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    Vanguarda
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    POR Camila Yahn

    Karen Van Godtsenhoven no Fashion Rio Verão 2013/14 ©Felipe Abe

    Já tínhamos contado aqui que a jovem Karen Van Godtsenhoven, 29, curadora do Museu de Moda da Antuérpia, MoMu, estaria presente no Brasil para uma série de palestras. Em meio a sua agenda, Karen visitou o Fashion Rio, onde assistiu aos desfiles de Verão 2013/14 de Bianca Marques e Oestúdio.

    Karen tem acesso também à Royal Academy of Fine Arts da Antuérpia, considerada uma das mais conceituadas escolas de moda do mundo, e procura sempre uma interação com o museu. A próxima exposição, que estreará em setembro, celebra os 50 anos da Academia e vai contar com uma mostra dos trabalhos de conclusão de curso de designers belgas como Dries Van Noten e Martin Margiela, formados na escola. “Alguns estavam muito envergonhados”, contou Karen ao FFW.

    Dos anos 1980 até agora, a moda belga cresceu em termos de visibilidade e de identidade, e muito se deve aos “The Antwerp Six”, um grupo de seis talentosos designers (Ann Demeulemeester, Walter van Beirendonck, Dries Van Noten, Dirk Bikkembergs, Dirk van Saene e Marina Yee) que mudaram para Londres com o objetivo de arrancar da moda belga o estereótipo “dark” que lhe era atribuído. Na sua palestra, Karen faz uma comparação dessa época com o período que o Brasil está vivendo agora. “O que aconteceu nos anos 1980 na Bélgica foi um momento de virada em que as pessoas passaram de se sentir envergonhadas ou de querer parecer com Paris ou Londres, para se sentirem orgulhosas de serem diferentes. Eu acho que os designers brasileiros podem fazer o que tiverem vontade, só precisam ter confiança”, explica.

    Confira abaixo o bate-papo que o FFW teve com Karen durante o Fashion Rio:

    Qual a sua formação acadêmica?

    Eu estudei literatura, línguas e museologia. Embora não tenha formação em moda, desde muito cedo que tenho um interesse e sou obcecada pelo tema. Estava trabalhando como freelance em um jornal da especialidade e o museu me convidou para ser curadora, o que foi ótimo porque não sou muito criativa em desenho, mas também não queria fazer um trabalho muito comercial. Assim posso combinar pesquisa e moda em um trabalho ótimo.

    É a sua primeira vez no Brasil? O que você está achando?

    Sim, é a minha primeira vez. Todo mundo me pergunta a identidade da moda brasileira, mas acabei de chegar e não sei! São vocês que têm que me dizer! (risos) Eu acho ótimo que tem tanta dinâmica e tantas coisas acontecendo e estou gostando muito de ver isso nos desfiles. Ainda tem imagens cliché de ser colorido e divertido e com uma cultura de praia, mas acho que tem outras coisas. Tem muitas técnicas e materiais tradicionais que vemos com novas formas e que podem ser combinados. Espero que os designers jovens olhem para isso e vejam uma oportunidade de criar algo diferente. Com todas as influências e tradições diferentes que existem no Brasil, podem misturar tudo e fazer uma coisa que não é parisiense e não é nova-iorquino, é completamente diferente. O que aconteceu nos anos 1980 na Bélgica foi um momento de virada em que as pessoas passaram de se sentir envergonhadas ou de se querer parecer com Paris ou Londres para se sentirem orgulhosas em serem diferentes. Na época todo mundo estava mostrando ombros poderosos e os belgas vinham com designs desconstruídos, que era o oposto, mas funcionou, e é por isso que acho que os designers brasileiros podem fazer o que tiverem vontade, só precisam ter confiança.

    E você acha que o Brasil tem essa confiança?

    O Brasil está ganhando essa confiança, mas há espaço para se definir melhor e parar de olhar para as cidades europeias e focar naquilo em que acreditam. Existem tantas semanas de moda pelo mundo que o importante é criar algo que só pode ser visto aqui e em mais nenhum lugar. O Brasil está com uma imagem muito positiva no mundo, e deve procurar o que define ser brasileiro. E não é só uma coisa, pode ser um mix de coisas. No último desfile [OEstúdio], vimos elementos globais misturados com cultura brasileira traduzida em moda. Espero que muitos designers jovens encontrem a sua própria linguagem.

