma obra aberta, mas o conceito de projeto está lá. Ergonomia, logística na construção, acabamentos, beneficiamentos, grupo de produtos, ficha técnica, são pré-requisitos muito importantes no meu trabalho. Quanto ao inverno 2016, foi um desejo que já trazia desde que visitei a exposição do Kubrick no MIS, em SP, e em especial ao filme, que é uma obra-prima.
Você já usou materiais inusitados e tecidos tecnológicos nas suas coleções, como o tecido antichamas e forros de carro. Que outros materiais você utiliza?
Eu amo tecidos tecnológicos, gosto de saber de onde partiram os engenheiros até encontrar uma solução. Utilizei tivec laminado no Verão 2015 e telas de poliamida. Uso muito tecido comum, como malhas e tecidos de base de poliamida e, até mesmo, algodão e poliéster, tudo em uma mesma peça. Porém, o diferencial se dá em como eu misturo tudo isso na construção do meu produto. Não são roupas para vestir em Marte, mas são roupas que buscam sempre uma nova linguagem visual. É crucial você ter uma identidade, não dá pra querer ser uma marca ou um designer e a cada temporada você mostrar algo que não apresente uma linha evolutiva ligada a o que você realmente acredita.
Quantas pessoas trabalham com você no seu ateliê, em Salvador?
Meu processo é quase solitário. Tenho um assistente, o Rafael Vasconcelos, que é um faz tudo. Mas toda a parte da construção dos toiles e prototipagem ficam por minha conta. É quase uma gestação. Eu modelo, costuro, descosturo, costuro outra vez…
Você tem projetos ainda em 2016?
Sim! A marca vai estrear no e-commerce The Future, na primeira quinzena de agosto, um projeto de vanguarda para moda nacional. Fui convidado pela Patricia Lima, editora da Revista Catarina, para fazer parte do time de designers que terão seus produtos disponíveis à venda na plataforma. Acredito muito na visão do projeto, é algo inovador, ainda não visto na recente história da indústria da moda nacional.