Menores e menos extravagantes (com exceção da Chanel com seu opulento leão gigante) os desfiles de alta-costura que terminaram no último dia 7 de julho evidenciaram alguns conflitos com os quais o setor ainda luta.
É verdade que o número de vendas/pedidos jamais foram tão altos. Conforme contamos no FFW Blog, a Dior foi obrigada a negar algumas encomendas para que pudesse confeccionar e entregar as demais compras no devido prazo. Mas aqui se faz necessário uma atenção maior aos detalhes, como o geomapa que movimenta a haute couture nos dias de hoje.
Cenário da Chanel: o leão dourado gigante no Grand Palais em Paris, contrastou com a coleção realista e consumível ©firstVIEW
Oriente Médio e Ásia (principalmente China) consumiram alta-costura como nunca. Desde que o ocidente se abalou com a crise financeira de 2008, o público-alvo das coleções de couture migraram para a outra fatia do globo terrestre. Mas não se engane ao acreditar que os best-sellers para essa nova clientela são os vestidos tipo red carpet que atraem celebridades de Hollywood para as primeiras filas dos desfiles.
Segundo matéria publicada no “WWD”, o oriente está cada vez mais interessado em “comprar o ocidente”. Roupas que falam mais bon jour ou good morning – um estilo mais global, porém extra luxuoso, com acabamentos, tecidos e caimentos que hoje só podem ser encontrados numa roupa de alta-costura.
Assim, os desfiles de couture apresentaram essa dualidade. Em parte, querem fazer sonhar, querem levar seus clientes e público admirador para o mundo da fantasia. Porém, precisam colocar os pés no chão e fazer do sonho uma realidade.
Alexis Mabille alta-costura inverno 2010 ©firstVIEW
Tarefa esta que parece plenamente assimilada pelos novos estilistas responsáveis por injetar frescor no segmento. Alexis Mabille, com sua recorrente feminilidade, por exemplo, deixou de lado os vestidos extremamente delicados de coleções passadas e se focou em looks compostos por peças separadas. Mostrou boas combinações de calças e saias retas, com blusas de babados, laços ou então tops corsetados. Mais dia e menos noite.
Bouchra Jarrar alta-costura inverno 2010 ©firstVIEW
Em sua segunda coleção, Bouchra Jarrar falou de um minimalismo geométrico, todo trabalhado em creme e preto. Seu desfile abriu com uma poderosa alfaiataria, com corte reto extremamente geométrico. Em seguida saias, blusas e vestidos trouxeram o mesmo rigor linear, porém suavizados por discretos recortes “V” ou então pequenas aberturas cortadas de forma cirúrgica para revelar, quando não a pele, inserções de couro dourado. Limpo, extremamente preciso e, acima de tudo, real.
Armani Privé alta-costura inverno 2010 ©firstVIEW
Giorgio Armani, com a Armani Privé, também apresentou uma coleção repleta de tons de marrom e beges, trazendo uma deliciosa gama de looks para o dia. Calças impecavelmente cortadas, vinham mais justas na perna, com leve abertura próximo da barra. Blazeres e jaquetas ganharam ombros pontudos sem exagero, acinturando-se delicadamente, ganharam maxi botões com aparência de madeira e, às vezes, delicados babados na gola ondulando rumo a lapela.
Em entrevista a edição de verão da revista “i-D”, o fotógrafo David LaChapelle disse: “Quando as pessoas têm muita realidade, elas buscam por mais fantasia e vice-versa”. Se levarmos em conta as três últimas temporadas de moda, podemos afirmar com considerável precisão que estamos vivendo num período em que precisamos de mais realidade em nossas vidas.
O inverno 2010 do prêt-à-porter falou essencialmente da facilidade das roupas para o cotidiano contemporâneo – o tal utilitarismo-chique. As discussões sobre as modelos magras demais, imagens retocadas em excesso e as campanhas por mais diversidade nas passarelas podem muito bem serem ecos de uma busca pela realidade.
E de fato, se observamos cuidadosamente as três últimas temporadas, a moda parece mesmo estar em busca de uma imagem que traga uma relação mais íntima e relevante para o público. Algo mais palpável, com um mínimo de proximidade – ainda que limitada aos 140 caracteres.
Christian Dior alta-costura inverno 2010 ©firstVIEW
John Galliano que antes já transformou o palácio de Versalhes em passarela, desta vez escolheu o museu Rodin como cenário para alta-costura da Dior. Seu inverno floral, que explorava as perspectivas dos fotógrafos Irving Penn e de Nick Knight não só marcou um retorno a uma imagem um pouco mais livre dos arquivos da marca, como também a união absoluta da tradição com a tecnologia.
Todo trabalho manual exclusivo da couture veio aqui de mãos dadas com a mais avançada exploração têxtil, que dava a cada look uma textura diferente – roupas para serem sentidas. As cores são um caso a parte. Protagonistas da coleção, quando não pintadas a mão, vinham em degradês e transições jamais imaginadas. E é justamente com essa união do tecnológico com o artesanal que Galliano se faz relevante no cenário couture.
Chanel alta-costura inverno 2010 ©firstVIEW
Karl Lagerfeld é outro mestre extremamente sensível. Se suas roupas para a Chanel eram um tanto reais, ele as transportou para a terra dos sonhos com seu cenário mirabolante – um leão dourado gigante em plano Grand Palais. Suas roupas monásticas, imperiais, quase medievais, falavam de uma opulência extrema, ao mesmo tempo que traziam algo de obscuro.
Esse equilíbrio tão peculiar é o que faz desta coleção tão excepcional. Muito mais que a proporção fresca, com comprimentos no joelho ou no meio da perna. Muito mais que as partes de cima ajustadas, rígidas e geométricas sobre as saias mais soltas ou evasês que davam movimento e conforto aos looks em tecidos pesados.
Uma imagem escura, pesada, talvez suja, não é bem algo que se relacione a alta-costura. As saias longuetes com as botas de cano médio meio empapadas, como nos anos 80, falavam de uma estranheza não muito comum ao couture.