    Qual a diferença entre Paris e Londres e as outras semanas de moda?

    O bom de Paris é que eles sabem que sempre vão precisar de cabeças novas com novas ideias se quiserem continuar a dar as diretrizes na moda. Por isso quando eles veem grandes designers, eles agarram. Em Londres, por exemplo, é onde vemos uma moda mais experimental, tem muitos designers jovens e a cultura é muito forte. É importante estar nesses lugares ainda, porque todo mundo está lá. Você pode fazer um showroom muito pequeno que só é visitado por três pessoas, mas podem ser as pessoas certas e aí você tem a sua oportunidade. Os “The Antwerp Six”, quando foram para Londres, tinham o showroom no pior lugar possível, no quarto andar entre as seções de noivas, e estavam mostrando umas coisas meio conceituais. Mas a revista “i-D” os viu e é isso, foi importante eles estarem em uma cidade onde muitas pessoas influentes vão.

    Da esquerda para a direita, os Antwerp 6: Ann Demeulemeester, Dirk van Saene, Marina Yee, Dries Van Noten, Walter van Beirendonck e Dirk Bikkembergs ©Reprodução

    Como você vê as mudanças na estética belga ao longo dos anos?

    Os belgas nos anos 1980 eram tidos como muito sérios e com uma imagem muito “dark”, mas essa percepção mudou. Se você olhar para o Dries Van Noten, ele tem uma estética muito individual, não existe uma estética geral belga. O Walter van Beirendonck ou o Bernhard Willhelm são os dois muito coloridos então a imagem dos belgas mais “dark” acho que acabou. Mas acho que todos têm uma assinatura, pode até ser na silhueta. É uma coisa que não sai de moda, mas também não é tendência. Na última coleção o Dries tornou-se uma tendência global, mas ao mesmo tempo manteve a sua estética reconhecível. E é isso que os deixa fortes, é eles terem um consumidor nichado que não é determinado pela cor da estação, mantendo as suas  identidades poderosas.

    Como o movimento “The Antwerp Six” mudou essa percepção da moda belga?

    Antes do movimento “The Antwerp Six” a Bélgica não era nada em termos de moda. Tínhamos algumas indústrias têxteis, mas estávamos na sombra de Paris, que é muito perto, e não existia uma identidade de moda belga. Seis pessoas talentosas da Academia tiveram o apoio do governo porque organizavam uma espécie de competição de talentos. O que aconteceu é que os “The Antwerp Six” já eram designers muito talentosos e trabalhadores, mas aprenderam a praticar com essas competições em que tinham que fazer desfiles desde o início, a maquiagem, tudo. Quando foram para Londres e a revista “i-D” os “lançou”, foi ótimo para aumentar a confiança na Bélgica. A escola atraiu mais alunos e a segunda geração ainda é parte belga, o Raf Simons, a Veronique Branquinho, e muitos outros designers que ainda trabalham hoje.

    Eles eram um grupo de sete alunos, sempre juntos e sempre indo nos mesmos lugares desenvolvendo uma competição, levantando a barra uns para os outros. O Margiela também fazia parte desse grupo. Nessas competições, um dos júris foi o Jean Paul Gaultier, que o convidou para ir trabalhar com ele. Então ele teve que ir mais cedo para Paris, o que fez com que não estivesse fisicamente presente quando três anos mais tarde os restantes seis se mudaram para Londres.

    Trabalho feito em parceria entre Marina Yee e Martin Margiela ©Reprodução

    Por onde andam os membros do “The Antwerp Six” que não desfilam?

    Ann Demeulemeester, Dries Van Noten e o Walter van Beirendonck ainda apresentam as suas coleções. Dirk Bikkembergs vendeu a sua empresa, como o Margiela. Ele trabalhou tanto durante 25 anos que ainda está meio em recuperação de ter vendido a empresa e de não ter que criar toda hora (risos). O Dirk van Saene é muito bom, tem uma loja pequena na Antuérpia e vende para um circuito muito nichado, a sua roupa é muito conceitual, mas ele não participa mais do “circo da moda”. A Marina Yee era a musa de todos eles, ela era a mais criativa e acabou seguindo uma carreira de artes. O seu trabalho é muito popular na Bélgica.

    Em um mundo cada vez mais comercial, você confia totalmente na educação conceitual da Academia?

