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    “Não estou nadando em dinheiro”, diz empresário Facundo Guerra
    “Não estou nadando em dinheiro”, diz empresário Facundo Guerra
    POR Redação

    Facundo Guerra é bem mais que um dono de boate. Aos 36 anos, o argentino radicado em São Paulo, capricorniano, acadêmico convicto e ex-jornalista é proprietário do clube Vegas e dos bares Z Carniceria e Volt. Mais importante que tudo isso, ele é uma das cabeças responsáveis pela revitalização do Baixo Augusta. “Essa região da Augusta representa São Paulo. Do Cadoro à loja da Ferrari, os cinemas, os teatros, a Oscar Freire. Com o passar dos anos esse pedaço vai acabar se transformando no nosso cartão postal, mais do que a avenida Paulista”, afirma.

    Hoje, cinco anos após a abertura do Vegas, a rua Augusta – antes considerada boca do lixo – se tornou um pólo de fermentação cultural reconhecido pelo NY Times e abraçado por todos os paulistanos.

    facundo-guerra-bar-voltO empresário Facundo Guerra em retrato no Volt: o bar é uma das casas que integram seu megaplex na noite paulistana © Divulgação

    Ao lado dos sócios Cacá Ribeiro, José Tibiriçá e Augusto Arruda, Facundo abre nesta quarta-feira (24/02) o Lions Nightclub, que habita um prédio dos anos 1960 projetado por Guilherme Malfatti, irmão da artista plástica modernista Anita Malfatti. Restaurado, o espaço ainda conta com um mural de azulejos original de Anita e 350 m² de decoração suntuosa assinada por Fabrizio Rollo (“Casa Vogue” e “Vogue Brasil”).

    O empresário recebeu o portal FFW em sua casa no bairro residencial do Pacaembu, em São Paulo. Entre uma pergunta e outra, ele falou sobre o futuro do clube Vegas e também dos seus planos distantes de aposentadoria, um mix de casa noturna + ONG: “Onde os drinks sejam baratos, os DJs tenham cotas e a entrada seja gratuita, como um centro cultural. Boa ideia, né?”.

    Confira:

    Antes de ser um dos maiores empresários da noite brasileira, quem era Facundo Guerra?
    Na ordem cronológica: comecei como office boy, depois fui atendente de consultório médico. Fui marinheiro, estoquista, caixa, vendedor de loja, vendedor de máquinas de envasar leite, trabalhei no marketing da Tetrapak, no RH da American Express, fui gerente de conteúdo do portal de uma empresa especializada em softwares de gestão, gerente de novos negócios e de novos conteúdos do portal AOL no Brasil, dei aula de redação e cursinho pré-vestibular de alfabetização de adultos, estudei Engenharia de Alimentos, fiz Jornalismo com ênfase em cobertura internacional e mestrado em política pela PUC-SP.

    Quanta coisa!
    É mesmo. Uma vida longa. Trinta e seis anos e nunca parei. Depois que eu saí da AOL fui sócio da [estilista] Rita Wainer na Theodora. Entrei bem no comecinho. Depois abri o Vegas, na sequência o Z Carniceria, o Volt e agora o Lions.

    E por que, depois de tudo isso, abrir uma casa noturna?
    Tinha começado na Theodora, e como a moda sempre foi muito ligada à noite, não dá pra separar uma coisa da outra. Mas o negócio [Theodora] não ia bem, não fazia grana suficiente para sustentar duas pessoas. Nunca tinha escrito um currículo. Foi quando percebi que a minha vida estava completamente difusa, saltando de pedra em pedra com quase trinta anos. A minha família não tem recursos. Então pensei que deveria montar o meu próprio negócio. Conheci o Tibiriçá, que hoje é meu sócio e me falou que conhecia um ponto incrível na rua Augusta. Quando visitei pensei: ‘Fodeu, é muito grande, as pessoas não vão vir aqui’. Não sou um cara que consegue criar coisas a partir do nada. Mas se você me der uma fagulha eu entro em combustão. Essa fagulha inicial sempre veio do Tibiriçá.

