Por Guilherme Meneghetti
A Adidas acaba de lançar a nova coleção da linha Training, inspirada 100% na mulher brasileira. Para representar essa mulher, a gigante esportiva trouxe Nérida Cocamaro como destaque da campanha nacional.
Com o seu trabalho, Nérida personifica representatividade e traz à tona o conceito do lugar de fala. O papel da mulher negra no mercado de trabalho e sua luta diária são temas centrais de seu discurso.
Hoje agenciada pela Squad, Nérida começou sua carreira na HDA Models, primeira agência brasileira especializada em modelos negros. “O intuito sempre foi inserir mais modelos negros no mercado da moda, beleza e publicidade”, diz Nérida, em entrevista exclusiva ao FFW, sobre a agência fundada em 2000 por Helder Dias. “O que é ótimo, pois hoje está um pouco melhor, mas nem sempre foi assim. Naquela época víamos pouquíssimos modelos negros na mídia”, continua.
Tímida e doce, nos encontramos com Nérida numa tarde ensolarada em São Paulo para bater um papo sobre sua carreira, influências e ativismo. “Falar de racismo não é só falar de pessoas negras, é falar da sociedade como um todo, porque é algo que está enraizado”, resume.
Leia abaixo:
Antes de fazer parte da Squad, você já fazia alguns trabalhos em veículos/eventos independentes fora do mainstream. Como começou sua história com a moda? Você sempre quis ser modelo?
Nunca tive pretensão de ser modelo. Desde pequena, as pessoas falavam para minha mãe que eu sou alta e magra e que ela deveria tentar me levar em alguma agência. Eu nunca quis porque sempre tive muita vergonha. Até que um dia minha mãe sentou comigo e me perguntou se eu queria tentar. Na época, tinha treze anos e decidi arriscar. Fui numa agência, fiz um book e me prometeram vários trabalhos e projetos, mas não consegui nada – o que acontece com várias meninas. Dei uma desanimada, não queria mais aquilo, e então tentei focar em outras coisas. Quando estava com uns 19/20 anos, conheci uma agência que é especializada em modelos negros, a HDA Models, e aí me interessei de novo. Mandei e-mail pra eles e me responderam. Fiz um curso lá e comecei a atuar como modelo sendo agenciada por eles. Foi nesse momento que eu comecei a entender um pouco mais de moda e me identificar. Fiquei lá um ano e meio e depois fui fazendo alguns trabalhos independentes. No meio do processo, algumas oportunidades foram aparecendo para desfiles e campanhas, e assim foi rolando.
Em quem você se inspira?
Tenho várias inspirações! Naomi Campbell é uma delas. Todo mundo falava e eu pensava “gente, quem é essa mulher, preciso conhecer!”. Foi uma das primeiras modelos negras de sucesso que eu conheci. Me inspiro na Alek Wek, que é maravilhosa. Grace Jones não só como modelo, mas também como ativista, mulher negra. Ela tem sucesso em tudo o que ela faz – além dos seus cortes de cabelo, que são maravilhosos. Lupita Nyong’o também, de um tempo pra cá.
Como você chegou à Squad?
A abordagem da Squad é sempre feita via e-mail ou Instagram. Eles viram o meu perfil, gostaram e entraram em contato para ver a possibilidade de um agenciamento, e aí fui até eles.
Você é destaque da recém-lançada campanha nacional de Training da adidas. Sua história com a marca não é de hoje.
Sim, já fiz alguns trabalhos e eventos com a Adidas, já fiz alguns eventos com eles. Confesso, nunca na minha vida imaginei estar numa campanha da Adidas, que é uma marca mundialmente famosa, e eu sempre gostei da marca, desde, sei lá, minha adolescência. Quando recebi o convite pra fazer a campanha, fiquei muito feliz. É algo que eu almejava na minha vida, uma campanha grande, que tem ótima visibilidade, além de ser uma marca que eu, pessoalmente, gosto muito. Pra mim foi bem importante!
Você já estrelou campanhas de marcas como Dress Coração, LAB e Awaytomars, editoriais de revistas como Elle e Glamour Brasil, desfilou na Casa de Criadores e participou de videoclipes de Rincon Sapiência e Tegê (seu namorado). Com o seu trabalho você traz à tona a representatividade e o lugar de fala. Você acha que ambos os conceitos precisam ser mais difundidos no Brasil?
Acredito que sim. A gente já alcançou um patamar importante, mas acredito que quanto mais pessoas negras falando sobre questões raciais não somente na moda, mas em todas as esferas da sociedade, acredito que vá melhorar. Porque é um caminho longo que a gente tem a percorrer. Ainda hoje, vemos muitos casos de preconceito racial. São coisas que algumas pessoas podem pensar que não aconteça. É necessário abrir os olhos dessas pessoas pra que elas percebam que falar de racismo não é só falar de pessoas negras, é falar da sociedade como um todo, porque é algo que está enraizado na nossa sociedade, né? Acho importante as pessoas perceberem que, para além da estética, ali não é só uma pessoa que está estrelando uma campanha. É uma pessoa que tem os seus sentimentos, suas lutas, seus comportamentos e que precisa ser ouvida.
Você acha que esse momento de diversidade que estamos vendo na mídia veio de fato para quebrar paradigmas?
As pessoas estão se abrindo mais para falar sobre diversidade, até porque estamos no Brasil, são diversas culturas dentro de um país só. As pessoas estarem mais perceptivas e abertas ao diálogo sobre o assunto, sobre diversificar as campanhas, a moda, tudo, acredito que é importante e que está acontecendo. É um processo, na verdade. Começou lá atrás, nossa geração está aqui e outras gerações virão. Acredito que eles também terão esse poder de continuar esse diálogo e tentar, de alguma forma, resolver essas questões.
Pode-se dizer que você trabalha com algumas marcas e projetos com os quais compartilha determinadas ideologias. Isso sempre aconteceu?
Não. Eu demorei muito pra entender sobre questões raciais e que falavam comigo diretamente. Sempre me entendi como negra, mas não tinha aprofundado minhas pesquisas por conta de algumas coisas que tinha sofrido e talvez por isso não queria tocar no assunto. A partir do momento que eu me vi na moda enquanto mulher negra, entendi que havia algumas coisas e abordagens que eu deveria tomar partido e falar não só superficialmente, tipo “ah, sou uma menina negra” e ponto. Não, sou uma menina negra e tenho minhas lutas assim como outras meninas. E se elas estão me vendo lá, eu me sinto na obrigação de falar pra elas sobre essas questões, para meninas que talvez não se identifiquem negras, possam se ver, entender e sentir orgulho disso. As pessoas sempre colocaram na minha cabeça que ser negra é algo ruim. A gente vai desconstruindo isso com o tempo e eu quero conseguir ajudar a desconstruir isso na cabeça de outras meninas pra que cada uma vai passando para outra e formar uma gama de pessoas que se entendem e se identifiquem.
E o que você planeja para daqui pra frente?
Penso muito em fazer alguns trabalhos fora do Brasil, tentar a sorte lá, fazer campanhas e seguir o meu longo caminho na área da moda.