Desde quando criou a sua caveira trademark em 1988 (estampada numa camiseta que deu de presente ao amigo David Pollak), Alexandre Herchcovitch carrega nas costas o (b)ônus de ser o estilista mais inventivo de sua geração. No mesmo ano em que o crânio-ícone brotou de sua cachola, Herchcovitch conheceu Márcia Pantera – sua primeira modelo e então a drag queen mais famosa do Brasil – e mixou as lingeries da confecção caseira de Dona Regina, sua mãe, com referências sadomasoquistas.
Entre o despertar da vocação para o ofício da moda e o seu primeiro desfile, que aconteceu na extinta boate Columbia em 1992, Alexandre customizou roupas do Bom Retiro e foi personagem de uma matéria, ao lado de Márcia, na revista “Interview”. Quando se formou na primeira turma de Moda da Faculdade Santa Marcelina, em 1993, sua coleção final foi tematizada em torno da pobreza, da loucura e da salvação. Nos anos que viriam, Alexandre descartaria a pobreza, dosaria a loucura e seria, muitas vezes, considerado a salvação das temporadas nacionais.
Alexandre fazendo os ajustes na roupa criada especialmente para Márcia Pantera no seu desfile de inverno 1994 © Acervo Pessoal
Herchcovitch criou linha exclusiva para a Ellus, participou do Phytoervas Fashion e do Morumbi Fashion Brasil, ganhou exposição individual na galeria Thomas Cohn, desfilou na embaixada do Brasil em Londres, tirou foto deitado em caixão, foi diretor de criação da Zoomp, fez roupa para a Barbie, desfilou em Paris, atuou em curta-metragem, fez ponta em novela da Globo, fundou a ABEST, teve roupa exposta no MetMuseum e no FIT, emprestou um look para Scarlett Johansson na capa da revista “W”, desenhou uniformes para os jogos Pan Americanos e Olímpicos, homenageou Walt Disney, Carmen Miranda, Zé do Caixão e Hello Kitty, entrou para o line up de desfiles de Nova York, fez Melissas, desenhou as roupas dos funcionários do McDonald’s, fez outra ponta no horário nobre do plim-plim, criou figurinos para o cinema, abriu loja em Tóquio, fez mais Melissas, foi diretor da Cori, voltou a ser diretor da Zoomp, chamou a atenção de investidores, quase vendeu a grife para uma empresa de fachada, criou artigos para cama, mesa e banho, e foi arrematado, em 2008, pelo grupo gestor InBrands. Ufa.
Os inquisidores da moda não podem recorrer desta sentença: Alexandre Herchcovitch, nascido no dia 21 de julho de 1971, descendente de uma família de romenos e poloneses, de educação judaica ortodoxa, colecionador de caveiras de brinquedo desde os sete anos de idade é o maior estilista brasileiro dos últimos vinte anos.
O portal FFW reservou uma tarde para conversar com ele. O que foi dito a gente divide aqui, na íntegra e sem censura. Confira:
No próximo dia 17/02 você desfila sua coleção de inverno 2010 em Nova York. Que resultados isso tem trazido para os negócios?
Mudamos de showroom em Nova York para melhorar a performance de vendas. Acreditamos que podemos vender mais do que vendemos hoje. Saímos do showroom na Opening Ceremony e estamos agora na FiftyTwo.
Qual vantagem você leva ao desfilar lá a mesma coleção que você mostrou aqui?
Apresentar a coleção em Nova York serve para se fazer presente num mundo extremamente competitivo.
Você apresentou três coleções no SPFW inverno 2010. Todas figuram nas listas da imprensa entre as melhores da temporada.
O objetivo é sempre fazer o melhor que posso. Primeiramente fazer aquilo que acredito e que me dá prazer e por consequência fazer coleções que agradem ao consumidor que pretendemos atingir. Não penso na imprensa em nenhum momento da criação, da edição ao desfile tudo é feito pensando no nosso público-alvo.
Quais são os seus 3 looks favoritos nas 3 coleções?
Esses:
Da esquerda para a direita, Alexandre elege o seu melhor no inverno 2010: Herchcovitch feminino, Herchcovitch masculino e Rosa Chá por Herchcovitch © Agência Fotosite
De onde saem as suas referências criativas?
Muitas ideias vêm do Maurício Ianês [stylist da grife], mas isto não é uma regra.
Existe muito do que você fazia para a Márcia Pantera na coleção da Rosa Chá (inverno 2010). Como ela entrou na sua vida?
Foi muito por acaso. Uma vez comentei com meu grande amigo David Pollak que gostaria de fazer tranças afro no meu cabelo e ele disse que conhecia uma drag que tinha tranças incríveis, então pedi pra ele me apresentar a ela. Fomos assistir um show dela na boate NostroMundo e naquela ocasião Márcia Pantera dublava Shirley Bassey e sambava. Depois do show esperei ela se desmontar e o David, que já a conhecia, nos apresentou. Foi quando perguntei quem havia feito as tranças, e ela, totalmente antipática, respondeu: minha tia. Por fim nem fui atrás da tia dela, mas na semana seguinte apareci no mesmo horário e local para assistir de novo ao show e levei a primeira peça de roupa que fiz para ela, um macacão de helanca branco e preto com detalhes em renda e elástico de lingerie com cinta liga e tudo mais. Ficamos amigos, ela desfilou várias vezes para mim. Se não errei nas contas, fiz mais de 300 roupas pra ela, que na verdade é ele e se chama Carlos Márcio José da Silva. Destas 300, 250 eram macacões.