    0,,16201174,00A pista lotada do clube Vegas © Reprodução

    Hoje você se considera uma pessoa/profissional realizado?
    Estou super realizado. O Vegas começou o movimento de cristalização de uma estética paulistana, que hoje está representada pelo Baixo Augusta. A paulistano sempre foi muito extrativista: ele tem uma relação de ódio com a cidade pelo trânsito, pela chuva, pela insegurança. Mas agora, por conta de um movimento de renovação econômica, e por São Paulo ser o motor dessa renovação, estamos despertando o orgulho de ser paulistano. [O Vegas] não foi o primeiro projeto, e talvez nem seja o mais importante, mas foi o que aconteceu na hora certa, no período histórico correto.

    Dá pra ser dono de boate sem fazer política? A prefeitura mais ajuda ou atrapalha?
    A prefeitura não ajuda, mas também não atrapalha. Você tem que se adaptar às regras, que podem ser complicadas. Mas é mais fácil ser empresário no Brasil do que nos EUA ou na Europa, onde você tem que pagar taxas altíssimas para abrir um clube. Em Nova York, a noite é dominada por conglomerados financeiros. Gente que esta conectada com a cultura local nao consegue abrir um bar ou um clube porque é impraticável do ponto de vista financeiro. Os clubes de Londres funcionam como franquias. Já aqui você pode ter o Bar do Netão, por exemplo. Um dono de botequim que criou a primeira boate pública. É uma coisa que tem legitimidade dentro do underground.

    volt-e-z-carniceria-facundo-guerra-ffwÀ esquerda, mesas e neons no bar Volt; à direita, o balcão do Z Carniceria © Divulgação

    Quanto vale um clube como o Vegas hoje? Já teve propostas de compra?
    Já tivemos propostas, mas nunca sérias o bastante para sentarmos e conversarmos sobre valores. Nunca pensamos em vender. Se chegassem pra mim com um caminhão de dinheiro eu não venderia. O Vegas nos custou R$ 80 mil. Hoje em dia você não monta nem um boteco de esquina na Augusta com esse montante. Na época me lembro que o dinheiro acabou e eu comecei a levantar parede junto com os pedreiros. Não sei se é um pouco romântico da minha parte, mas acredito que o Vegas ficou impregnado com o nosso suor – literalmente! Quando você participa na construção de um projeto dessa forma, a sua alma fica impregnada ali.

    Você ficou rico?
    Nossa meta nunca foi financeira. Isso sempre foi um mote. A gente se preocupa com o resultado financeiro na segunda ou terceira linha de prioridades. A nossa primeira preocupação é com o baile. Se o baile der certo, o dinheiro vai fluir. Não deixamos de investir em atrações gringas, pagar bem os DJs e o staff da casa. Isso tudo acaba contribuindo para o baile e, como consequência, para o nosso bolso. Se eu fosse fazer pra ganhar dinheiro faria festa de axé, de psy trance. Disso eu posso me orgulhar muito: só fiz projetos em que realmente acreditei. Tenho um padrão de classe média, levo uma vida confortável. Não tenho dinheiro sobrando, não sou milionário. As pessoas acham que fiquei rico porque eu sou dono do Vegas, do Volt e do Z. Não estou nadando em dinheiro. Materialmente, não preciso de nada – tenho as minhas motos, os meus quadrinhos. Por exemplo, adoraria viajar para Tóquio, mas eu trabalho tanto que não teria tempo para isso.

    E de coisas imateriais, tem algo que você deseja? Tempo? Sossego?
    [pensa] Não. Eu gosto de trabalhar!

