Assistindo aos videos de alguns desfiles de Paris no feriado, me peguei muitas vezes paralisada na tela, encantada com algumas apresentações que aconteceram em formato presencial. Da calma poética do desfile da Loewe à catarse do festival da Balmain passando pela explosão de cores em movimento de Roksanda Ilincic.
Então comecei a pensar em como tem sido importante a volta dos desfiles presenciais, mesmo que a gente que não esteja lá e veja pela tela do celular. Sou entusiasta dos trabalhos em video, dos fashion films, 3D e outras realidades e vi inúmeras apresentações virtuais incríveis nesse tempo de pandemia. Fui realmente impactada pelos trabalhos digitais a ponto de não achar que aquilo ali seria melhor caso fosse um desfile convencional.
Mas agora, revendo algumas apresentações (como a de Alta Costura da Valentino em Veneza), lembrei da importância de um desfile em toda a diversidade de caminhos, possibilidades e narrativas em que eles podem acontecer. Cada um ao seu jeito fez as pessoas desejarem estar lá e viver aquela experiência. E após quase dois anos fechados em casa, exaustos, sozinhos, começamos a ver os primeiros sinais do que a falta de contato humano, da diversão, dos encontros e da liberdade está fazendo nas nossas vidas e com as nossas emoções. Por isso, essa conexão é cada vez mais importante e vai muito além da roupa ou do fato da pessoa ser ou não consumidor daquela marca.
Estar presencialmente em um lugar vivenciando uma experiência coletiva de novo, um momento de beleza e criatividade em abundância alimenta a nossa alma. Na nossa sociedade do cansaço em que quando a gente não tá trabalhando, a gente tá trabalhando, ter uma experiência que nos tire do lugar é mais importante do que nunca. Os desfiles hoje podem ganhar um novo sentido – mas eles também têm que ter um propósito.
As marcas aprenderam que a gente não quer só um desfile. A gente quer se emocionar. E apesar da emoção sempre ter sido um fator essencial na nossa resposta imediata a uma coleção, sempre foi comum marcas usarem o desfile como estratégia de marketing para gerar buzz, mesmo que as roupas mostradas fossem fracas. Só roupas e nada mais. Peças sem energia, sem inovação, sem fogo, sem paixão. Sempre fui da opinião que essas devem permanecer nos showrooms, nas vitrines de loja ou em desfiles de shopping. Ou talvez nem serem produzidas já que algo que o mundo não precisa é de mais roupas banais.
Queremos e precisamos vivenciar momentos que façam sentido, que possam nos representar em toda nossa diversidade, que consigam se conectar e ser relevantes nesse mundo em transformação. Um desfile é uma ferramenta poderosa que de nada serve se representar o passado, alheio às mudanças do mundo no que diz respeito à diversidade racial e de gênero e responsabilidade ambiental.
Uma coleção como a da Saint Laurent que atende somente a corpos de magreza extrema decepciona, mesmo tendo como cenário um dos principais cartões postais do mundo.
Em Veneza, a Valentino fez uma das apresentações mais bonitas, talvez da história da moda recente.WOW eu gostaria de ter visto ao vivo. Abundante em poesia, criatividade e paixão, em uma região conhecida pelo romantismo e dolce far niente.
Já a Balmain não tinha essa poesia toda, mas conectou com as pessoas de outra maneira: fez um festival aberto ao público com shows de Doja Cat e Franz Ferdinand. As pessoas querem participar, mas como isso pode acontecer num ambiente exclusivo, onde só entra quem tem convite? Essa é uma das perguntas que vai nortear a moda cada vez mais. O mundo está em profunda transformação e esse lugar de exclusividade da moda – pode ser que ele sempre exista em alguma escala – é como se pertencesse ao passado. Por isso a ideia dos desfiles digitais ou transmitidos em tempo real é tão positiva, porque todos podemos ser convidados. Fazer um desfile no meio de um festival aberto também é uma boa ideia: porque abre e conecta.
Aqui no Brasil, apenas 45% da população está totalmente imunizada, o vírus continua solto e ainda mata com uma média de 400 mortes por dia. Ainda não sabemos como será a nossa temporada, mas ela deve refletir o momento.
E ainda nem falamos das roupas (eu particularmente amei Loewe, Dries Van Noten, Botter, Roksanda Illincic, Prada e Junya Watanabe). Escapismo, fantasia, euforia, exuberância, experimentos, romantismo, sedução, roupas felizes, muitas impensáveis, puro exercício criativo, daqueles que vão abrindo espaço à frente, desbravando caminhos e possibilidades. Esse é o momento. Mesmo que ainda estejamos sob o espectro da pandemia, é importante que, ao menos internamente, a gente consiga um lugar para o sonho e o desejo. E os criadores e artistas têm um papel fundamental para que a gente consiga abrir esse espaço porque eles têm uma virtude que pode mudar o jogo: coragem. É dela que brota criatividade e originalidade.