Qual o desafio agora?
Meu desejo é cada vez fazer roupas com mais qualidade.
A expectativa de como essas coleções serão traduzidas em itens de consumo final é grande. O que sai, o que fica?
Todas as roupas das coleções respiram informações dos temas propostos. Algumas peças desfiladas vão para as lojas, outras decidi que não vou produzir. As peças femininas em crochê com fio angora e aplicação de cristais Swarovski serão produzidas somente sob encomenda. A adaptação não vem depois do desfile e sim antes. Algumas peças desfiladas são tão elaboradas que não vejo muitos clientes para elas, portanto temos que adaptar algumas ideias para que sejam facilmente consumidas.
Você pretende popularizar sua marca?
A marca é bastante conhecida. Os produtos licenciados tornam a marca mais acessível, em muitos deles temos que usar materiais mais baratos e dependendo do volume de vendas de cada produto direcionamos o licenciamento para a linha prêt-à-porter ou jeanswear.
Mas você tem planos de lojas nos Shoppings Iguatemi (SP) e Fashion Mall (RJ). Isso significa popularizar ainda mais.
Minhas criações chegarão a mais pessoas.
Os críticos cobram muito de você. O que você cobra deles?
Seriedade. Eu respeito quem eu percebo que estudou sobre o assunto. Posso citar o meu último desfile feminino, quando alguns editores escreveram que minha roupa está mais luxuosa. A roupa continua a mesma de sempre, não foi de uma coleção para a outra que o luxo apareceu. Será que só porque usei bordados e pedras ela ficou mais luxuosa? Penso que a análise de desfile/coleção não pode ser tão rasa assim. A construção e costura continuam sendo feitas pelas mesmas pessoas que estão comigo há anos. Então se eu quiser continuar a ser percebido como uma marca luxuosa tenho que ser escravo de roupas bordadas pra sempre? A cultura de consumo de luxo varia de país para país. Na França, por exemplo, as pessoas preferem comprar um casaco de lã cashmere (sem nenhum bordado) de ótima qualidade que vai durar muito tempo e isso também é considerado uma roupa de luxo, e no entanto é para ser usada no dia a dia. Poderíamos discutir por vários dias a percepção do que é luxo. Geralmente os críticos não conseguem acreditar que alguém pode ter uma ideia original e sempre comparam com o que já foi feito.
Na real, a crítica de moda afeta seu negócio de alguma forma?
Raramente. Não lembro de nenhum caso em que a opinião da imprensa tenha influenciado no andamento dos negócios.
Quais outros estilistas brasileiros você citaria como destaques desta última temporada?
Sei que não estou respondendo exatamente o que perguntou, mas gostaria de dizer que Pedro Lourenço tem talento suficiente para não precisar olhar para os lados e potencial para ser o estilista brasileiro mais bem sucedido dos últimos tempos.
Qual importância você dá aos sites de moda na avaliação do seu trabalho?
Leio tudo o que sai nos sites que eu costumo acessar diariamente. Dou importância a alguns deles em especial, pois são os canais que informam com mais rapidez. São ótimos pra quando não é possível estar presente no evento, ou no desfile.
E quais sites seriam esses?
Em ordem alfabética:
Chic
Erika Palomino
FFW
Flavia Lafer (não entro todos os dias pois a atualização não é diária).
Glamurama
Hintmag
Jak & Jil (bem de vez em quando).
Lilian Pacce
Style (em época de desfiles).
Ainda no assunto web, você parou de atualizar o seu perfil no Twitter. Houve algum problema?
Fui mal interpretado em alguns tweets. Como as pessoas não me conhecem e não sabem perceber quando brinco e quando falo sério, resolvi sair.
Quais jornais você lê?
Não leio jornais.
Os jornais que você não lê noticiaram no final de janeiro a sua união civil estável. Na prática: você casou?
Sim, conforme o que as leis brasileiras permitem.
Você lê alguma revista?
As que recebo e as pouquíssimas que compro. Recentemente comprei a “Vogue Italia” porque saiu uma roupa da minha coleção de verão 2010.
Os looks de verão 2010 de Alexandre Herchcovitch que foram selecionados pela “Vogue Italia” para um suplemento de passarelas que saiu junto com a revista em janeiro deste ano © Steven Meisel
Qual o filme da sua vida?
“Drácula” de Bram Stoker.
E a trilha sonora da sua vida?
A TV ligada.
Quem são seus ídolos?
Em nenhuma ordem específica: família, amigos, companheiro e meus cães.
Quais são as viagens que pretende fazer neste ano?
Vou à Nova York em fevereiro e setembro, pretendo ir à Paris também e em algum lugar de praia.
Qual o seu maior medo?
Não saber a hora de parar.
Você tem algum sonho?
Não sou sonhador, porém ainda quero e vou fazer muitas coisas. Morar no campo é um sonho.
Um recado para os amigos?
Toda ação causa uma reação.
E para os inimigos?
Vamos reverter este quadro?
+ Alexandre Herchcovitch inverno 2010 (fem)
+ Alexandre Herchcovitch inverno 2010 (masc)
+ Rosa Chá inverno 2010 por Alexandre Herchcovitch
Loja Alexandre Herchcovitch
ONDE Rua Haddock Lobo, 1151 – Jardins – São Paulo / SP
COMO CHEGAR veja o mapa
CONTATO (11) 3063.2866