    É muito difícil. É verdade que a escola recebe muitas críticas de que só forma designers conceituais e que o mundo mudou muito e agora a moda é muito comercial. Mas ainda assim eu acho que o mundo comercial precisa de pessoas que apontem novas direções, porque de outra forma podemos todos ir à Zara. E isso aconteceu também com os “The Antwerp Six”, eles chegaram em um momento em que só se falava de designers de Paris e de Londres. Por que alguém quereria conhecer um designer belga? Mas eles estavam fazendo algo que ninguém ainda tinha visto. A moda precisa de novos inputs e mesmo no mundo de hoje ainda existe espaço para pessoas criativas. Mas é verdade, você precisa combinar as duas coisas. E nem toda pessoa criativa tem uma visão comercial. Em minha opinião acho que é melhor começar com uma visão criativa e ter alguém ajudando na parte comercial. Porque o mundo da moda se tornou muito complicado, eu conheço muitos designers jovens que têm que fazer o seu website e o relacionamento com a imprensa, enfim, muito mais do que se concentrar só na sua criação e produção. Para muitos designers é difícil ficar à frente com todas as temporadas de moda de Pre-fall, Fall, Cruise… não sei onde isto vai parar. A rotatividade é muito grande. Por exemplo, agora vimos as coisas para o próximo verão, mas na altura em que as coisas chegarem as lojas, já todo mundo vai ter visto ou comprado em outro lugar, alguma cadeia de varejo gigante que já copiou, o que é muito triste. Eu sonho com uma época em que a moda seja livre de temporadas, seria uma nova forma de promover a indústria.

    Qual a diferença entre a Academia e outras escolas de moda?

    Em Londres é mais comercial e mais focado em uma coisa. Se eles veem que um aluno é muito talentoso com sapatos, um ano depois ele estará a ser treinado para se tornar um designer de sapatos. Na Antuérpia o que nós falamos é que você tem que aprender um pouco de cada coisa, ainda que você não seja bom nela (risos). É bom para a cabeça. E é bom para uma pessoa jovem experimentar um pouco de cada coisa. Há dez anos os alunos que vinham tinham 18 anos. Agora, a maioria dos alunos já fez um curso de moda no seu país e vem para a Antuérpia para desenvolver a parte conceitual do seu trabalho. O que é interessante, mas também pode ser um problema. Quando os alunos são jovens, a cabeça é fresca e receptiva a novas ideias. Quando eles já fizeram cinco anos de uma outra escola, já vêm mais formatados e têm algumas restrições.

    Qual o perfil da Academia hoje?

    Hoje a escola é super internacional. Em 200 estudantes temos mais de 40 nacionalidades, não é só composta de alunos belgas. Muitos deles são chamados de “Antwerp designers” apenas porque seguiram a escola belga. A nossa visão é muito artística com o foco de criar designers com um estilo próprio, e atrai talentos de todo o mundo. O mundo mudou muito de trinta anos para cá, mas nós continuamos com essa visão. Existem escolas que treinam os seus alunos de uma forma muito técnica, mas lá nós queremos desenvolver primeiro a visão artística e o estilo próprio de cada um e depois quando os alunos forem trabalhar para alguma casa de moda, aí aprendem a prática. Se ensinarmos os alunos a criarem peças comerciais antes, no final a sua visão vai ser muito limitada. Eu acho isso ótimo. Na escola você tem que ser livre para fazer “coisas malucas” e depois quando você for trabalhar, acaba aprendendo outras coisas. Acho que é isso que define a escola e a identidade de moda belga. Os designers são fiéis a aquilo em que acreditam.

    Qual a ligação entre a Academia e o museu?

    O museu é no mesmo edifício da escola. Muitas das exposições que temos são com trabalhos de graduados da Escola. Já tivemos uma exposição do Dries [Van Noten] e no ano passado do Walter van Beirendonck. A exposição permanente do museu é toda com roupas de designers belgas que estudaram na escola. Agora em setembro vamos ter uma exposição chamada “Feliz aniversário querida Academia”, que comemora os 50 anos da escola e vai ser uma exposição de overview. E em vez de mostrarmos os trabalhos que os grandes nomes belgas estão desenvolvendo agora, vamos mostrar os trabalhos de graduação deles, para que os alunos vejam o início, de onde tudo surgiu. Alguns estavam inclusive muito envergonhados. (risos)

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