    E o Lions?
    Temos a síndrome do segundo, do terceiro e quarto disco, e criamos uma reputação com os projetos anteriores, então não podemos abrir uma casa meia boca porque vão cair de pau na gente. Você sabe como paulistano é crítico. Estamos preocupados com detalhes que ninguém vai perceber. Quero que o Lions seja absolutamente perfeito. A falta de recursos financeiros acabou nos forçando a criar soluções criativas. Usamos um sistema de luz de 7.000 pixels usando espelhos, um truque óptico criado no século 19, uma forma inteligente de economizar recursos sem comprometer o resultado final. O projeto do Lions foi inteiro barato.

    lions-nightclub-©priscilla-vilarinho-ffw2O grande ilusionista: Facundo Guerra usou um truque de espelhos do século 19 para economizar no sistema de luz sem comprometer o efeito visual © Priscilla Vilariño/FFW

    Qual é a sua relação com música? E com música eletrônica?
    Eu só passei a ouvir música depois dos vinte anos. Quando era criança, morava em um apartamento no bairro de Santa Cecília de dois quartos. Eu dividia o quarto. Na sala, a TV ficava ligada o tempo todo, todo mundo disputava. Não tinha privacidade para ouvir música. De música eletrônica não conhecia nada – até abrir o Vegas eu só ouvia Jazz. Usei a internet pra me atualizar. Sempre fui muito nerd, e como não sabia diferenciar house de techno, fui descobrindo gêneros, coisas dos anos 1950 como Stockhausen, depois as experimentações do Krautrock, disco, electro, trance, o house de Chicago, o techno de Detroit, o tech house. Hoje em dia eu gosto de sets que não se preocupem muito com o gênero. Gosto da estética do [selo francês] DFA, como James Murphy, Pat Mahoney. Esse tipo de set mais amplo, mais generoso, mais autoral. Esses caras têm a capacidade de criar uma narrativa musical.

    Qual é a vocação de uma casa noturna?
    Levar um pouco de escapismo para as pessoas. Trabalhar na noite é lidar com vida e morte, acho isso muito forte. Talvez  o mais importante do meu trabalho. Serve para as pessoas descarregarem as suas frustrações, esquecerem a vida que levam. Os clubes e os bares têm essa função, que é quase de controle social. Se ele está no clube dançando, ou tomando pinga no bar, provavelmente não está chutando o cachorro ou batendo na mulher. É uma borracha de amortecimento social. Sem o circo, o que seria do povo?

    lions-nightclub-©priscilla-vilarinho-ffwInterior do Lions Nightclub, o mais novo picadeiro do empresário Facundo Guerra. O ambiente tem painel de azulejos de Anita Malfat e o décor vem com lustres clássicos, cabeças de animais e faisões empalhados: obra do editor de estilo Fabrizio Rollo © Priscilla Vilariño/FFW

    Qual é a pergunta que você não aguenta mais responder?
    “O Vegas vai fechar?” [risos]

    E vai?
    Hoje, que eu sei fazer boates, enxergo no Vegas várias falhas de estrutura que não via antes. E é mais fácil construir uma nova casa noturna do zero do que reformar a que já existe. Um clube é como um site, você pode mudar de layout mas o importante é o conteúdo.

    Perfil no Twitter: twitter.com/facundoguerra

    Página no Facebook: pt-br.facebook.com/facundo.guerra

    Lions Nightclub
    ONDE Av. Brigadeiro Luís Antônio, 277 – República – SP
    COMO CHEGAR Veja o mapa
    + lionsnightclub.com.br

    Vegas
    ONDE Rua Augusta, 765 – Consolação – SP
    COMO CHEGAR Veja o mapa
    + vegasclub.com.br

    Volt
    ONDE Rua Haddock Lobo, 40 – Consolação – SP
    COMO CHEGAR Veja o mapa
    + barvolt.com.br

    Z Carniceria
    ONDE Rua Augusta, 934 – Consolação – SP
    COMO CHEGAR Veja o mapa
    + zcarniceria.com.br

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